Sióstio de Lapa
Pensamentos e Sentimentos
Meu Diário
28/06/2016 23h59
SÃO JOÃO NA COMUNIDADE

            Mais uma vez (segundo ano) participamos da festa de São João na comunidade da Praia do Meio. No ano passado a AMA-PM foi quem protagonizou o evento e fiquei dentro dele do início ao fim, procurando dar uma conotação evangélica a essa festa religiosa que se tornou essencialmente pagã. Até mesmo as músicas que deviam evocar o simbolismo religioso, terminam por se contaminar com o erotismo e as quadrilhas passam a explorar mais as relações instintivas do primitivo do que intuitivas com o sagrado.

            Este ano a AMA-PM participou como convidada, colocando apenas uma barraca dentro do evento, comercializando com prioridade as comidas típicas. O que evocava o Evangelho era apenas o símbolo das camisas que algumas pessoas usavam ou o adesivo para carros que eu acabara de receber da gráfica, com os dizeres: “EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA. JESUS. AMA PRAIA DO MEIO. NATAL-RN.”

            Ainda tentei dar um toque de organização, de falar sobre os organizadores da festa, dos apoiadores e dos participantes. Mas senti que não havia espaço para tal, pois as quadrilhas já estavam chegando e não havia como controlar os espaços de som e de apresentação para colocar dentro deles a mensagem evangélica. Até mesmo um convidado que veio para falar exclusivamente da natureza evangélica do evento, não encontrou espaço para isso.

            Fiquei resignado, sentado numa mesa comendo bolo e espetinhos de churrasco. Refletia sobre o evento e qual seria a forma de atingir esse povo que só pensava em diversão da carne, e quase nada para o alimento do espírito. A ocasião junina era propícia, falar de João, o batizador, aquele que primeiro falou sobre o advento do Reino de Deus que viria a ser instalado através do Messias que ele precedia. Para falar também de Pedro, como aquele rude pescador que resolveu seguir o Mestre sem compreender muito bem o que estava fazendo, qual era a missão, mas que devotava fé no seu Mestre e por isso assumiu o seu lugar quando esse saiu fisicamente do meio de nós.

            Nada disso foi dito, nada disso foi lembrado, nada disso foi incentivado para ser praticado... nós da AMA-PM, que semanalmente estamos juntos e abrindo a reunião com uma reflexão evangélica, estávamos ali no meio da turba e absorvidos por ela. As lições do nosso Mestre não saiam de nossas bocas.

            Fiquei impotente frente essa realidade. Fiz uma prece muda ao Pai, pedindo sabedoria para fazer a vontade dEle.

            Tive oportunidade de sair antecipadamente da festa e ao me dirigir ao carro fui confrontado com a miséria humana, face a face. Um pastorador de carros que no primeiro momento me causou asco e vontade de repudiá-lo, tive que ficar perto dele para deixar minha filha sair com segurança daquele ambiente. Ele teve oportunidade de me fazer um pedido e eu passei a interroga-lo, tentando mostrar a ele a importunidade de fazer qualquer pedido para mim. A minha ojeriza foi bombardeada pelo conhecimento que ele passou para mim: era uma pessoa jogada na rua, sua família fragmentada se espalhava por toda cidade, cada parente com suas dificuldades e cuja mãe não podia ou não queria recebe-lo. Ele dormia no relento, num dos quiosques da praia. O seu rosto deformado por tumorações parecia a face de um novo leproso, vagante pelos modernos prédios das cidades civilizadas. E eu, parecia um novo Francisco, em tudo parecido com aquele de Assis que odiava os leprosos e que tentava bater neles para não se aproximarem.

            Sai dali no meu carro e coloquei em sua mão áspera, umas poucas pratinhas que eu já reservara para fazer minha “caridade” por onde passasse.

            Vim direto para o meu apartamento refletindo sobre o fato e resolvi escrever esse texto. Colocar de público a fraqueza do meu espírito, que tanto deseja fazer a vontade de Deus; eu que estou colocado ao lado de pessoas que representam o Seu filho amado, pessoas que vagam por esse mundo afora como invisíveis, que passam fome e frio, que perderam a dignidade humana e agora se apegam a sobrevivência animal; e eu que fico apenas ensimesmado em como falar dos apóstolos dentro de uma festa mais pagã que religiosa...

            Sim, Pai, eu te pedi sabedoria e Tu me mostrou quanto sou ignorante. Pelo menos não fui incoerente.

Publicado por Sióstio de Lapa
em 28/06/2016 às 23h59