Os pais de G voltaram ao consultório sem a filha, pediram um encaixe e foram ambos até lá. Disseram que a filha vai bem, que ela segue tomando a medicação que eu prescrevi sem que ela tenha conhecimento disso, toma dentro da alimentação.
Perguntam se esse procedimento está correto, se eles podem continuar a agir assim, pois sentem que ela vai bem, assumiu todas as suas responsabilidades profissionais, viaja sozinha de um município a outro, distando 280 km, sem problemas durante a viagem ou durante o período que fica nesse município sem tomar a medicação.
Eu respondo que isso não é o correto, que o paciente deve ter conhecimento da doença que tem e do remédio que toma, e de outras providências, no caso dela, a psicoterapia. Mas como ela não aceita que tem nenhum transtorno mental, que suas dificuldades são de ordem física ou sócio profissional. Se eu fosse seguir com rigor a técnica terapêutica, não iria permitir que o paciente tomasse remédio escondido. Iria dizer que ela faz uso do remédio na alimentação, que os seus pais é quem tomam essa atitude para proteger do risco da exacerbação dos sintomas e talvez com uma evolução patológica que implicasse na necessidade de uma internação.
Expliquei tudo isso aos pais da paciente, e confirmei que não tomo a atitude técnica, porque considero que na comparação de um esclarecimento da situação que implique no estresse de uma internação psiquiátrica, prefiro ficar mantendo um tratamento clandestino para a paciente, desde que ela se encontra estabilizada emocionalmente.
Apesar de tudo, sei que essa é uma prática muito comum, de orientarmos a família de nosso pacientes para administrarem o remédio na alimentação quando houver a rejeição. Mas geralmente os pacientes sabem que estão indo à consulta médica, sabem que está sendo prescrita a medicação, sabem que as pessoas ao redor compreendem que eles tem um problema mental. Essa paciente foge desse perfil, pois compreende que não está em tratamento psiquiátrico, que está desenvolvendo a sua vida sem necessidade de nenhuma medicação. Esse é o aspecto mais complicado, pois não existe a possibilidade de indicar outros procedimentos necessários, como é o caso da psicoterapia, pois a paciente se considera livre dessa necessidade, por ser uma pessoa psiquicamente saudável.
Com esse perfil de G eu considero apenas uma outra paciente, idosa, que sofre de distimia, também não se considera portadora de transtorno mental e faz uso da medicação necessária porque algumas das filhas aplicam, um remédios que ela toma pensando ser útil para outra dificuldade de natureza física.
Essas pessoas sempre irão depender de outras que convivam consigo para conter os seus sintomas e nada é feito no sentido de melhorar a doença de forma mais global, principalmente com o uso da psicoterapia.