Quando falamos no amor romântico sempre estamos nos referindo ao amor imanente, ao amor associado a reprodução dos corpos materiais e portanto, associado ao mundo material. O amor transcendental, por outro lado e por definição, é aquele que transcende a dimensão material, que extrapola os interesses reprodutivos dos corpos biológicos.
Krishna é o Deus indiano que conta com o maior número de adeptos em todo o mundo, ao lado de Jesus e Buda. Ele é a oitava manifestação de Vishnu, o deus da preservação da suprema trindade hindu, ao lado de Shiva e Brahma.
Conforme as lendas, o objetivo desse Avatar era triplo: destruir as personificações da ignorância que ameaçam o equilíbrio do Cosmo; tornar o centro do desenvolvimento; e assumir o papel de liderança na grande guerra. Ele também entregaria sua mensagem filosófica no texto conhecido como “Bhagavad Gita” (Sublime Canção).
Krishna ia crescendo pouco a pouco e transformando-se em adolescente. Num dia, em que as pastoras foram banhar-se no rio Yamuna, acercou-se cautelosamente do lugar e roubou todos os vestidos, colocando-os em uma árvore próxima. Quando as pastoras saíram da água e buscaram suas roupas em vão, empenharam-se a lamentar, sem saber que decisão tomar. Mas quando viram Krishna na copa de uma árvore contemplando-as e rindo, arrojaram-se novamente no rio e, dali, pediram que ele se apiedasse delas. Krishna não aceitou levar-lhe a roupa, e sim que fossem buscar, uma a uma, com as mãos juntas, em atitude de súplica.
Esse episódio é somente uma introdução a muitos outros parecidos. As esposas e filhas dos pastores, livrando-se de sua reserva e modéstia habituais, abandonavam seus lares e ocupações para seguir Krishna ao bosque tão logo ouvissem os sons de sua flauta. Nessas ocasiões, ele dirigia-lhes amáveis reprovações, mescladas com advertências de que só por meio da meditação nele obteriam a salvação. Eram tantas as pastoras que se enamoravam de Krishna que ele não podia dar-lhes as mãos quando dançava com elas. Então, o Deus multiplicava-se em cópias precisas e cada bailarina sentia a ilusão de ter, entre suas mãos, o Deus Krishna. Quaisquer que fossem as formas que adorassem, Krishna as faria livres. Algumas o conheceram e o buscaram como filho ou como amigo, outras, como amantes, e algumas como inimigas, mas não se sabe de ninguém que deixou de alcançar suas bênçãos e o benefício da libertação.
Este é um exemplo de amor transcendental que extrapola os limites materiais, de uma pessoa exclusiva para outra. Krishna é o polo atrativo para onde tantas mulheres se dirigem em busca de se tornarem importantes, de alcançarem a liberdade da ignorância da vida, da rotina voltada para a sobrevivência do corpo e da reprodução de novos seres. Para Ele atender a tantas tem o poder de se duplicar em cópias e cada uma tem a impressão de estar com o original e mesmo assim se beneficia. Aqui, na imanência do mundo material, nós, simples mortais, não temos o poder de agir dessa forma. Se por acaso desenvolvemos o amor e nos transformamos num polo atrativo para as mulheres que podem se beneficiar dele, iremos sofrer os efeitos do egoísmo pela falta de compreensão quando nos mantemos afastados por estar perto de outra pessoa. Nessa situação é muito mais fácil de desenvolver sentimentos negativos como raiva e ressentimentos, apesar de todas se beneficiarem das ações amorosas.
Nas façanhas de sua vida, Krishna transgrediu inúmeras convenções e regras morais estabelecidas pela sociedade, inclusive algumas motivadas pela paixão, que extrapolava os limites éticos dos relacionamentos. Este é um comportamento incompatível com a atitude de um Deus, que não pode se submeter a paixões e prejudicar a terceiros.
Outra atitude pouco comum de Krishna é o fato de ter oficialmente elegido, entre as pastoras (Gopis), uma amante. Esta, esposa de um humilde camponês, chamava-se Radha. Krishna e sua amante viveram juntos momentos de intensa paixão, carregados de erotismo, descrito no livro “Gita Govinda”.
Radha é representada principalmente como uma subordinação pessoal voluntária ao seu amado Krishna, sua personalidade dissolvendo-se nele. Com os olhos fechados, a deusa segue-o para onde ele a leva, confiando completamente e abrindo mão do seu ego. Mantém duas características básicas e arquetípicas: um grande sentimento (mahabhava) e devoção ao amor desinteressado, incondicional (premabhakti).
Esta é a metáfora divina de um devoto que se funde com seu Deus. Por extensão, também simboliza um ser amado que se funde com o seu amor. Essa lição também pode ser encontrada na Bíblia, onde diz que a mulher deve se fundir ao homem e que deve segui-lo enquanto cabeça do casal.
Essa completa anulação do ego feminino em função dos paradigmas masculinos, aponta para o encontro da alma gêmea, o que até agora não consegui e não nutro esperanças de encontrar algum dia nesta atual existência. Talvez eu consiga ser essa alma gêmea para algum homem, quando em outra vivência eu vier como mulher para experimentar as lições que esse gênero deve passar para mim. E com certeza, essa anulação do meu ego feminino para seguir os paradigmas do meu companheiro masculino será minha grande lição e que tanto senti falta nesta atual vivência.