No último fim de semana fomos testemunha de uma ofensiva do mal na penitenciária de Alcaçuz, município de Nísia Floresta, Rio Grande do Norte. Alguns presos avançaram sobre outros presos, divididos em facções, e deram uma demonstração de barbárie, de carnificina. Lembrei então de uma entrevista fictícia feita por Arnaldo Jabor, em 2007, que foi ar pela Rádio CBN, e que voltou a circular na internet. É puramente fictício, apenas mais uma crônica do Arnaldo Jabor. A entrevista não é verdadeira, mas a sua essência impregna a nossa realidade. Pois vejamos, essa espécie de 3x4 da ofensiva do mal.
Íntegra da imaginária entrevista de Marcola – Estamos todos no inferno
- Entrevistador: Você é do PCC?
- Marcola: Mais que isso, sou um sinal de novos tempos. Era pobre e invisível... Vocês nunca me olharam durante décadas... E antigamente era mole resolver o problema da miséria... O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias... A solução que nunca vinha... Que fizeram? Nada. O governo federal alguma vez alocou verba para nós? Só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a “beleza dos morros ao amanhecer”, essas coisas... Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo... Somos o início tardio de vossa consciência social... Viu? Sou culto... Leio Dante na prisão...
- E: Mas... a solução seria...
- M: Solução? Não há mais solução, cara... A própria ideia de “solução” já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento econômico, revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma “tirania esclarecida”, que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice (ou você acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear vão roubar até o PCC...) e do Judiciário que impede punições. Teria de haver uma reforma radical do processo penal do País, teria de haver comunicação e inteligência entre policiais municipais, estaduais, e federais (fazer até “conference calls” entre presídios...) E tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria uma mudança psicossocial profunda na estrutura política do País. Ou seja: é impossível. Não há solução.
- E: Você não tem medo de morrer?
- M: Vocês é que tem medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar... mas eu posso mandar matar vocês lá fora... somos homens-bomba. na favela tem 100 mil homens bomba... estamos no centro do “Insolúvel”, mesmo... vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira. Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, num ataque do coração... A morte para nós o “presunto” diário, desovado numa vala... Vocês intelectuais não falavam de em “luta de classes”, em “seja marginal, seja herói”? Pois é: chegamos, somos nós! Há há... vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né? Sou inteligente. Leio, li 3 mil livros e leio Dante... mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto deste País. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien, escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem. Vocês não ouvem as gravações feitas “com autorização da Justiça”? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a m*** com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação de espécie social, são fungos de um grande erro sujo.
- E: O que mudou nas periferias?
- M: Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem 40 milhões de dólares como o Beira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório... Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no “micro-ondas”... há, há... Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Lutamos em terreno próprio. Vocês em terra estranha. Não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Somos bem armados. Vocês vão de “três oitão”. Estamos no ataque. Vocês na defesa. Vocês tem mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformaram em superstars do crime. Fazemos vocês de palhaços. Somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora; somos globais. Não nos esquecemos de vocês; são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.
- E: Mas o que devemos fazer?
- M: Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas... O País está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC e o CV? Estou lendo o Klausewitz, “Sobre a Guerra”. Não há perspectivas de êxito... Somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas... A gente já tem até foguetes antitanques... Se bobear, vão rolar uns Stingers aí... Prá acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas... Aliás, a gente acaba arranjando também “umazinha” daquelas bombas sujas mesmo... Já pensou? Ipanema radioativa?
- E: Mas... não haveria solução?
- M: Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a “normalidade”. Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma auto crítica da própria incompetência. Mas vou ser franco... na boa... na moral... Estamos todos no centro do “Insolúvel”. Só que nós vivemos dele e vocês... não tem saída. Só a m***. E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por que? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema. Como escreveu o divino Dante: “Lasciate ogni speranza voi che entrate”! Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno!
Essa é a situação que estamos vivenciando... o inferno explodindo dentro das penitenciárias e com ameaça de levar o caos a toda a sociedade. Como o Exército do Bem pode fazer o enfrentamento em situação perversa tão difundida em todos os meios sociais, desde o campo político, jurídico, econômico e até no religioso?