Sióstio de Lapa
Pensamentos e Sentimentos
Meu Diário
05/04/2017 23h59
ASSÉDIO SEXUAL

            Nós, humanos, vivemos sobre intensa e constante força instintiva para atingir o prazer corporal, quer seja com químicos, quer seja com ações como alimentação, jogo e sexo. Criamos instâncias éticas para colocar limites que viabilizem a existência de uma sociedade fraterna, justa, igualitária. Mas, qualquer pessoa imbuída de algum grau de poder, sempre tenta violar esses limites em detrimento do mais fraco. Quando existe uma compreensão espiritual mais forte, serve de mais uma barricada importante para frear os impulsos instintivos que levam prejuízo ao próximo.

            Aconteceu um caso divulgado nas redes sociais que mostra a dimensão desse problema com pessoas bem conhecidas e até consideradas ídolos para uma parcela da população. Vejamos o relato da vítima que teve que recorrer ao apelo da opinião pública através das redes sociais.

            SOBRE O ASSÉDIO PRATICADO POR JM.

            POR ST, VIA #AGORAÉQUESÃOELAS

            Eu, SMT, fui assediada por JMD. Tenho 28 anos, sou uma mulher branca, bonita, alta. Há cinco anos vim morar no Rio de Janeiro, em busca do meu sonho: ser figurinista.

            Qual mulher nunca levou uma cantada? Qual mulher nunca foi orimida a rotular a violência do assédio como “brincadeira”? A primeira “brincadeira” de JMD comigo começou há 8 meses. Ele era protagonista da primeira novela em que eu trabalhava como figurinista assistente. E essa história de violência se inicia com o simples: “como você é bonita”. Trabalhando de segunda a sábado, lidar com JM era rotineiro. E com ele vinham seus “elogios”. Do “como você se veste bem”, logo eu estava ouvindo: “como a sua cintura é fina”, “fico olhando a sua bundinha e imaginando seu peitinho”, “você nunca vai dar para mim?”.

            Quantas vezes tivemos e teremos que nos sentir despidas pelo olhar de um homem, e ainda assim – ou por isso mesmo – sentiremos medo de gritar e parecermos loucas? Quantas vezes vamos deixar passar, constrangidas e enojadas, essas ações machistas, elitistas, sexistas e maldosas?

            Foram meses envergonhada, sem graça, de, não raros, sorrisos encabulados. Disse a ele, com palavras exatas e claras, que não queria, que ele não podia me tocar, que se ele me encostasse a mão eu iria ao RH. Foram meses saindo de perto. Uma vez lhe disse: “você tem uma filha da minha idade. Você gostaria que alguém tratasse assim a sua filha?”

            A opressão é aquela que nos engana e naturaliza o absurdo. Transforma tudo em aceitável, em tolerável, em normal. A vaidade é aquela que faz o outro crer na falta de limite, no estrelato, no poder e na impunidade. Quantas vezes teremos que pedir para não sermos sexualizadas em nosso local de trabalho? Até quando teremos que ir às ruas, ao departamento de Recursos Humanos ou a ouvidoria pedir respeito?

            Em fevereiro de 2017, dentro do camarim da empresa, na presença de outras duas mulheres, esse ator, branco, rico, de 67 anos, que fez fama como garanhão, colocou a mão esquerda na minha genitália. Sim, ele colocou a mão na minha buceta e ainda disse que esse era seu desejo antigo. Elas? Elas, que poderiam ser eu, não ficaram constrangidas. Chegaram até a rir de sua “piada”. Eu? Eu me vi só, desprotegida, encurralada, ridicularizada, inferiorizada, invisível. Senti desespero, nojo, arrependimento de estar ali. Não havia cumplicidade, sororidade.

            Mas segui na engrenagem, o mecanismo subserviente.   

            Nos próximos dias, fui trabalhar rezando para não encontra-lo. Tentando driblar sua presença pra poder seguir. O trabalho dos meus sonhos tinha virado um pesadelo. E pra me segurar, eu imaginava que, depois da mão na buceta, nada de pior poderia acontecer. Aquilo já era de longe a coisa mais distante da sanidade que eu tinha vivido.

            Até que, em um set de filmagem com 30 pessoas, estávamos, entre elas, ele e eu. Ele no centro do set, sob os refletores, no cenário, câmeras apontadas para si, prestes a dizer seu texto de protagonista. Neste momento, sem medo, ameaçou me tocar novamente se eu continuasse a não falar com ele. Eu não silenciei.

            “VACA”, ele gritou. Para quem quisesse ouvir. Não teve medo. E por que teria, mesmo?

            Chega. Acuso o santo, o milagre e a igreja. Procurei quem me colocou ali. Fui ao RH. Liguei para a ouvidoria. Fui ao departamento que cuida dos atores. Acessei todas as pessoas, todas as instâncias, contei sobre o assédio moral e sexual que há meses eu vinha sofrendo. Contei que tudo escalou e eu não conseguia encontrar mais motivos, forças para estar ali. A empresa reconheceu a gravidade do acontecimento e prometeu tomar as medidas necessárias. Me pergunto: quais serão as medidas? Que lei fará justiça e irá reger a punição? Que me protegerá e como?

            Sinto no peito uma culpa imensa por não ter tomado medidas sérias e árduas antes, sinto um arrependimento violento por ter me calado, me odeio por todas às vezes em que, constrangida, lidei com o assédio com um sorriso amarelo. E, principalmente, me sinto oprimida por não ter gritado só porque estava em meu local de trabalho. Dá medo, sabia? Porque a gente acha que o ator renomado, 30 a tantos papéis, garanhão da ficção com contrato assinado, vai seguir impassível, porque assim lhe permitem, produto de ouro, prata da casa. E eu, engrenagem, mulher, paga por obra, sou quem leva a fama de oportunista. E se acharem que eu dei mole? Será que vão me contratar outra vez?

            Tenho de repetir o mantra: a culpa não foi minha. A culpa nunca é da vítima, e me sentiria eternamente culpada se não falasse. Precisamos falar. Precisamos mudar a engrenagem.

            Não quero mais ser encurralada, não quero mais me sentir inferior, não quero me sentir mais bicho e muito menos uma “VACA”. Não quero ser invisível a menos que eu esteja atendendo aos desejos de um homem.

            Falo em meu nome e acuso o nome dele para que fique bem claro, que não haja dúvidas. Para que não seja mais fofoca. Que entendam que é abusivo, é antigo, não é brincadeira, é coronelismo, é machismo, é errado. É crime. Entendam que não irei me calar e me afastar por medo. Digo isso a ele e a todos e todas que como ele , homem ou mulher, pensem diferente. Que entendam que não passarão. E o que o meu assédio não vai ser embrulho de peixe. Vai é embrulhar o estômago de todos vocês por muito tempo.

            ST é figurinista.

            O texto mostra um quadro claro do assédio sexual associado ao moral, quando o agressor não consegue êxito em suas primeiras investidas. Podemos ver que os limites éticos foram ultrapassados, a vítima indefesa não consegue uma solidariedade automática das testemunhas. O aspecto espiritual não está nem ao menos sendo cogitado.

            Neste aspecto das relações interpessoais podemos perceber o quanto ainda estamos longe de observar o Reino de Deus ao nosso redor.

Publicado por Sióstio de Lapa
em 05/04/2017 às 23h59