Existe uma história no livro “Boa Nova”, de Humberto de Campos/Chico Xavier, que me deu um grande alento frente a uma dúvida que sempre martela a minha consciência com relação à caridade. Resisto muitas vezes a fazer a caridade, nas ruas, nos semáforos das ruas, pois imagino que possa estar sendo ludibriado e prejudicando quem esteja naquela situação. Mas fica sempre uma dúvida se estou ou não fazendo o correto, se não devia ajudar de qualquer forma, mesmo que por trás tivesse alguma maldade sendo beneficiada. Isso seria da conta de Deus com essa pessoa malvada.
Nessa história relatada por Humberto de Campos através de Chico Xavier, veio o ensinamento que não posso ficar bitolado somente na letra do que está nos evangelhos, o orar e vigiar é importante assim como a prática da caridade de forma mais ampla possível, e não só na doação de uma simples moeda para aliviar a consciência.
Tadeu parecia querer impor aos ouvintes das palestras de Jesus a entrega de todos os bens aos necessitados. Filipe não vacilava em afiançar que ninguém deveria possuir mais que uma camisa, constituindo uma obrigação tudo dividir com os infortunados, privando-se cada qual do indispensável à vida.
Levi, o antigo cobrador de impostos, replicava com cuidado: “E quando o pobre nos surge apenas nas aparências? Conheço homens abastados que choram na coletoria de Cafarnaum, como miseráveis mendigos, apenas para não pagar os impostos. Sei de outros que estendem a mão à caridade pública e são proprietários de extensas terras. Estaríamos edificando o Reino de Deus se favorecêssemos à exploração?”.
Tudo isso é verdade, redarguia Simão Pedro, entretanto, Deus nos inspirará sempre nos momentos oportunos, e não é por essa razão que devemos abandonar os realmente desamparados.
Levi não se dava por vencido e retrucava – A necessidade sincera deve ser objeto incessante de nosso carinhoso interesse, mas tratando-se de falsos mendigos, é preciso considerar que a palavra de Deus vindo por nosso Mestre, nos adverte que devemos orar e ser vigilante. É importante que não distorcemos o nosso sentimento de piedade e termine por prejudicar aos irmãos que estão desviados da estrada do Senhor.
Mas Filipe, agarrado à letra do Evangelho, continuava acreditando que era mais fácil a passagem de um camelo pelo fundo de uma agulha do que a entrada de um rico no Reino do Céu.
Jesus não participava dessas discussões, mas esperava uma oportunidade para um esclarecimento geral.
Na sua última ida à cidade de Jericó, um publicano de nome Zaqueu conhecia a fama de Jesus e queria vê-lo. Zaqueu era de pequeno porte e subira numa árvore para ver Jesus. O Mestre o viu e pediu para descer da árvore porque necessitava da sua hospitalidade e companhia. Zaqueu ficou possuído de imenso júbilo, abraçou-se com Jesus com prazer e espontaneidade e deu ordens para que Jesus e sua comitiva fossem bem recebidos. O Mestre deu o braço ao publicano e escutava, atento, as suas observações, com grande escândalo dos discípulos: “Não se tratava de um rico que merecia ser condenado?”; “Como justificar tudo isso se Zaqueu é um homem de dinheiro e pecador perante à lei?”
Zaqueu mandou servir uma refeição a todo o povo e passaram a conversar num vasto alpendre sobre a missão de Jesus, que sabia ser condenável as riquezas criminosas do mundo. O publicano esclarecia com toda a sinceridade da alma:
- Senhor, é verdade que tenho sido observado como um homem de vida reprovável, mas, desde muitos anos venho procurando empregar o dinheiro de modo que represente benefícios para todos que me rodeiam na vida. Compreendendo que aqui em Jericó havia muitos pais de família sem trabalho, organizei múltiplos serviços de criação de animais e de cultivo permanente da terra. Até de Jerusalém, muitas famílias já vieram buscar, em meus trabalhos, o indispensável recurso à vida!...
- Abençoado seja o teu esforço! – replicou Jesus, cheio de bondade.
Zaqueu ganhou novas forças e murmurou:
- Os servos de minha casa nunca me encontraram sem a sincera disposição de servi-los.
- Regozijo-me contigo – exclamou o Messias -, porque todos nós somos servos de nosso Pai.
O publicano que tantas vezes fora injustamente acusado, experimentou grande satisfação. A palavra de Jesus era uma recompensa valiosa à sua consciência dedicada ao bem coletivo. Extasiado, levantou-se e, estendendo as mãos ao Cristo, exclamou alegremente:
- Senhor! Senhor! Tão profunda é a minha alegria, que repartirei hoje, com todos os necessitados, a metade dos meus bens, e, se nalguma coisa tenho prejudicado a alguém, indenizá-lo-ei, quadruplicamente! ...
Jesus o abraçou com um formoso sorriso e respondeu:
Bem-aventurado és tu que agora contemplas em tua casa a verdadeira salvação.
Alguns dos discípulos, notadamente Filipe e Simão, não conseguiam ocultar suas deduções desagradáveis. Mais ou menos aferrados as leis judaicas e atentando somente no sentido literal das lições do Messias, estranhavam aquela afabilidade de Jesus, aprovando os atos de um rico do mundo, confessadamente publicano e pecador. E, como o dono da casa se ausentasse da reunião por alguns minutos, a fim de providenciar sobre a vinda de seus filhos para conhecerem o Messias, Pedro e outros prorromperam numa chuva de pequeninas perguntas. Por que tamanha aprovação a um rico mesquinho? As riquezas não eram condenadas pelo Evangelho do Reino? Por que não se hospedaram numa casa humilde, e sim naquela vivenda suntuosa, em contraposição aos ensinos da humildade? Poderia alguém servir a Deus e ao mundo de pecados?
O Mestre deixou que cessassem as interrogações e esclareceu com generosa firmeza:
- Amigos, acreditais, porventura, que o Evangelho tenha vindo ao mundo para transformar todos os homens em miseráveis mendigos? Qual a esmola maior: a que socorre as necessidades de um dia ou a que adota providências para uma vida inteira? No mundo vivem os que entesouram na Terra e os que entesouram no Céu. Os primeiros escondem suas possibilidades no cofre da ambição e do egoísmo, e por vezes, atiram uma moeda dourada ao faminto que passa, procurando livrar-se de sua presença; os segundos ligam suas existências a vidas numerosas, fazendo de seus servos e dos auxiliares de esforços a continuação de sua própria família. Estes últimos sabem empregar o sagrado depósito de Deus e são seus mordomos fiéis, à face do mundo.
Os apóstolos ouviam-no, espantados. Filipe, desejoso de se justificar, depois da argumentação incisiva do Cristo, exclamou:
- Senhor, eu não compreendia bem porque trazia o meu pensamento fixado nos pobres que a Vossa bondade nos ensinou a amar.
- Entretanto, Filipe, elucidou o Mestre, é necessário não nos perdermos em viciações do sentimento. Nunca ouviste falar numa terra pobre, numa árvore pobre, em animais desamparados? E acima de tudo, nesses quadros da Natureza a que Zaqueu procura atender, não vês o homem, nosso irmão? Qual será o mais infeliz: o mendigo sem responsabilidade, a não ser da sua própria manutenção, ou um pai carregado de filhinhos a lhe pedirem pão?
Como André o observasse, com grande brilho nos olhos, maravilhado com as suas explicações, o Mestre acentuou:
- Sim, amigos! Ditosos os que repartirem os seus bens com os pobres; mas bem-aventurados também os que consagrarem suas possibilidades aos movimentos da vida, cientes de que o mundo é um grande necessitado, e que sabem, assim, servir a Deus com as riquezas que lhes foram confiadas!
Em seguida Zaqueu mandou servir uma grande mesa ao Senhor e seus discípulos, onde Jesus partiu o pão, partilhando do contentamento geral. Impulsionado por um júbilo insopitável, o chefe publicano de Jericó apresentou seus filhos a Jesus e mandou que seus servos festejassem aquela noite memorável para o seu coração.
Nos terreiros amplos da casa, crianças e velhos felizes cantavam hinos de cariciosa ventura, enquanto jovens em grande número tocavam flautas, enchendo de harmonias o ambiente.
Foi então que Jesus, reunidos todos, contou a formosa parábola dos talentos, conforme a narrativa dos apóstolos, e foi também que, pousando enternecido e generoso olhar sobre a figura de Zaqueu, seu lábios divinos pronunciaram as imorredouras palavras: - Bem-aventurado sejas tu, servo bom e fiel!