O tributo aos mortos está registrado desde as mais antigas civilizações, como nos mostram as pirâmides do Egito, o Livro dos mortos, também do Egito, e reconhecido como o primeiro livro da humanidade. Mais próximo de nós temos “A Divina Comédia” de Dante Alighieri, mostrando a forma de pensamento do mundo espiritual que as pessoas iriam encontrar depois da morte. Até hoje observamos cerimônias e colóquios em favor e respeito aos mortos.
Tendo como base essa reflexão da morte como a passagem para uma dimensão ainda desconhecida, mas com certeza muito importante, passamos a verificar qual a melhor forma de nos prepararmos para entrar nesse mundo extra-físico. A caridade como expressão prática do Amor, parece ser a melhor forma de adquirirmos esse preparo.
Tenho visto até hoje a caridade de um ponto de vista orgulhoso e vaidoso. Sinto-me na condição de praticar a caridade por ser uma pessoa melhor, mais conceituada, que tem mais condições do que a maioria das pessoas do meu círculo social. Mas ledo engano! Ao fazer uma reflexão mais apurada, verifico que desde cedo sou alvo da caridade de alguém, que muitas vezes nem soube nem saberei de quem se trata. Lembro-me quando criança ao tentar atravessar correndo uma rua, de repente me vi suspenso no ar pelos braços de alguém, enquanto na minha frente passava um carro em disparada. Eu seria alvo de atropelamento e possivelmente morreria, pela velocidade que o carro desenvolvia. Até hoje não sei o autor dessa caridade.
Em outro momento eu estava em São Paulo capital, hospedado na casa de um amigo, enquanto fazia o curso de pós-graduação. Pegava o coletivo à noite de volta para casa, já bastante tarde. Cochilei no ônibus e fui desperto no terminal. Desci do carro numa rua totalmente deserta, com pouca iluminação. Não sabia como chegar na casa de meu amigo, num lugar que nunca havia passado. De repente chega um táxi perto de mim e atende ao meu pedido de corrida até a casa do meu amigo. No caminho o taxista comenta o que eu fazia nesse horário em ambiente tão perigoso. Comenta também que não tem costume de fazer ponto naquele local, pelo contrário, até procura evitar. Mas nessa noite, ao voltar para casa, não sabe porque resolveu ir por esse destino. Achei surpreendente essa coincidência, e hoje, conhecedor melhor do mundo espiritual, sei que fui mais uma vez alvo da caridade, dessa vez por uma personalidade desencarnada.
Dessa forma passei a conferir os atos de caridade que fazem para comigo em diversas situações. Os meus filhos, por tolerarem as minhas ausências de suas vidas; as minhas companheiras por procurarem entender a minha estranha forma de comportamento afetivo, mesmo que isso traga para elas grande sofrimento; as pessoas que tanto me ajudaram com empréstimos financeiros quando eu fazia o curso de pós-graduação e recebia apenas uma pequena bolsa para me manter, manter a minha família e a família da minha esposa que dependia dela.
Todos esses são exemplos e muitos outros que seria extensivo colocar todos aqui, que mostram claramente que fui muito mais vezes alvo da caridade alheia do que patrocinador dessa caridade. Quebrei o meu orgulho e vaidade no fato de ser caridoso, estou apenas retribuindo e com bem menos frequência e intensidade, a caridade que eu recebo do próximo.
Aprendo agora que tenho diversas forma de fazer a caridade sempre ao meu redor: levar o pranto aos olhos quando observar os pequeninos na miséria; sentir remorso legítimo quando observar os doentes no hospital; sofrer angústia aflitiva quando observar os drogados nas ruas; ter uma inquietação real quando verificar os desequilíbrios sociais; ficar de pesar carregado quando tiver ao lado os moradores de rua; emitir comentários doridos quando ao lado tiver almas desalinhadas, seres humanos em mendicância; e se manter em oração com o coração em intercessão ao próximo.
Temos que desenvolver a caridade antes da queda do irmão, convertendo nossas emoções em atos de caridade, aos vencidos que não podem se levantar sozinhos.
O amor e a caridade são os complementos da lei de justiça, porque amar ao próximo é fazer-lhe todo o bem possível, que desejaríamos que nos fosse feito. Tal é o sentido das palavras de Jesus: “Amai-vos uns aos outros como irmãos”.
Devemos agir sempre, com tudo ao nosso alcance para fazer a caridade: acender o alfabeto antes da perversão; doar os pães antes da doença chegar; dilatar a doutrina espírita antes da loucura tomar conta da mente; fazer a bondade em qualquer lugar antes das trevas dominarem; e sustentar o fraco antes de seu amesquinhamento.
Caridade sempre... antes que a demora em discussão e programas, faça chegar tardio aquele que precisa de socorro... antes que o abismo recolha membros e corpos, almas e mentes, tudo devorando de forma voraz, como acontece com os dependentes químicos.
Madre Tereza de Calcutá já dizia: “Dê ao mundo o melhor de você. Mas isso pode não ser o bastante. Dê o melhor de você assim mesmo. Veja você que, no final das contas, é tudo entre você e Deus. Nunca foi entre você e os outros”.
Lembrar sempre que, a espera de nós, existem multidões de mutilados espirituais aqui, no lar, e ali, na rua, em busca de compreensão... que a mensagem espiritual na mente, se torne agasalhada no coração e se derrame pelos braços em favor do mundo.
Benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias, perdão das ofensas. Afinal, como Gandhi dizia: “O futuro dependerá daquilo que fizermos no presente”.
Os mensageiros espirituais já chegam e nos instruem: nascer, viver, morrer, renascer e progredir sempre.
Escutemos as lições de Chico Xavier: “Quando alguém lhe magoar ou ofender não retruque, não responda da mesma forma. Apenas sinta compaixão daquele que precisa humilhar, ofender e magoar para sentir-se forte.
O Mestre nos deixou a lição do Bom Pastor. Onde houver uma ovelha perdida, em risco de cair no abismo, devemos ir em sua busca, deixando as outras protegidas no redil. Somos essas ovelhas, que geralmente estamos entrando em desvios perigosos do caminho, e ao mesmo tempo podemos ser o pastor, que ver uma “ovelha” perdida e vai em busca da sua salvação.