O Maniqueísmo é uma filosofia religiosa sincrética (produto da fusão de diversas religiões, seitas, filosofias ou visões do mundo) e dualista (concepção filosófica ou teológica do mundo baseada em dois princípios ou duas substâncias ou duas realidades opostas, irredutíveis entre si e incapazes de uma síntese final ou de recíproca subordinação). Foi fundada e propagada por Manes ou Maniqueu, filósofo cristão do século III, que divide o mundo simplesmente entre Bom, ou Deus, e Mau, ou o Diabo). A matéria seria intrinsecamente má, e o espírito, intrinsecamente bom. Com a popularização do termo, maniqueísta passou a ser um adjetivo para toda doutrina fundada nos dois princípios opostos do Bem e do Mal.
Quando o gnosticismo (sistema filosófico e teológico que pretende um conhecimento completo e transcendente da natureza e dos atributos de Deus) primitivo já perdia sua influência no mundo greco-romano, surgia na Babilônia e na Pérsia a nova vertente do Maniqueísmo. Suas ideias sincretizavam elementos do zoroastrismo, do hinduísmo, do budismo, do judaísmo e do cristianismo. Desse modo, Manes considerava Zoroastro, Buda e Jesus como “pais da Justiça”, e pretendia, através de uma revelação divina, purificar e superar as mensagens individuais de cada um deles, anunciando uma verdade completa.
Conforme as suas ideias, a fusão dos dois elementos primordiais, o reino da luz e o reino das trevas, teria originado o mundo material, essencialmente mau. Para redimir os homens de sua existência imperfeita, os “pais de Justiça” haviam vindo à Terra, mas como a mensagem deles havia sido corrompida, Manes viera a fim de completar a missão deles, como o Paráclito (aquele que consola, que revive) prometido por Cristo, e trouxera segredos para a purificação da luz, apenas destinados aos eleitos que praticassem uma rigorosa vida ascética. Os impuros, no máximo podiam vir a ser catecúmenos (aquele que recebia instrução preliminar em doutrina e moral para ser admitido entre os fiéis, batizado) e ouvintes, obrigados apenas à observância dos dez mandamentos.
As ideias maniqueístas espalharam-se desde as fronteiras com a China até ao Norte da África. Manes acabou crucificado no final do século III, e os seus adeptos sofreram perseguições na Babilônia e no Império Romano, principalmente sob o governo do imperador Diocleciano e, posteriormente, os imperadores cristãos. Apesar da Igreja ter condenado esta doutrina como herética em diversos sínodos desde o século IV, ela permaneceu viva até a Idade Média. Agostinho de Hipona foi adepto do maniqueísmo até se decidir de vez pelo cristianismo.
Aplaudo o esforço sincero de Manes para unir o pensamento dos três grandes avatares (Cristo, Buda e Zoroastro), construindo um paradigma coerente, apesar de determinista e inflexível. Ninguém duvida da existência do Bem e do Mal, de pessoas que seguem uma ou outra corrente. Mas existe toda amplitude dentro de uma e de outra; uma pessoa pode estar dentro de uma por engano e passar para a outra.
Lembro que logo após a minha formatura como médico eu defendia o aborto, que a mulher deveria ter o direito de decidir sobre o seu corpo. Logo eu percebi que estava cometendo um erro, eu deveria defender a vida em primeiro lugar, e o ovo fertilizado já estava portando a semente da vida em desenvolvimento. Eu não poderia simplesmente eliminá-la para preservar os interesses da mãe ou do pai, sejam eles compreensíveis e justificáveis ou não. Quem desenvolve a visão maniqueísta e está de um ou outro lado da questão, entende que ele está certo e que todos que pensam ao contrário estão errados.
Podemos defender os princípios do Bem, mas não com o rigor maniqueísta que impeça a correção dos nossos rumos e os rumos dos nossos semelhantes, quando for identificado o erro.