O segundo domingo de maio é dedicado à homenagem às mães. Todos tem mães, apesar de alguns não as conhecerem, outros as conhecem mas não tiveram tanto convívio. Estou incluído neste grupo. Não tive o convívio que a maioria teve com suas mães, mas sei que não foi culpa dela, nós não tínhamos condições de ficar juntos, iríamos passar fome juntos e assim, seu coração materno resolveu que era melhor suportar a dor de uma separação, deixando eu ir morar com minha avó, em uma casa distante, do que me ver a pedir um pão e não ter para me dar...
Foi assim que eu sai do seu convívio aos cinco anos de idade. Nem lembro como foi que isso aconteceu. Sei que quando eu dei por mim, já estava morando sozinho com minha avó, e minha mãe e meus irmãos morando distante, em outro bairro.
A minha avó, coitada, era uma batalhadora pela sobrevivência. Trabalhava dia e noite com os recursos que tinha à sua disposição. Eu passei a ser mais um desses recursos. Aprendi a trabalhar duro logo cedo, tinha que ajuda-la na luta pela sobrevivência, e como bônus eu teria o direito de estudar, pois seria o futuro dela. A minha mãe não estava dentro desses projetos que a minha avó fazia para mim, pelo menos a prioridade seria dela.
Mas eu sentia como se tivesse um imã dentro do meu coração que me fazia aproximar da casa da minha mãe, em qualquer oportunidade. Não importava que ao chegar na casa dela a encontrava trabalhando numa mesa de bolos, de roscas, de raivas, de suspiros... um forno a queimar lenha e a assar os doces que logo iriam para as mercearias e para a venda nas ruas por meu irmão que havia ficado com ela. Eu não me incomodava com isso, nem mesmo com o calor do forno que me fazia suar, pois eu sentia o calor do amor de minha mãe, que não tinha tempo de me afagar com os braços ocupados, mas o fazia com o olhar, quando o tempo permitia dela tirar os olhos dos assados.
Engraçado, não lembro de ter ouvido dela palavras de carinho dirigidas pra mim, e sim para orientar os meus irmãos que brincavam sem cuidados com os produtos que ela logo iria vender, com a ajuda que aqui e acolá ela precisava. Eu era uma criança quietinha, ela não tinha tanta preocupação comigo, talvez vigiando para que eu não me queimasse na ajuda que eu queria fazer, mas sem saber. Como pode o amor florescer assim? Ela atarefada sem tempo para se dedicar a mim, nos poucos momentos que eu estava com ela; eu, sem jeito de chegar perto, pois ela não parava de se movimentar e eu não sabia bem o que fazer para lhe ajudar... mas o amor criou raízes entre nós, como uma flor do deserto, que resiste ao sol inclemente, a falta de chuva, a falta de adubo, e mesmo assim floresce mostrando a beleza de sua seiva.
Mesmo assim era eu, a flor do deserto gerada por minha mãe, que tinha em meu sangue a sua seiva, que eu nunca iria exigir dela o adubo de seus carinhos, nem mesmo a agua de suas lágrimas que ela não deixava eu ver. Foi isso que ela percebeu ao deixar eu sair de sua casa aos cinco anos, que eu era uma flor do deserto, capaz de resistir à solidão de um carinho, de um amor tão importante quanto o amor de mãe. Ela sabia que eu iria crescer, fortalecer minhas raízes dentro do Evangelho e trazer a beleza do Pai ao meu redor, com minhas flores de todas as cores.
Sim, mãe, tu era sábia, nunca exigiu nada de mim, pois sabia que eu precisava fortalecer minhas raízes para produzir minha flores...
Lembro quando tu fostes para bem mais longe, para um estado distante, Rio de Janeiro, e eu ficava em Natal, dentro de uma farda militar, olhando com nostalgia sua figura se afastando levando consigo todos meus irmãos, como retirantes que fogem da seca... eu sabia, com saudades, que tu estavas morando nos morros favelados de Niterói, que saia para trabalhar com meus irmãos no Rio de Janeiro na madrugada da segunda feira e só voltava à noite do sábado. As crianças pequenas ficavam em casa sendo cuidadas pela criança maior...
Finalmente, minha raiz criou sustança, me formei em medicina e dei a minha primeira flor. Ofereci a minha mãe, a chamei para morar comigo em Natal. Ela não vacilou um só instante, veio com meus irmãos para meu lado e atenuou a saudade que eu sentia dela desde os cinco anos.
Infelizmente, os conhecimentos médicos que adquiri não foram suficientes para a livrar da doença que a levou para o túmulo. Mas ela foi sábia até nisso, ela me ensinou a ama-la na distância, e hoje continuo a ama-la da mesma forma que a amava quando ela fazia os bolos, quando trabalhava como empregada doméstica... hoje o seu corpo não está mais entre nós, mas eu sinto sua essência dentro de mim, assim como sentia o seu olhar cuidadoso sobre mim quando eu ia quando criança em sua casa.
Agora mesmo, ao escrever este texto, sinto que lágrimas caem dos meus olhos como se não fossem minhas, e minha mãe envergonhada, por deixar pela primeira vez eu sentir suas lágrimas, sai de imediato de minha presença, mas com sua energia ativa o alarme do meu carro. Vou até fora para verificar, a madrugada está fria, o jardim silencioso, e parece que cada flor, no sereno da noite, olha para mim como olhava a minha mãe.
Sim, mãe, obrigado, tu me ensinou a amar na solidão, pois a distância pode afastar dois olhos, mas jamais afastará dois corações.