Encontrei um texto no zap, com o título acima, com a assinatura de José Eduardo Agualusa, que fez sintonia com um texto que escrevi recentemente sobre a entrevista do mesmo ator que ele considera. Veremos do que se trata.
Nas redes sociais vem circulando um vídeo do ator inglês Stephen Fry, alertando os brasileiros para o perigo que representa o crescimento da extrema direita. No essencial Stephen Fry considera a multiplicação de declarações racistas, homofóbicas e machistas, uma escolha equivocada para um país que tem na diversidade o seu principal traço de caráter. Seria, sugere o ator inglês, como se o Brasil estivesse escolhendo o anti-Brasil para o representar.
A diversidade do material humano com que se constituiu o ser brasileiro é, sem dúvida, extraordinária; basta percorrer as ruas de qualquer cidade do país para perceber isso. Contudo, passeando por Londres, Cape Town ou Nova Iorque iremos deparar-nos com idêntica ou ainda maior diversidade. O que torna o Brasil original, o que explica a alegre vitalidade de sua cultura popular, não é tanto a diversidade: é a voracidade com que assimila o outro, isso a que chamamos mestiçagem.
Vivi dois anos entre Olinda e Rio de Janeiro. Recordo desse meu breve exílio brasileiro a experiência do não exílio. Nunca me senti ostracizado. Nunca me senti estrangeiro. Nunca me senti colocado à margem. Pelo contrário, tinha de lutar todos os dias contra a tentação de me esquecer de mim, me refundando brasileiro.
Guardo desse tempo a ilusão de que é fácil virar brasileiro. Difícil é ser alemão, por exemplo, para citar um país onde até hoje a ascendência (o sangue) tem mais importância que o lugar onde alguém nasce e cresce. Isto é, os filhos de imigrantes turcos nascidos na Alemanha não são automaticamente alemães (apenas se os pais estiverem legalmente no país há mais de oito anos), e continuam sendo tratado como turcos por uma boa parte dos seus concidadãos. Já os russos ou poloneses pertencentes à minoria de etnia alemã tem direito a passaporte germânico, ainda que nunca tenham visitado o país.
A propósito da Alemanha, onde também morei, lembro de uma ocasião que que vi, em Berlim, uma “japonesa” sambando. No momento em que a vi eu soube que ela não era japonesa. Era brasileira. Só podia ser brasileira. Esta capacidade de transformar um japonês, um alemão ou um angolano em brasileiro -, é que me parece verdadeiramente singular.
E é este Brasil que está sob ameaça: o Brasil.
O anti-Brasil que vem crescendo e envenenando o Brasil me lembra certas doenças autoimunes. É como se o organismo – no caso a sociedade brasileira – não fosse capaz de se reconhecer a si mesmo, os seus próprios órgãos e células, começando a se autodestruir.
O crescimento do anti-Brasil será apenas responsabilidade de políticos com um venenoso e persistente discurso de ódio? Creio que não. Provavelmente esses políticos apenas dão corpo a uma insanidade latente, que terminaria se manifestando, mais cedo ou mais tarde, com eles ou sem eles. Para a combater é preciso determinar primeiro de onde vem.
Sinto muito, não tenho respostas, Stephen Fry também não. Fry apenas está assustado, como eu, como milhões de outras pessoas no mundo inteiro, que amam o Brasil, e a sua alegre e maravilhosa máquina de engolir e misturar culturas.
Infelizmente, no meio do ruído que se instalou no Brasil, fica difícil escutar as vozes lúcidas interessadas em discutir a questão e em encontrar respostas.
Tanto Stephen Fry quanto José Eduardo Agualusa não conseguem identificar de onde vem todo esse discurso de ódio. Tendem a depositar a culpa sobre uma pessoa a qual termina por reagir a determinada situação. A situação é de descalabro com a administração pública, do roubo descarado na forma de corrupção, do aparelhamento das instituições do Estado, da cooptação mentirosa e criminosa dos miseráveis que lutam pela sobrevivência se agarrando sem pudor a todo tipo de bolsa, da mesma forma que outro tipo de miseráveis, aqueles que se locupletam com os salários e vantagens fáceis, a custa do suor do povo, e de forma mercenária e subserviente passam a assumir cargos nas cátedras acadêmicas e até em cortes da justiça.
Esta é a situação, meus caros escritores, que pessoas como Jair Bolsonaro levantam a voz e encontram ecos por todas as ruas, vielas e praças do nosso ex-pacato Brasil. Agora existem as facções, criminosos organizados em ONGs e até dentro dos sindicatos, todos preocupados com os seus próprios umbigos e dispostos a esfaquear quem ameaçar tirar as tetas estatais de suas bocas.