Sempre ficava preocupado com o que eu achava ser falta de caridade. Tenho resistência muito forte a dar uma pratinha que seja a um mendigo, a uma criança num semáforo, a um idoso estendendo a mão. Sempre imagino que por trás do pedido de caridade existe um desvirtuamento que eu não posso aprovar, com meus critérios éticos, e isso me inibe, não atendo ao pedido.
Mas quando o pedinte se afastava, chegava o sentimento de culpa à consciência, pois aquela pessoa podia ser o anjo da caridade, de misericórdia, me dando oportunidade de desmontar o meu egoísmo. Já tenho me determinado mais de uma vez, inclusive aqui neste espaço literário, que iria praticar a caridade sem a preocupação do desvirtuamento que possam fazer da minha caridade. Mas não consigo implementar essa decisão. Quando chega o “anjo da caridade”, curiosamente faço a crítica e recolho a pretensa ajuda.
Hoje foi mais uma experiência onde houve o fracasso da caridade, mas, por outro lado, trouxe um novo insight na minha consciência.
Sempre que vou para Caicó, a Van estaciona numa padaria em Santa Cruz para lancharmos. Como sempre, eu entro e também faço um prato com algum alimento. Geralmente fica um senhor de meia idade, aparentemente sadio, não há deficiências visíveis, mas sempre estar a esmolar. Evito dar essas esmolas, a pessoas suspeitas, como é o meu costume. Hoje ele estava sentado em posição estratégica e eu teria que passar obrigatoriamente na sua frente. Na saída da padaria, ia uma moça na minha frente e deu uma cédula a ele, não consegui ver o valor. Eu ia logo em seguida, sem fazer questão que o tivesse vendo. Mesmo assim ele tentou chamar minha atenção, e mesmo assim eu continuei sem fazer questão de nota-lo. Ao sentar no meu banco que ficava ao lado da moça que deu a cédula, ela perguntava ao motorista se aquele mendigo bebia, se era alcoólico, pois ela acabara de dar uma nota de dez reais a ele e alguém que observara, dissera que ele iria beber de cachaça. O motorista disse que na realidade, ele não era alcoólico, mas já tinha três casas de alugueis e um carro. Quando o movimento estava ruim naquela padaria, ele ia mendigar em Natal. A moça ficou surpresa com essa notícia e eu fiquei aliviado, pois já estava desenvolvendo culpa no meu psiquismo.
Foi aí que eu percebi que a defesa automática que desenvolvo em negar a caridade a essas pessoas que considero suspeitas tem um fundo de coerência. Da mesma forma que imagino que o Anjo da Caridade se acerca de mim para que a caridade seja feita, também pode o Anjo da Justiça se aproximar para evitar que eu, pensando em fazer caridade, esteja cometendo uma injustiça, principalmente com menores e idosos que podem ser usados por pessoas inescrupulosas.
Essa nova compreensão me deixa mais confortável com a dificuldade que tenho em praticar a caridade com pessoas que parecem suspeitas. Não é somente o meu lado egoísta se sobrepondo ao cultivo das virtudes como eu imaginava, mas a intervenção de forças divinas evitando que eu cometa injustiças de forma voluntária.