A cena se desloca para Paris, 1902. Bronstein, agora usando o nome de Trótski, discursa numa reunião de intelectuais, em um café.
- T. Enquanto a Europa só fala, a Rússia anseia por ação. Eu viajei 8.500 quilômetros em vagões de carga pra chegar aqui, na Europa, para preparar a revolução, e o que vejo? O pensamento revolucionário fede a strudel de maça. “Iskra” escreve as mesmas coisas há um ano. Sonhos de uma teoria da revolução insensível na maior parte da Europa. Vocês parecem estudantes que criam o fantasma da revolução e acreditam que ele virá. Isso é inédito.
A plateia se manifesta com murmúrios de: - Boa ideia!; - Ele fala a verdade.
- T. A Rússia, não a Europa, está vendo um contraste gritante entre a riqueza dos ricos e a pobreza dos pobres. O país tem milhões de pessoas furiosas e insatisfeitas, e a Rússia precisa de uma revolução agora, ou as autoridades declararão outra guerra contra a Europa e botarão a culpa nela.
- Plekhanov, pessoa da plateia. Como assim? Uma revolução só é possível em países industriais. Na Europa.
- T. Que bobagem! A Europa com seu povo calmo e satisfeito, não pode liderar a revolução. Portanto, será sempre liderada por outros.
- P. A Rússia é um país atrasado!
- T. Sim. É um país atrasado, incrustado, que bebe e queima na sua própria raiva, mas é uma potência. É uma força, como a força das marés. Estou dizendo para pegarmos essa força, domá-la, armá-la, e ela destruirá o que estiver no seu caminho!
- P. Bravo. Isso é muito divertido. Sua ingenuidade só é superada pela sua tolice. Adeus, criança com a camisa da Rússia.
- T. Cuide-se, Plekhanov! Está sentado tempo demais neste café.
Observamos duas estratégias em confronto para se realizar a revolução russa. A posição de Trótski, mais pragmática, de trabalho corpo-a-corpo com o povo da Rússia, e motivá-lo para pegar as armas. A outra estratégia sob o comando de Lenin, que espera uma oportunidade política, uma transformação do pensamento dirigente para impulsionar a revolução.
Todos estão se retirando, uma primeira pessoa da plateia, bem relacionada, se aproxima de Trótski.
- PP. Companheiro Trótski, permita que me apresente...
Trótski não dá consideração e se afasta em direção a saída. Antes de sair para numa mesa de pães e procura dinheiro para comprar.
Uma segunda pessoa o aborda durante a tentativa da compra dos pães:
- SP. Eu concordo. O proletariado, sem orientação, só pensará nas demandas econômicas. Entre liberdade e pão, sempre escolhem pão. Por favor...
Retira o dinheiro do bolso e paga os pães. Estende a mão e se identifica.
- P. Lenin.
- T. Sei quem você é. Se concorda comigo, por que não me apoiou?
- L. Ele é um figurão do partido. Discutir com ele prejudicaria o movimento. E você, com esse seu jeito, vai durar pouco.
- T. Deveria ser mais contido como você? Creio que não me perdoarão.
- L. Quem?
- T. O povo.
- L. Se importa com o povo?
- T. E você?
- L. Quero mudar o mundo. O que o povo tem a ver com isso? O povo é um instrumento.
- T. Nas suas mãos?
- L, E nas suas. E nosso trabalho é fazer com que eles queiram a revolução. E não pão.
- T. Como? Se você concorda com Plekhanov?
- L. Georgy é apenas um homem.
- T. Quer dizer, um instrumento.
- L. Você aprende rápido. Volte outro dia. Informalmente, como amigo.
- T. Não somos amigos.
- L. Bem... nós compartilhamos o pão.
Entrega o saco de pães que havia nas mãos de Trótski, e sai sem mais palavras. Trótski também sai sem outras palavras.
Esse gesto de Lenin deve ter ficado gravado na mente de Trótski, como as lições que ele recebeu de Trótsky. O gesto de doar alguma coisa a alguém para fazer uma espécie de laço afetivo, de gratidão. O gesto de doar o relógio ao soldado durante sua preleção à tropa, teve esse significado ampliado, causando efeito afetivo tanto em quem recebeu o presente, como em quem se observava e se colocava empaticamente na pele de quem fora presenteado. Essa lição foi muito bem aplicada no Brasil, com diversas formas de doação como as diversas bolsas, cotas, investimentos, contratos, muito deles e talvez todos com o carimbo do suborno, para nenhum dos beneficiados observarem o prejuízo que estava sendo causado à nação. Este efeito perdura até hoje, e o novo governo que iniciará na próxima semana, enfrenta toda essa onda de beneficiados que lutam para não perder as suas mordomias, mesmo que isso destrua o país. Que importa? Mais importante ter recursos suficiente para encher a família de mordomias e viajarem quando bem quiserem para usufruir dos seus “direitos inalienáveis”. O povo que se exploda!