Ele nascera de uma mãe solteira, sem família, em área de forte promiscuidade, iniquidades. Mas ele tinha um coração bondoso. Aquela tese de que o homem é fruto do meio, parecia ser destroçada ao se observar a trajetória de João Maria.
Conseguiu estudar em escola pública, apesar de ajudar a mãe em tarefas domésticas e trabalhar fora de casa para contribuir com a subsistência. Ao entrar na adolescência, introvertido, sem amigos, construía seu mundo com a leitura de gibis, histórias em quadrinhos, ficava encantado com a luta do bem contra o mal, se sentindo gratificado e empolgado com as histórias de contos de fadas, onde o bem sempre vencia e os mocinhos viviam felizes para sempre.
Não conseguia namorar, sua introspecção potencializada com a timidez lhe deixava afastado daquelas por quem mais seu coração palpitava. Mas era esse coração tão prejudicado por não receber os prazeres da vida, que termina sendo o protagonista desta história. Pois era ele que fazia João Maria se envolver em situações enrascadas que levavam perigo à sua vida.
Certa vez acontecia um incêndio na favela em que morava, a casa estava se consumindo pelo fogo e os bombeiros ainda demoravam a chegar. Ele ouviu um choramingar dentro das labaredas, e sem titubear mergulhou no meio delas trazendo uma criança a salvo, protegendo-a com o próprio corpo. Essa façanha não lhe deixou incólume, ganhou uma cicatriz no rosto que mais deformou a pouca beleza que ele possuía.
Outra situação, tinha ido ao passei da escola numa praia ornamentada de pedras. Um dos colegas chegou bem próximo das fortes ondas e fora derrubado com o risco de ser tragado para a profundeza do mar. João Maria mais uma vez, percebeu o perigo e correu sobre as pedras, sem avaliar o casco das ostras que lhe cortavam os pés, segurou o colega, protegendo o corpo dele com o seu, deixando-o a salvo, mas saindo com o corpo tricoteado com os diversos cortes. Mais uma vez as cicatrizes que ficaram deformaram ainda ais o seu corpo.
Assim era sua vida, a cada ano que passava, mais ossos quebrados, cicatrizes, amputações deformavam seu corpo e lhe davam uma aparência monstruosa. Poderia causar asco em quem lhe via pela primeira vez, que não acompanhou a sua trajetória. Mas, mesmo assim, tendo oportunidade de chegar perto e conversar com ele, podia sentir em seu olhar uma vibração muito diferente de um monstro e muito mais próximo de um anjo. Do seu coração que ninguém podia ver, mas sentir, se expandia uma aura luminosa que aliviava quaisquer pensamentos sombrios de quem se aproximava. Aquele corpo tão deformado, mostrava simplesmente os caminhos de bondade apontados pelo coração.
Alguém já escreveu sobre um caso parecido, mas de forma inversa. Dorian Gray, um jovem vaidoso e orgulhoso, fizera um pacto com o demônio, para que sempre fosse jovem e bonito, e que as ações do tempo e suas maldades, fossem retratados num retrato que ele sempre mantinha escondido. Esse retrato mostrava a aparência monstruosa de Dorian Gray, enquanto ele gozava de sua beleza; com João Maria acontecia o inverso: a consequência de sua bondade se expressava no corpo e o deixava com aparência monstruosa, mas por dentro, longe dos olhares curiosos, se encontrava um coração de beleza radiante, tão próximo de Deus quanto os anjos.
Por esse motivo, o cuidado popular tem sua justificativa: “as aparências enganam”. O que é visto como um anjo pode ser um demônio, e vice-versa.