Júlio foi à praia com Melissa. Se amavam, mas o tempo de casados extinguiu a paixão, e Melissa entendia que assim acabara o amor. Júlio sabia que não, entendia que o amor era eterno e que nada podia destrui-lo. Por isso tolerava as grosserias da esposa, que tentava lhe punir por ele não ser tão obsessivo por ela como acontecia no tempo da paixão.
O mesmo estava acontecendo agora na praia. Ele convidou-a para tomar banho na praia, num local agradável onde o rio doava suas águas ao imponente mar. Belo, mas perigoso. Inadvertidos quanto a isso, Júlio pensava apenas em agradar a esquiva esposa. Essa, ressentida com as verdades de sua imaginação, ignorava toda expressão de afeto do marido. Deixou-o sentado na areia da praia sobre uma toalha, e foi sozinha entrar no banho, logo no local mais perigoso, onde o rio fazia um redemoinho antes de ser sequestrado pelo mar.
Melissa logo se viu envolvida pela força da correnteza e ser puxada pelas profundezas, passando rente a uma pedra providencial. Ela sentindo o perigo, gritou por socorro, e Júlio, o mais próximo dela, mesmo sem saber nadar o suficiente, se atirou nas águas para salvá-la. Conseguiu alcança-la com uma mão e com a outra se agarrou na pedra, impedindo o deslocamento para o meio do mar. Foi o tempo suficiente para que um pescador que estava mais distante, corresse e viesse salvar os dois.
Passado o perigo, esse drama ficou na memória de Melissa. Eles terminaram se separando, a desarmonia causada pelos pensamentos sem sintonia de Melissa, terminaram por romper os últimos laços de amor e amizade que Júlio queria manter. Pelo menos conseguiram, depois de certo tempo, construir um nível de amizade sem compromisso com o casamento.
Quando estão reunidos com outras pessoas amigas, e Melissa sempre tem a oportunidade de falar sobre o banho de mar, ela fala do trauma que adquiriu naquele dia. Diz que estava sendo tragada pelo mar e que foi salva por um pescador nos últimos momentos. Nenhuma referência faz ao comportamento heroico de Júlio, se jogando no mar sem saber nadar, para fazer uma ponte entre ela e o mar, enquanto o pescador chegava.
Que teria acontecido? O medo teria feito ela esquecer o momento que Júlio a alcançava pela mão? Será que a raiva que ela tinha do marido foi suficiente para tirá-lo da cena? Ou será que ela lembra de tudo e não quer ser devedora de uma dívida tão alta com uma pessoa que não mais lhe amava?
Mas Júlio sabia o quanto a amava, tinha a coragem de arriscar a sua vida por ela, como na realidade fez, apesar de ser tão ignorado. Mesmo agora, depois de tanto tempo de separados, ele ouve a mesma história sem o elo que falta, e não procura corrigir a história, afinal se assim ela fica satisfeita, não seria ele que iria repor a verdade onde ela não traria frutos, talvez desarmonia pela introdução da suspeita de que a verdade seria mentira. Essa forma de amor, Júlio guardaria para si, afinal, tantas outras formas de amor ele demonstrara, e ela não reconhecera nenhuma...
Por isso, essa prova de amor, a do herói desconhecido, seria somente dele.