Dentro do colégio apostólico que se reunia nos finais da tarde com o Mestre Jesus, sempre havia uma pergunta que era preocupação de algum dos discípulos. Desta vez quem mostrou preocupação foi Mateus.
Mateus (também chamado Levi), era publicano, exercia atividades de cobrador de impostos para o Império Romano, em Cafarnaum. Os romanos não tiravam do imposto arrecadado o salário do funcionário, e sim de um acréscimo dos tributos que seria do publicano. Esse era o motivo do ódio dos judeus pelos publicanos, pois eles se faziam amigos dos romanos para tirar o pão da boca de famintos e desperdiçar em festas impróprias. Zaqueu também era um desses publicanos.
Mateus acabou descobrindo um império maior que o romano: o Reino de Deus. Descobriu um símbolo mais significativo que o da águia, o do coração. Passou a manifestar sem limites a vontade de ajudar, pelo desejo de ser útil. Estava cansado de ouvir a revolta aos romanos de cujo sistema fazia parte. A multiplicação dos lamentos do povo já estava torturando seus sentimentos. Não era isso que ele queria. Jesus entendeu e o chamou. Retirou-o da imposição de Roma para a liberdade e o prazer de sentir a felicidade dos outros.
Mateus deu tudo que podia para os necessitados. Sua cultura ajudou muito na disseminação do Evangelho. Conhecedor dos costumes e de lidar com pessoas de todas as classes, desenvolveu o dom de falar e a disciplina de ouvir. Foi escolhido pelos romanos entre os mais abastados.
Mateus, renovado, pergunta e ouve sobre a renovação doutrinária de Jesus. Ficava mais intrigado pela maneira mais apropriada de ouvir os outros. Sentia que cada pessoa era um mundo diferente, com ideias próprias. Será que tinha obrigação de ouvir os outros? Não seria uma violência contra si mesmo, violentar o organismo, comendo um alimento cujo sabor não agrada?
Remoendo tais ideias, faz a pergunta ao Mestre:
- Jesus, por gentileza, queira nos responder, qual é a melhor maneira e o modo mais adequado de ouvir as pessoas? Como proceder, meu Senhor, diante de irmãos cuja fala não nos agrada, que vivem pensando que somente eles é que estão certos e que devemos aceitar o que eles aceitam como verdade?
- Mateus, a fala é um dom extraordinário que Deus nos ofereceu. O ser humano se distingue dentre os demais viventes pela harmonia da fala e o modo mais claro da comunicação. Dessa forma, existe imenso campo para se disciplinar. A força da conversa pode pairar em altitudes inconcebíveis para os que andam na Terra, constituindo um instrumento da alma para grandes realizações.
‘Podes envolver teu verbo com a força de Deus e curar enfermos, consolar os tristes e dar rumo aos perdidos; Podes desfazer motins, paralisar guerras e criar ou despertar nas pessoas, os mais louváveis ideais. Porém, sem a educação que corresponde a lei do Pai Celestial, a fala pode dar início, igualmente, a terríveis preocupações.
‘Se te aprouver entrar no auto adestramento da tua fala, se quiseres dela fazer melodias de encanto e de esperança, não deixes que falte em ti o entusiasmo pelo aperfeiçoamento em tudo. E antes de falares alguma coisa, começa a atingir, com bastante critério, o reino da tua mente, para que dela saiam os pensamentos já com certa civilização.
‘A nossa boca constitui uma glória da Natureza. Fazei com que ela possa dar música aos teus pensamentos, para que estes sejam de paz e de felicidade. Começa a fazer o bem com a palavra, para que o bem aporte a ti, obedecendo a lei do intercâmbio.
Os ouvidos vieram em consequência da fala, se não fossem eles, ela não existiria.
Se saber falar é uma ciência difícil, ouvir exige maiores esforços.
‘Mateus, o falar e o ouvir estão interligados, um não pode existir sem o outro. Tu achas imprudência contigo mesmo ouvir e dar atenção a assuntos que não dizem respeito a teus ideais. Na verdade, tua vontade é livre para ouvir ou falar. No entanto, se não podes ceder alguma coisa para teus interlocutores, e quando for tua hora de dizer? Quem poderá te ouvir?
‘Existe em nós uma força de seleção daquilo que falamos e do que ouvimos dos outros. Essa escolha funciona permanentemente, porque sempre estamos ouvindo ou querendo falar coisas com as quais as boas maneiras não concordam.
‘Não existem somente coisas imprestáveis na fala alheia. Observa melhor, que notarás muita, mas muita coisa boa. Com toda a educação que podes atingir, perante tua consciência e perante Deus, sempre há algo a corrigir. Certamente muitas pessoas vão ser testemunhas da tua conduta e da tua conversa, e quem sabe se não estão fazendo grande esforço para te suportar? Faze o mesmo, porque ninguém evolui, meu filho, sem sacrifício. Todo tipo de embelezamento do coração, e mesmo do corpo, carece de trabalho.
‘Não vamos nos sentar o dia todo com um irmão desajustado para falar e ouvi-lo, crendo que essa é a vontade de Deus, que essa paciência é filha da caridade. Notadamente que não!
Podemos ouvi-lo até onde o tempo não se torne um desperdício. Todos nós sabemos e conhecemos os momentos de ouvir e de desconversar com habilidade, ajudando ainda a quem fala, para que sejam refreados alguns desequilíbrios.
Mateus passa a refletir: estava ouvindo do Mestre uma grande lição. Não façais aos outros o que não queres que os outros vos façam. Se não podemos viver sós, temos que respeitar o direito dos semelhantes. O respeito pode começar por saber ouvir, até, bem entendido, os limites que a caridade determinar
Finalmente o Cristo conclui:
- Mateus, nós poderemos ajudar nossos irmãos em situações difíceis, ouvindo-os. Nós poderemos tranquilizar os desesperados pelo ouvido. Nós podemos amenizar as dores dos doentes, ouvindo suas histórias. Porém, é necessário, acima de tudo, saber ouvir, pois essa é uma das grandes ciências só dominada pelos anjos. Os homens estão a caminho, quando não esmorecerem na educação e na disciplina, permanentemente.
Saber falar, Mateus, é muito bom, mas saber ouvir é bom demais.
Assim terminou a assembleia enriquecida de conhecimentos espirituais.