Continuando a transcrição da palestra sobre a obra de Gaston Leroux, O Fantasma da Ópera, feita pela professora Lucia Helena, voluntária da Nova Acrópole, e que está disponível no Youtube, muito útil para nossas reflexões.
Não se esqueçam, gente, é muito importante que a gente lembre disso. Nos mitos gregos e nos mitos todos da humanidade, não existem vários personagens. Existe um só, e todos os secundários são fatores psicológicos, morais, espirituais, desse personagem projetado do lado de fora porque não se consegue vê-lo do lado de dentro. Então, um é o medo do protagonista, outro é a ousadia do protagonista, o outro é a espiritualidade do protagonista. A personagem é Christine, esse ser crucificado entre dois mundos. Todos os outros estão representando, aliados de um mundo ou do outro. Com elementos caracterizadores de um mundo e do outro.
Por último, eu gostaria de lembrar sobre o pai de Christine, pois ele era um grande músico e se representa como uma voz do passado que a incentiva a encontrar o futuro, embora Raoul se aproveite desse passado para tentar prendê-la aí, o pai não fazia isso. Ele dizia: um dia você vai encontrar um anjo da música e ele vai te proteger. Você vai estar com ele no futuro. Veja como se ele fosse um mestre que já lhe prepara para o grande momento e aí lhe empurra para o futuro. Tanto que, num determinado momento do filme, quando ela está muito desesperada, sentindo seus sonhos morrerem, sentindo arrastada pelo brilho do palco, ela vai ao cemitério para relembrar do pai. É uma cena muito bonita no filme, pois tudo é cinza, menos as flores que ela tem nas mãos que são vermelhas. Vermelho como símbolo de vida, de energia, é como se quisesse vitalizar aquele sonho que o pai deixou para ela. E ali mesmo naquele cemitério começa a briga entre Raoul e Eric, entre o futuro e o passado, entre as forças da mudança e as forças da inércia. Mas está claro que ela ainda está querendo vitalizar o sonho que o pai deixou para ela. Tem muitos detalhes interessantes.
Nossos pais sempre desejam o melhor para nós, seus filhos. Mesmo que em muitas ocasiões, sejam uma projeção dos seus desejos. Mas, enfim, é sempre uma ação com intenções positivas. A premonição que o pai tinha que no futuro Christine iria encontrar um anjo que lhe conduziria para o alto, para sua destinação divina, vai se encontrar no duelo entre a razão e a intuição. A razão representada por Eric e todo o seu cortejo material que mostra a importância de uma vida segura, com fama e poder. A intuição representada por Eric, o Fantasma da Ópera, com a máscara que esconde o seu lado brutal, animal, monstruoso, mas que tem o vigor de sintonizar a essência divina de Christine com os dons artísticos da voz, da dança... mas é esse mistério que lhe traz medo e ao mesmo tempo curiosidade e atração.
Esta é a queda de braço entre a razão e a intuição que todos nós possuímos em maior ou menor grau. Confesso que mergulhei fundo nas minhas intuições, mesmo sem ter abandonado a razão. Mas, a razão superficial do que pode me trazer prazer imediato, poder ou segurança, não consegue obstruir minhas intuições do caminho verdadeiro, mesmo que cercado de diversas narrativas contrárias.
Estou caminhando com a bússola da intuição, mas carregando também ao lado a razão e a coerência. A razão termina sendo um instrumento de correção para os caminhos delineados pela intuição.