Continuando a transcrição da palestra sobre a obra de Gaston Leroux, O Fantasma da Ópera, feita pela professora Lucia Helena, voluntária da Nova Acrópole, e que está disponível no Youtube, muito útil para nossas reflexões.
Raoul representa para Christine uma necessidade de aceitação social, um local onde ela se sente segura, respeitada... você vai ser uma vice condessa, ou seja, um elemento passional, adocicado e um medo profundo do novo. Esse monte de elementos que são patrocinados por Raoul, ele não consegue matar. Mas ele não consegue matar porque Christine não deixa, porque ela opta por isso, ela se identifica com isso. É uma das coisas que fazem com que o público fique indeciso, pensando: “bom, esse Eric é um monstro, está matando todo mundo! ”
Quantas coisas nós já tivemos de matar dentro de nós para crescer: terrorismo, insensibilidade... se não tivéssemos matado, estaríamos presos a isso até hoje. Não esqueçam, nós estamos falando de um mito. Não tem muitos seres humanos, tem um só. O que está morrendo são elementos internos que impedem que se vá em direção ao seu destino. E faltava Raoul, mas o Fantasma não conseguiu matar, não era o momento. Christine ainda precisava de Raoul ao longo de sua trajetória. Então, o Fantasma não consegue vencer nesse ponto.
Uma coisa interessante que nós podemos perceber, que acho importante. É a letra do filme, é muito importante. Quando num determinado momento, Eric rouba Christine e a leva para o subterrâneo, para o seu reino. Ele começa a cantar uma música que vai mostrar para ela onde nasceu a beleza das melodias, o conhecimento que ele tem de música, e ela vendo tudo aquilo, mas olha para trás e hesita, duvida, e tudo isso é refletido na letra da música, onde mostra a hesitação dela de fazer o casamento, a união profunda com o seu ser. Ela teme, ela hesita, olha para trás, como a história da mulher de Jó que virou estátua de sal quando olhou para trás. Ou seja, ela está sem mobilidade, ainda está presa às coisas do passado. Veja a letra dessa música e prestem atenção. Christine começa a cantar para o Fantasma e ela diz:
Reflexo no espelho:
-No sono, ele cantava para mim, nos sonhos ele vinha,
Aquela voz que me chamava,
E falava meu nome.
Eu sonho de novo? Por agora, eu encontro
O Fantasma da Ópera, que está aqui
Dentro da minha mente.
Ela não fala de um homem que está do lado de fora, ameaçando. Isso é um símbolo, é claro! A mente dela começa a ouvir a voz do seu ser interior. É o momento legítimo de vida interior, um momento de espiritualidade. “Eu ouço ele dentro da minha mente.” É como se ele não existisse como outro personagem, fosse ela mesma, no momento mais elevado da sua consciência. E o Fantasma devolve, vejam só:
Fantasma:
-Cante outra vez comigo nosso estranho dueto;
Meu poder sobre você cresce fortemente.
Ele sente que a atrai para seu mundo.
E, embora você se volte para olhar para trás,
O Fantasma da Ópera está aqui
Dentro da sua mente.
Ele está ganhando terreno e atraindo ela para casar com ele, ter a união final, a união do homem com sua alma. E ela continua cantando:
Christine:
-Aqueles que viram seu rosto
Recuaram com medo.
Eu sou a máscara que você usa.
Fantasma:
-É a mim que eles ouvem.
Vejam que lindo, gente, ela cantava maravilhosamente bem, era a sua máscara do seu ser interior que falava através dela. Ela se torna uma voz fiel ao seu ser interior, por isso a beleza daquilo que ela fazia fora do comum.
Nós temos, realmente, dentro de nossa intimidade, no subterrâneo do inconsciente, as vozes que vislumbram a realidade de nosso espírito, mas muitas vezes não tem sequer a consciência, não possui ainda a mínima oportunidade de seguir esse “Fantasma da Ópera”.
O mundo real, material, oferece muitos obstáculos à beleza interior do nosso mundo, e muitas vezes deixa se contaminar por nossos próprios instintos, contaminando toda beleza do nosso potencial espiritual.
Seguir a voz do “Fantasma da Ópera”, significa deixar de lado o poder da cultura (Raoul), das condições sociais, do status quo, da segurança. Quem tem a coragem de tomar essa decisão? De não olhar para trás?
Eu sei que me tornei um “Fantasma da Ópera” para muitas mulheres que se aproximaram do meu “canto” e tentaram conviver comigo. Podem até ter se encantado com tudo que fluía de mim, mas com certeza apavorada pela ameaça do novo, pelo confronto com a cultura, com a falta de segurança. Terminei sendo abandonado, algumas vezes com bastante violência... não tive a sorte do Fantasma da Ópera, que foi abandonado, mas com muito carinho, pela mulher que ama.
Mas, diferente dele, não fui agressivo nem vingativo. Mesmo sendo agredido fisicamente, reconheci os motivos da revolta e me distanciei triste e cabisbaixo, sem necessidade de quebrar espelhos.