Judas Iscariotes tinha por hábito tomar banho no rio Jordão, considerado sagrado.
Ele era conhecedor das escrituras, mas inquieto pela impaciência de viver. Tinha uma pequena fé que nunca se apagou, com a certeza da existência de Deus e da assistência dos anjos. Admirava o rei Salomão, e se tivesse vivido naquela época não hesitaria em escolhe-lo como mestre, pela sabedoria e poder, escritos e fortuna.
Muitos dos seus companheiros viam no Cristo um espírito muito maior que Salomão. Ele não discutia, mas punha-se a pensar e comparar as coisas. Notava que, em matéria de conhecimentos espirituais e poder de curar, Jesus realmente estava além de Salomão. Mas, na aquisição de ouro e de poder, parece que o Mestre perderia para o filho de Davi.
Judas assistiu Pedro dizer a Tiago, que Jesus filho de Maria, era muito maior que Moisés. E ele, Tiago, que assistira Moisés, em espírito, viu ele indicar o Cristo como o melhor caminho, e ficou a cismar...
Nas suas divagações, Judas tirava a mente do infinito e começava a pensar na Terra, nele, nas pessoas e no porquê de viver. Perdia o sono, visualizando a si próprio como dono do mundo, com todas as suas riquezas, não por ganância intempestiva pelo ouro, mas para sanar a fome e a miséria dos homens, amparar as viúvas, os órfãos, os doentes, e arranjar meios de alegrar os tristes.
O Mestre, pensava ele, dizia que temos valor, mais que os lírios do campo que se vestem melhor que Salomão em todo seu esplendor e com todo ouro do mundo. Mas como ele, Judas, poderia encontrar esse valor dentro de si?
Judas estava sentado do lado de fora da casa da reunião, quando Pedro chegou, um pouco mais cedo para fazer a limpeza. Judas, tomou a iniciativa e pegou os apetrechos de limpeza e começou a limpeza. Os dois trabalharam juntos, e depois, em assembleia com o Mestre, Tomé foi tomado pela inspiração e fez a prece da noite.
Ao término, Pedro notando certa tristeza em Judas que estava sentado ao seu lado, disse ao seu ouvido: “pergunta ao Senhor alguma coisa que te passa pela mente”. Judas levantou e indagou:
- Senhor! Peço que me esclareça o que o ouro significa para nós. Qual é a sua verdadeira função nas nossas vidas e a sua posição perante as coisas de Deus? Além dele, como ficam os poderes de César pela Palestina e pelo mundo?
Jesus, olhando Judas compreensivelmente, expôs com veemência e sinceridade.
- Judas, tudo no mundo tem o seu valor, no lugar em que foi designado a servir. Se porventura recolhesses toda a fortuna do mundo em tuas mãos para sanar a dor e todos os infortúnios das criaturas, será que elas iam corresponder a bondade de Deus manifestada por seu intermédio e se comprometer a fazer o que somente a dor e os problemas têm a capacidade de realizar dentro de fora da alma?
‘A compaixão nasce sempre da caridade, mas, quando ela passa dos limites que a vigilância determina, ela se põe em conivência com aqueles que se esquecem dos deveres do espírito, de progredir para viver bem, e de viver para progredir.
A dor que expressa a feição de todos os infortúnios, é uma mecânica universal, que sempre harmoniza as coisas na vida, incluindo a harmonia das almas.
É bom que penses nisso, Judas, em tirar as dores do mundo, para que possas entender quais os meios reais de tirá-las. Em cada pessoa existe uma chave que, levemente tocada, destranca as portas mais íntimas do coração, atingindo a consciência. Mas fique sabendo que somente a própria criatura pode e deve destrancá-la com as próprias mãos, pois para isso elas foram feitas.
Se queres saber, é justo que entendas: não existe, na acepção verdadeira do termo, mal em ninguém nem no mundo. Vives em certa ilusão acerca disso, porém é uma ilusão que, mesmo sendo passageira, coopera para o despertar do homem divino que está dentro do homem humano.
O silêncio foi uma ajuda para a meditação. Judas estava com a cabeça entre as pernas, mas os ouvidos aguçados registravam as dissertações de Jesus.
Parecia que nos ares tocava uma sintonia que os ouvidos não percebiam, mas que o entendimento alcançava com nitidez. O Messias prosseguiu, com clareza.
Judas, o ouro, nos bastidores da economia das nações, é um portador de paz, como podes notar pelo fenômeno de uma nação bem organizada. Com ele, a coletividade sentir-se-á mais segura e a sociedade, mais humanizada. Na verdade, a posição desse metal instiga nos homens o interesse descomedido que chega até a usura.
As criaturas, geralmente, têm os olhos maiores que as necessidades. Essa preciosidade é que estimula nos seres humanos a vontade de trabalhar, de adquirir mais conforto, de reunir mais terras, gado, animais e casas.
Para bem dizer, eles se esquecem de educar esses desejos e se deixam envolver pelas maléficas ideias de tudo possuir, mesmo que seja em prejuízo dos outros.
Deus abençoou o ouro como uma força poderosa para a paz dos homens e da Terra, porém, a ignorância fez dele todos os meios de principiar as guerras. Se racionares bem, verás que o indivíduo vale mais que todo o ouro do mundo.
Só os dons que tem, não falando de outras coisas que desconheces, correspondem ao maior tesouro do mundo e da vida, porque tem o poder de tranquilizar corações, de ajudar na aquisição da felicidade, de tornar os olhos com maiores poderes de ver as coisas, de aguçar os ouvidos, de sorte a ouvir em muitas dimensões do existir, de valorizar a fala, de maneira que ela possa estabelecer a paz onde quer que seja, de expandir a inteligência a alturas inacreditáveis, de viver alegre com a alegria de Deus.
Meu filho, não turbes o coração com os poderes de César. Esse poder transitório é, por natureza, inquietante. É fogo nas mãos, e chama nos pés, que tira o sossego de quem o possui. E, quanto ao dinheiro bem comedido, é uma forma de Deus nos mostrar por nós mesmos, que vale a pena a educação que se fez nutrir pela disciplina, pois o que devemos é nos fanatizarmos pelo ouro, para que o ouro não domine os nossos sentimentos.
Os grandes reis da Terra, que a ganância levou a juntar milhões de toneladas de ouro e pedras preciosas, quando foram chamados ao posto verdadeiro, não puderam levar as fortunas. Somente o ouro que nos acompanha além do túmulo, Judas, é o ouro da sabedoria e as pedras preciosas do amor, que tem valor transcendental. Se queres ser rico para a eternidade, amontoa a fortuna do espírito, que os céus te abençoarão.
Judas, ainda desorientado, saiu meditativo...