André conhecia muitas cidades que margeavam o Jordão. Ia sempre à Betânia visitar os amigos, tentado ao lazer nas praias do Mar Morto. Passou a gostar de uma única filha de um casal grego, Bet-San (Bete). Não falara nada em casa por ela ser meio estrangeira, o que importava era sua bondade, sorriso e conversa inteligente. André ia tanto a Betânia que dava para desconfiar, mas Pedro nada dizia.
Certa feita André partiu para Betânia levando muito peixe seco da melhor qualidade. Logo ao chegar recebeu a notícia que Bete morreu. Quase não tolerou o choque. Suportado pela fé, foi calado em direção a casa dos pais de Bete.
Encontrou o pai de Bete, que naquela mesma noite morreu. A mãe sofreu um derrame que a deixou presa na cama. Pareceu que ele havia morrido um pouco para o mundo.
André passou quase um ano de vida introvertida, sem alegria, calado, ninguém conseguia saber o motivo. Saiu um dia para pescar com o irmão, que esquecera algo em casa e voltou, deixando-o sozinho no barco. Demorou, e André saiu sozinho, lembrando de Bete. Meditativo, bradou: “Meu Deus, será que eu não tenho o direito nem o merecimento”?
Nesse momento as redes caíram de suas mãos, os braços não obedeciam à mente. Sentou-se em terrível sofrimento. Ouviu estático a voz de Bete.
- André, trago-te a paz, não sou eu que te dou, mas Aquele a quem tudo pertence por amor.
André conheceu sua amada, sua voz, seus gestos, sua candura e o seu amor. Seus olhos derramaram lágrimas que desataram toda a alegria de um ser que vivia em sofrimento. Buscou os pés de Bete e os beijou com afeto, falando baixinho: “Graças a Deus! Graças a Deus! Bete não morreu! Ela vive!”
Quando levantou a cabeça não viu mais o corpo da moça dentro da embarcação. No entanto, registrava intimamente suas últimas palavras:
- André! André! Eis que te espero por um pouco de tempo. A tua oportunidade na Terra vai ser grandiosa. Atende ao chamado da Luz e torna-te uma claridade com ela, porque o mundo de amanhã agradecerá teu esforço. As sementes lançadas no solo dos corações, aqui e agora, nunca morrerão, multiplicar-se-ão na eternidade. Sempre estarei contigo, nas alegrias e nos sacrifícios. A Paz seja contigo!
Já era noite alta. Pedro e outros pescadores avistaram o barco de André tocado pelas ondas, e ficaram temerosos. Cercaram a embarcação e a trouxeram para perto. Pedro viu seu irmão desfigurado em profundo sono, sobre as redes. Engatou o barco de André ao seu e remou em direção a Cafarnaum.
À noite, em Betsaída, os discípulos se encontram, e André que exercitava muito a inteligência, ávido por saber coisas que ainda não estavam ao seu alcance, levantou-se instigado por Pedro, e perguntou a Jesus:
- Mestre! Na verdade, queria saber até que ponto poderemos desenvolver a nossa inteligência, para que alcancemos maior saber. A inteligência não nos livra da ignorância?
Cristo, na sua mansidão peculiar, respondeu, paciente:
André! A Inteligência é um dom, por si só, grandioso. Ela marca na personalidade certo respeito que os outros nos concedem. Ela mostra a altura que já atingimos na ciência, na filosofia, e mesmo na religião. Ela nos favorece ambiente propício para vivermos mais tranquilos. É, porém, uma lâmina perigosa que pode ferir dos dois lados, sem a assistência do coração.
O saber do homem desvendou muitos segredos da Natureza em seu próprio benefício. A razão fornece meios para a lavoura produzir frutos de melhor qualidade, pela seleção das sementes, pela irrigação das águas, pela silagem. Nos traz melhores sabores nas comidas. Nas vestes, meios mais nobres de nos cobrirmos. Nas casas, conforto e segurança, higiene no lar e nas cidades. O ensino avança com mais desembaraço e as pessoas aprendem com mais facilidade.
Mas devemos ter cuidado com a Inteligência. Sem ser acompanhada pela educação, essa Inteligência, André, pode transformar a paz dos homens em guerras fraticidas. Pode matar milhares de criaturas sem piedade. Pode espalhar o choro e a tristeza, fazer crescer a orfandade, alastrar o ódio, empreender a vingança e até destruir tudo. A Inteligência é, por assim dizer, um cavalo disparado que não atina pelos perigos. O cavaleiro é o progresso. O bridão é a disciplina, na qual as mãos de Deus regulam a corrida e a direção.
A Inteligência, André, nem sempre pode atingir onde marca a vaidade. Ela tem limites, a verdade se move por força do Todo Poderoso, e se esconde por onde o Senhor achar conveniente. Basta dizer que não fazemos nada, tudo já está feito. Não descobrimos nada, tudo já está descoberto. Não falamos nada, tudo já está falado. Não crescemos nada, tudo já está crescido. Não seríamos nada se não fosse a presença de Deus em nós. Quem tem olhos para ver, que veja; quem tem ouvidos para ouvir, que ouça.
Cada um de vós é um elo que se interliga comigo, compondo uma fraternidade maior, para que possamos juntos ajudar por amor, como a galinha faz quando, por influência de alguma inteligência, quebra os ovos de fora para dentro, para o nascimento do pinto.
A Boa Nova é uma força divina: não é imposição, mas um convite aos homens para a sua disseminação, porque ela é a chuva, é o sol, a terra fértil. Ela é a mãe que quebra a casca dos filhos que têm preguiça de nascer. Se quereis desenvolver as inteligências, não percais a oportunidade. Se quereis vós comparar com os sábios, se invejais os mestres, sede um deles. Mas não rejeiteis os caminhos porque passaram os verdadeiros sábios e os verdadeiros mestres, porque o saber sem a educação é qual a água do mar que fosse despejada na terra sem os lugares mais baixos para acomodar. A Inteligência com amor nos dá a visão do paraíso e nos faz viver nele, mesmo aqui na Terra.