Encontrei pela mão do acaso, que deve ser mais um dos nomes de Deus, o trabalho do autor Roger Scruton sobre o conservadorismo. Nestes tempos de conflitos ideológicos, onde procuro seguir as orientações espirituais dadas pelo Cristo para a construção do Reino de Deus, conhecer o pensamento de Roger Scruton pode fazer uma boa contribuição a mim e meus leitores.
Vejamos a entrevista que ele deu a Bruno Garschagen, tradutor de sua obra no Brasil, em uma matéria publicada pelo Grupo Editorial Record há 4 anos, com 40 mil visualizações nesta data.
BG – Sr. Scruton, muito obrigado por ter me recebido. Eu gostaria de fazer algumas perguntas sobre seu livro “Como ser um Conservador” que eu traduzi no Brasil. Você se tornou um intelectual famoso no Brasil.
RS – Que maravilha!
BG – Pois é. Há muitas pessoas interessadas em ideias conservadoras, no conservadorismo britânico. Bem, a primeira pergunta é: por que resolveu escrever o seu livro mais recente? O que motivou você?
RS – A motivação, primeiramente, é que considero que seja a hora de dar uma nova declaração. O conservadorismo precisa mudar e evoluir, junto com a sociedade. É sempre necessário ir atrás dos princípios básicos e expressá-los de verdade na linguagem da época. Se não fizer isso, vai parecer uma filosofia antiga, do passado, que não seria útil agora. É uma questão de reencontrar a linguagem relevante na situação na qual nos encontramos. Foi por isso que resolvi escrever.
BG – Quais são as questões centrais do livro que complementam o seu livro mais antigo?
RS – Escrevi “O Que é Conservadorismo” quando era muito jovem. Foi um livro inflamado porque era um protesto meu contra a instituição socialista que dominava a política britânica desde a 2ª Guerra Mundial, mas particularmente na época que eu era da faculdade. Através do livro tentei expressar que havia um outro lado que as pessoas tentaram esconder. O tema era identificar nossa lealdade política a entender isso. Expressei isso de maneira agressiva. Agora que sou mais velho e sofri todas as consequências da minha juventude inflamada resolvi que era hora de me expressar de forma mais serena, tranquila e indulgente. Também quis demonstrar uma tolerância em relação a todas as pessoas que discordam de mim.
BG – O seu conservadorismo critica muito a política de Thatcher no mercado.
RS – Escrevi em parte porque eu achava que a alternativa ao socialismo não era o mercado livre e o libertarianismo e sim algo que segue a linha de uma tradição nacional, de união social. Eu não era contra o mercado livre, mas eu achava que precisava se unir ao respeito pelas instituições, pelas tradições e assim por diante. Isso foi ignorado, em parte, devido ao pensamento libertário americano.
BG – Você mudou de ideia em relação a isso ou continua igual?
RS – Eu mudei de ideia em relação a muitas coisas. Mudar de ideia é a melhor prova de que você tem ideia. O que mudou na minha cabeça é que agora entendo direito que o mercado livre faz parte da nossa ordem tradicional e não é a sua destruição. Mas precisa estar controlado por restrições para que seja aceitável para todos que não se beneficiam dele. Essa é a grande dificuldade na política.
BG - A melhor maneira é identificar os elementos importantes no mercado livre para que exista um equilíbrio?
RS – É preciso equilibrar com a necessidade da comunidade, com a dependência de muitas pessoas em relação ao apoio. É algo que acontece cada vez mais no mundo. É um problema sério. Se você der apoio demais, você sabota a vontade das pessoas de viverem e de fazerem parte de uma comunidade. Mas, se não der apoio nenhum, o efeito é o mesmo.
BG – É possível ser conservador se você não for um indivíduo maduro?
RS – É, sim. Todas as crianças são naturalmente conservadoras. Elas dependem dos pais, se tiverem essa sorte. Elas amam os pais. Elas reconhecem que nasceram numa ordem que vai além delas. Elas se prendem a isso porque se sentem seguras. O ser humano tem muitas fases de desenvolvimento. Quando é criança, ele é conservador. Na adolescência, ele se torna liberal e talvez, até radical porque quer afirmar a própria identidade. Depois, ao estar mais maduro, ele volta a ter aquela noção de lar, através de uma espécie de passagem e começa tudo de novo.
BG – Interessante. O indivíduo se torna conservador ou se descobre conservador?
RS – É uma boa pergunta. É difícil separar as duas coisas. Eu me descobri conservador aos 21 anos. Eu não era nada antes. Quando aconteceram os eventos de maio de 1968 em Paris, vi que eu acreditava no oposto do que eles acreditavam. Foi assim que descobri.
BG – A família é um elemento-chave na vida do indivíduo que se descobre conservador.
RS – Sim. A família é uma grande questão política hoje. A posição conservadora na cultura europeia e em todas as culturas tem sua base em afirmar a família contra o Estado. É a fonte dos sentimentos morais e sociais. Não é o maquinismo do governo que produz esses sentimentos. Mas devido ao trabalho do Estado, a família está mais fraca agora. Está entrando em colapso na Europa. Uma grande dificuldade para os conservadores é se prender a ideia da família numa época em que as pessoas não se casam e têm filhos fora do casamento. As pessoas se divorciam, abandonam os filhos. O que devemos fazer? Acho que isso é um problema no Brasil também.
BG – Quais são os elementos principais que identificam uma pessoa conservadora?
RS – Os elementos principais? O primeiro de todos é o respeito pela herança social, o respeito pelo que recebemos dos nossos ancestrais. Segundo, é preciso respeitar a lei, a propriedade e a religião. São as maneiras básicas de nos conectarmos com o mundo. Também é preciso estar aberto à oposição. É preciso ter o desejo de resolver as questões através de negociações, discussões e até chegar a um acordo. Não se pode impor uma solução.
BG – Os conservadores, geralmente, negam a visão de conservadorismo como uma ideologia. Qual é a sua opinião sobre isso? Pode ser uma inclinação, uma filosofia política.
RS - É claro que é uma inclinação. Os seres humanos são muito diferentes. As pessoas que têm uma inclinação conservadora não são diferentes das que têm uma inclinação radical. É verdade que os conservadores desconfiam das filosofias compreensivas. Eles não acham que a vida é um sistema de soluções, e sim, ter que lidar com os problemas conforme surgem e fazer isso com respeito ao próximo. Nesse sentido, os conservadores desconfiam da ideologia. Mas mesmo assim, não podem desconfiar das ideias. Todos precisamos de ideias. Precisamos dos conceitos do que fazemos para poder fazer.
BG – Certo. O que os conservadores precisam fazer quando estão no poder para controlar a natureza leviatã do Estado?
RS – É uma pergunta e tanto! Bem, eu espero que eles reconheçam que a questão não é controlar, e sim influenciar. Quando você está no governo, não deveria querer controlar tudo que acontece e sim ter uma influência para que as coisas sigam na direção que você quer. Se o público não quiser que siga nessa direção você não pode prendê-lo e ameaça-lo dizendo que só pode ser assim. Isso é importante. No último século, a política só quis controlar. Na Europa pelo menos. Os comunistas, os nazistas, os fascistas... Todos queriam controlar tudo e tomar as rédeas do futuro para moldá-lo do jeito que idealizaram. Os resultados foram desastres. A Europa foi destruída três vezes. Devemos aprender a lição de que a política não é só o controle, e sim administrar as crises que acontecem para tentar reconciliar os conflitos.
BG - É possível fazer isso de maneira eficaz, considerando o tamanho do governo e das cidades?
RS – É uma ótima pergunta. Como as nossas sociedades são enormes agora e chegaram ao limite da expansão... podemos ver isso, porque as populações estão começando a diminuir. É preciso ter muita organização. Isso é inegável. Muito mais do que era necessário na Idade Média e no século 19. Mas existe uma organização que respeita as pessoas e outra que tenta controla-las. Precisamos do primeiro tipo de organização. Por exemplo, no caso das escolas. Acreditamos que as crianças precisam de educação, mas não acreditamos que as escolas devam ser controladas pelo Estado. Podemos dizer aos cidadãos que devem educar as crianças, mas que depende deles. As crianças podem estudar numa escola particular e o Estado pode até subsidiar isso. Mas você precisa cumprir o seu papel.
BG – Você cita conceitos de Hayek no seu trabalho e nos artigos e livros mais antigos. Hayek, no passado, escreveu um ensaio famoso chamado “Por que não sou Conservador”. O que você acha desse ensaio? Me parece que Hayek se colocava como conservador de outra forma.
RS – Certo. É preciso olhar para o ensaio no contexto no qual escreveu. Acho que foi nos anos 1950. Ele analisou a política da Europa no pós-guerra e ficou muito desiludido, principalmente com os partidos conservadores, como o nosso, que simplesmente aceitou o resultado estatista da 2ª Guerra Mundial. Para eles, o Estado foi o único vitorioso. A União Europeia se desvencilhou da ideia de que precisamos de um Estado compreensivo para poder controlar tudo. É por isso que Hayek não se considerava um conservador. Ele era um liberal clássico, tradicional. Mas, desde então, ficou muito mais claro que os argumentos do tipo de liberalismo de Hayek também fazem parte do conservadorismo.
BG – Certo. O que acha da Escola Austríaca de Economia?
RS – É uma aventura intelectual brilhante. As pessoas ainda não absorveram a lição. Com certeza, Mises e Hayek ... destruíram a possibilidade de uma economia socialista. Eles tinham argumentos conclusivos contra isso. Claro que não resolveram todas as questões da economia, pois essas questões não são apenas científicas. Mas é preciso levar à sério o que fizeram.
BG – Acha que o governo conservador precisa das ferramentas da economia austríaca?
RS – Bem... O governo precisa reconhecer a verdade no argumento austríaco. Principalmente a verdade de que não temos a informação econômica da qual precisamos, a não ser no contexto de livre comércio e de transações livres. Se tentar controlar as transações das quais a economia depende, você perde a informação de que precisa para que aquilo funcione com êxito.
BG – A informação correta.
RS – Isso. Isso quer dizer que é preciso ter muito cuidado com todas as intervenções no mercado. Talvez sejam necessárias, ninguém nega isso, mas precisam ser feitas com muito cuidado e ceticismo.
BG – Certo. Para finalizar a nossa conversa, o que gostaria de dizer para os seus leitores conservadores do Brasil?
RS – Eu gostaria de saber mais sobre essas pessoas e sobre como veem o mundo. Uma coisa eu diria é que o Brasil é um país incrível. É único no mundo. Não só graças à sua herança ecológica, que é um dos seus grandes tesouros, mas também porque se fala português. É um país que se isola dos outros que os cercam, mas ao mesmo tempo está unido à Europa. Eu diria para os brasileiros se agarrarem à herança europeia e à herança cristã, primeiro de tudo. E também diria para respeitarem a grande herança ecológica. Se possível, tentem manter as multinacionais distantes. Todas querem se apropriar do Brasil. E é tudo de vocês.
BG – Senhor Scruton, muito obrigado.
Importante conexão do pensamento político com o valor da família como célula master da sociedade. Como evoluirmos e respeitando a sua estrutura, mesmo que sofra as transformações citadas pelo Cristo, da família nuclear, ampliada até a família universal que é a base do Reino de Deus.
Entendo assim, que o conservadorismo está bem mais próximo dos ensinamentos evangélicos, com os princípios do amor, tolerância, compaixão, perdão, solidariedade, verdade, etc.