Paulo, a figura mais proeminente nos primórdios da igreja cristã, explicou à Igreja de Corinto que “é bom o homem não tocar em mulher, pois mesmo dentro do casamento, o sexo seduzia a mente e o corpo do homem, desviando-o do seu propósito maior, a comunhão com Deus”. O próprio Paulo era puro, solteiro e abstinente, e este era o estado mais sagrado. Ele escreveu, “quisera que todos os homens fossem como sou. Mas, se não podem guardar a continência, casem-se, pois é melhor se casar do que ficar abrasado (1 Cor 7, 1-40).
A partir daí, os principais nomes da Igreja Católica eram homens celibatários que levaram mais além esta visão negativa do sexo, que o desejo corporal era intrinsecamente vergonhoso e pecaminoso. O expoente mais poderoso desta visão foi santo Agostinho (354-430), bispo da cidade de Hipona no litoral norte da África. Mas o seu passado foi muito diferente. Viveu por muitos anos com sua amante não casada e seu filho ilegítimo. Mesmo quando começou a perceber o erro de sua conduta, orava para Deus da seguinte forma, conforme escrito em suas “Confissões”: “dai-me castidade e autocontrole – mas por favor, ainda não”, pois ele ainda era cheio de luxúria que estava ansioso para satisfazer do que extinguir”. No entanto, como no caso de inúmeros críticos à sensualidade que vieram depois, foi justamente sua experiência da força da paixão humana que o levou, uma vez convertido e dedicado a uma vida de celibato, a investir de forma tão veemente contra suas tentações vis e debilitantes. Por fim, Agostinho passou a ver a luxúria como o mais perigoso de todos os impulsos humanos. Assim como muitos outros teólogos medievais, argumentou que era uma consequência direta da Queda – os sentimentos sexuais não eram de forma alguma um bem, mas sim uma punição infligida por Deus a Adão e Eva e seus descendentes, uma marca indelével de seu estado pecaminoso e corrompido. Afinal, a luxúria tinha um incomparável poder de sobrepujar a razão e a vontade humana: quando excitados, homens e mulheres não podiam suportar nem mesmo as inquietações de sua própria genitália. Pior ainda, ninguém podia jamais ter certeza de haver dominado a luxúria para sempre, por mais vigorosos que fossem seus esforços.
Na velhice, quase 40 anos após se tornar celibatário, tendo dedicado sua vida à mortificação do desejo, Agostinho resumiu sua própria experiência numa carta a outro bispo, Ático de Constantinopla. Conter “esta concupiscência da carne”, queixou-se ele, era batalha de uma vida inteira para todos, fossem virgens, casados ou viúvos. “Pois ela se infiltra onde não é chamada, e tenta os corações das pessoas fiéis e santas com seu desejo inoportuno e mesmo perverso. Mesmo se não cedemos a estes seus incessantes impulsos com nenhum indício de consentimento, mas sim lutamos contra eles, quereríamos assim mesmo, por um desejo mais santo, que eles simplesmente não existissem em nós, caso isso fosse possível”.
Verificamos que essa condição sexual construída e permitida por Deus ser tão atacada pelas personalidades ilustres do cristianismo. Condenam o conteúdo (instinto sexual) por não poderem disciplinar a forma (comportamento sexual). Os desejos da genitália devem ser contidos quando forem inoportunos à causa do amor incondicional, quando levar prejuízo a terceiros ou a si mesmo, quando nele estiver embutido a perversidade. Devemos respeitar o impulso sexual que nos acomete e administrar a realização do desejo se isso for conveniente para ambas as partes. O celibato e qualquer outra forma de limitação artificial, vigorosa, punitiva, dessa energia sexual não se torna coerente com o nosso processo evolutivo em direção ao Pai. É importante que possamos administrar essas energias sexuais fortalecendo as ações coerentes com o amor incondicional, assim podemos contribuir para a formação da família universal e a construção do Reino de Deus entre nós.