Como entender a decisão de fazer determinada coisa, e sem nenhuma interferência externa não poder cumprir o que foi determinado conosco mesmo? Isso acontece muito com pessoas que se tornaram dependentes de alguma substância química. É a chamada recaída, num comportamento que não queríamos mais praticar. Tenho contato constante com esse tipo de problema, relacionado ao meu trabalho com dependentes químicos. A maioria passa por esse problema, mesmo sabendo que esse comportamento está destruindo suas vidas e de seus familiares.
Porém, esse comportamento de recaídas não está presente apenas em quem é dependente químico, é bem mais comum do que podemos imaginar. Inclusive para pessoas que tem preparo psicológico e sabem como funciona diversos mecanismos de instintos e motivação. Todos esses mecanismos deveriam estar subordinados à vontade racional, que é o elemento que é acionado pelos mecanismos de avaliação e diagnóstico do nosso sofisticado córtex cerebral, principalmente nas áreas pré-frontais.
Enfrentei esse problema e vi quanto poderoso é esse mecanismo psicológico que está subordinado aos mecanismos biológicos, que podem estar associado à sobrevivência do corpo. Durante este período de Quaresma, procuro fazer uma dieta rigorosa para reduzir o sobrepeso que adquiri ao longo do ano. Sei que o melhor seria uma adaptação alimentar para não gerar o sobrepeso, mas racionalmente eu preferi ter o prazer da alimentação mesmo gerando o sobrepeso, para neste período fazer a correção nos 40 dias. Consigo fazer isso, pois associo este momento ao compromisso espiritual que mantenho nas minhas convicções.
Já estou com 15 dias neste compromisso cujo referencial objetivo é a perda de peso que deve acontecer a cada dia, auxiliado pelo exercício físico quando eu exagero na alimentação. Acontece que enfrentei uma verdadeira queda de braço entre o desejo do corpo e a vontade racional aliado ao compromisso espiritual, e, venci no primeiro round e perdi desastradamente no segundo.
No primeiro round, ao chegar em casa exagerei no consumo de frutas. No dia seguinte fiz todo o controle necessário e mantive a perda de peso programada. Porém, na sequência, perdi todo o controle racional e o exagero foi bem maior que no dia anterior. Consumi alimentos num nível que o meu esforço não chega a compensar. Tenho que registrar o aumento de peso superior aos três dias de perda.
Coloco essa questão para refletir sobre a força desses mecanismos psicológicos que atuam à nível de consciência, mas que podem ter estratégias de eliminar a força do racional. Isso pode servir para a minha compreensão dos meus pacientes dependentes químicos. Como é que sento à mesa, consciente que vou comer de forma limitada, mas de repente surge um comportamento de repetição, de procura por novos alimentos, sem que o racional identifique e acione a vontade para parar o ritmo dos acontecimentos? Parece que um mecanismo a nível subconsciente foi acionado e o racional foi desativado à nível de consciência. Sendo isso verdade, as recaídas serão uma constante, pois não terei a vontade sendo dirigida pelo racional e sim pelos mecanismos inconscientes da preservação do corpo.
Mas, o racional encontra outra solução. Basta saber das causas das recaídas para que outras estratégias sejam elaboradas. Por exemplo, antes de chegar na mesa, sabendo que posso ser derrotado pelos mecanismos inconscientes, posso deixar previamente determinado o que irei consumir, com o compromisso prévio de não aumentar por nenhuma argumentação racional ou desejo, pois todos estão comprometidos com os interesses do corpo e não do espírito. Veremos o que acontecerá nos próximos embates.