Por não ter ainda alcançado essa graça de ter a inteligência rápida, cometi um erro com uma pessoa que não imaginaria que isso acontecesse. Pratiquei a verdade com essa pessoa nos momentos mais difíceis, explicando fatos e comportamentos que me deixaram no papel de vilão. Mas não recuei, cada pergunta que ela me fazia, eu respondia com a verdade. Isso gerou raiva sobre mim, me tornei “persona no grata”, sem direito a frequentar sua casa ou mesmo lhe dirigir a palavra. Ela me evitava e queria que todos os seus parentes e amigos fizessem o mesmo.
Acontece que, apesar de toda essa tempestade causada pela verdade que eu exibia, é a verdade o cartão de visita do amor. Com o tempo o amor mostrou a sua força e toda raiva desapareceu, como uma mágica acontecida sem ninguém falar, a harmonia se instalou em nosso relacionamento e ela sabia que podia confiar em mim, que eu sempre falaria a verdade para ela.
Mas eis que a inteligência lenta me traiu. Ela sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) e diminui sua capacidade mental, memória e discernimento. No segundo AVC, a perspectiva era de aprofundar as deficiências mentais, talvez ficar sobrevivendo de forma vegetativa. Ela não queria ir para o hospital, ficar internada, talvez sobrevivendo com a ajuda de aparelhos. Pediu para mim para ficar em casa, que eu cuidasse dela em casa. Foi aí que falhou a minha inteligência. Eu devia ter conversado com o pouco de tirocínio que ela ainda tinha, junto com os parentes presentes, e procurado ver a conveniência da sua vontade. Ao invés disso eu me associei aos padrões culturais, de situação semelhante ser levada de imediato ao hospital e tentado salvar a vida de qualquer forma, mesmo que o coração continuasse bombeando sangue para um corpo que não dava mais condições da mente se expressar. Disse a ela que iria leva-la ao hospital, mas que ela voltaria para casa. Mentira!
Depois é que fiz essa autocrítica e vi o prejuízo que minha inteligência lenta causou. Talvez se eu tivesse feito essa proposta para os parentes, dela ficar em casa, e a proposta não ter sido aceita, como era o mais provável, tudo ocorreria como aconteceu, mas eu não teria mentido, não tinha ofendido a minha consciência, não teria perdido a confiança que eu conquistara a tanto custo com o uso da verdade.
Agora, o cenário é este: ela internada numa enfermaria de hospital, inconsciente, paralisada, com os parentes se revezando na companhia em 48 horas, na esperança de algum tipo de melhora e retorno para casa.
O cenário poderia ser outro: ela teria ficado em casa, conversando o mínimo com os parentes aguardando a passagem para o mundo espiritual, com o meu apoio fraterno, conforme ela tanto desejava. Já estaria neste momento livre do corpo danificado, ao lado dos parentes que a esperavam do outro lado e que já lhe faziam visitas preparatórias.
No entanto, por outro lado, compreendo que cada um tem o merecimento para trilhar por determinados caminhos. Se estes são tortuosos e cheios de dores e sofrimentos, ao invés de outro mais harmônico e suave, é porque precisamos aprender mais alguma coisa da vida.