Vejamos um exemplo de inferno que W. Shakespeare descreve nos pensamentos refletivos de Hamlet.
“Ser ou não ser, eis a questão. O que será mais nobre? Suportar as pedradas e as flechas da fortuna cruel, ou pegar em armas contra um mar de angústias e, resistindo, derrota-las? Morrer, dizer que pelo sono poderemos curar um mal do coração, derrota-las. Morrer? Dormir, nada mais. Dizer que pelo sono poderemos curar um mal do coração
e os mil acidentes naturais a que a carne está sujeita, é algo que podemos desejar ardentemente. Morrer, dormir, sonhar talvez. Sim, aqui está a interrogação, pois no mortal sono, que sonhos poderão aparecer, ao sair deste corpo mortal, que nos farão refletir?
‘O respeito dá as calamidades uma longa vida. Pois quem suportaria o flagelo dos tempos, a injustiça do opressor, as afrontas do orgulhoso, os punhais do amor incompreendido, os atrasos da justiça, a insolência do poderoso, e os desdéns que tolera a paciência do indigno, quando ele próprio poderia saldar as suas contas, com um simples punhal?
Quem carregaria fardos, gemendo e suando, duma vida de canseiras, que não fosse pelo medo de algo depois da morte, essa região desconhecida de onde nenhum viajante volta?
Eis o que embaraça à vontade, e nos faz suportar os males de que sofremos, com medo de irmos encontrar outros que não conhecemos. É assim que a consciência nos faz covardes, e a cor da nossa resolução mais firme desvanece perante a palidez do pensamento, e os projetos de grande alento, graças a esta consideração, mudam o rumo, da sua corrente, e perdem o nome, de ação.”
Este é um inferno em dubiedade: sofrer as agruras do mundo material e o medo de fugir dele através do suicídio por não saber o que se vai encontrar após essa passagem. Será algo mais angustiante? A doutrina espírita diz que sim, que o suicida irá sofrer muito mais por esse erro cometido, sem as opções que o mundo matéria oferece para administrar esse sofrimento sem recorrer a destruição do corpo físico.
Nunca me ocorreu a ideia do suicídio, também não construí ao meu redor tanto sofrimento que me levasse a isso. Minha opção pelo mundo material, depois que o conheci, foi algo que me tirou o medo da morte. Sei que o meu espírito evolui nos dois mundos e que a maioria dos meus erros e conflitos foram feitos no mundo material, nas inter-relações humanas. Tanto é assim, que sou acusado até hoje por minha primeira esposa de fazer sofrer as mulheres que se aproximam da mim, que eu não deveria defender tanto o amor incondicional a ponto de querer viver a família universal onde o amor não pode ser exclusividade de ninguém, incluindo todos os aspectos da natureza biológica que fomos formados, incluindo a possibilidade de sexo quando a consciência não apontar nenhum erro nisso. Fazendo assim, eu fujo do inferno emocional que poderia se formar em minha vida, mas termino contribuir para formar o inferno emocional na consciência das mulheres que querem conviver comigo sem aceitar o paradigma em que vivo.
Mas, pelo menos não crio em minha consciência o inferno que Hamlet criou na consciência dele. E sei do sofrimento na consciência das mulheres que convivem comigo, mas isso é uma opção delas, pois todas são sabedoras dessa realidade.