Continuemos o estudo interpretativo da obra de Humberto de Campos / Chico Xavier... “Brasil coração do mundo, pátria do Evangelho”, continuando no terceiro capítulo “Os degredados”.
Entretanto, nas fitas extensas da praia choram, desesperadamente, os dois degredados, dos vinte párias sociais que o Rei D. Manuel I destinara ao exílio.
Os homens do mar se distanciam daqueles sítios, levando amostras da sua extraordinária riqueza. Em toda a paisagem há um largo ponto de interrogação, enquanto os dois infelizes se lastimam sem consolo e sem esperança. Os silvícolas amáveis e fraternos lhes abrem os braços; é dos seus corações rudes e simples que desabrocham, para a amargura deles, as flores amigas de um brando conforto.
Mas, Afonso Ribeiro, um dos condenados ao penoso desterro, avança numa piroga desprotegida e desmantelada, sem que os olhos da História lhe anotassem o gesto de profunda desesperação, a caminho do mar alto. Ao longe, percebem-se ainda os derradeiros mastros das caravelas itinerantes. O infeliz degredado anseia por morrer. Os últimos gemidos abafados lhe saem da garganta exausta. Seus olhos, inchados de pranto, contemplam as duas imensidades, a do oceano e a do céu, e, esperando na morte o socorro bondoso, exclama, do íntimo do coração:
— Jesus, tende piedade da minha infinita amargura! Enviai a morte ao meu espírito desterrado. Sou inocente, Senhor, e padeço a tirania da injustiça dos homens. Mas, se a traição e a covardia me arrebataram da pátria, afastando dos meus olhos as paisagens queridas e os afetos mais santos do coração, essas mesmas calúnias não me separaram da vossa misericórdia!
Nesse instante, porém, o pobre exilado sente que uma alvorada de luz estranha lhe nasce no âmago da alma atribulada. Uma esperança nova se apossa de todas as suas fibras emotivas e, como por delicado milagre, a sua jangada rústica regressa, celeremente, à praia distante. Em vão as ondas sinistras e poderosas tentam arrebata-lo para o oceano largo. Uma força misteriosa o conduz a terra firme, onde o seu coração encontrará uma família nova.
Ismael havia realizado o seu primeiro feito nas Terras de Vera Cruz. Trazendo um náufrago e inocente para a base da sociedade fraterna do porvir, ele obedecia a sagradas determinações do Divino Mestre. Primeiramente, surgiram os índios, que eram os simples de coração; em segundo lugar, chegavam os sedentos da justiça divina e, mais tarde, viriam os escravos, como a expressão dos humildes e dos aflitos, para a formação da alma coletiva de um povo bem-aventurado por sua mansidão e fraternidade.
Naqueles dias longínquos de 1500, já se ouviam no Brasil os ecos acariciadores do Sermão da Montanha.
A sabedoria do Cristo, executada pelo anjo Ismael, começa a dar um formato adequado para recebimento e divulgação do Evangelho ao povo brasileiro. Do ponto de vista de nossa consciência material, esse movimento espiritual com implementação dos fatos em busca de um objetivo, parece uma fabulação fantasiosa sem nenhuma implicação na realidade. Toda essa argumentação só gera lógica e coerência quando temos conhecimento do mundo espiritual e sua hierarquia, sendo Jesus o gestor de maior grau hierárquico, dentro do sistema solar, considerado o governador da Terra. Como toda influência que sofremos aqui vem da dimensão espiritual, pois a vida real se processa nesse plano, o relato de Humberto Campos se reveste de plena realidade.