Meu Diário
27/09/2020 00h26
APOCALIPSE PESSOAL

            Acredito que o Pai tenha me chamado a atenção com seriedade, fazendo bronca... ameaça? Não, não acredito em ameaças. Um pai doce sereno, infinitude de sabedoria e amor, não iria ficar melindrado por meu comportamento, minhas constantes falhas, minha ameaça de fracasso no planejamento espiritual, de me aproximar cada vez mais dEle. 

            Sonhei que tinha falhado na realização da minha missão, de construir uma maquete da família universal, pré-requisito para o Reino de Deus. 

            Deus falava que havia me dado todas as condições, mostrado todos os caminhos, e eu, por causa dos meus erros, meus pecados capitais, como gula, luxúria e principalmente a preguiça, não havia tido sucesso. 

            Tanto que tive oportunidade de me capacitar, consegui evoluir academicamente até o doutorado, professor universitário; consegui estudar o mundo espiritual com os principais mestres e ter uma boa compreensão filosófica do mundo material e mundo espiritual, da lei de causa e efeito e da oportunidade evolutiva que a reencarnação traz para corrigirmos nossos defeitos e burilar nossa alma. 

            Tive conhecimento da missão que eu teria que desenvolver, nada tão complexo ou exigente de sacrifícios físicos, de penitências exageradas, de mortificação da carne... bastava ter empenho e seguir avante com o projeto bem delineado à nível de realização.

            Recebi a convivência de tantas pessoas que o Pai me enviou para a minha convivência, íntima ou solidária, mas não tive a habilidade de mostrar o que eu precisava fazer e alcançar delas a solidariedade, o empenho e o engajamento em ações que se tornariam também delas, como era o desejo do Pai. Não tive competência!  

            Não consegui a habilidade mental e comportamental para implementar o que deveria ter sido feito com maestria, eu que era o doutor das funções mentais. A família universal não floresceu, o Reino de Deus ficou cada vez mais distante. Fui envolvido pelos prazeres da carne, principalmente a tendência de não sair da zona de conforto.

            Agora, não havia mais tempo disponível. Todos os meus predicados, minhas virtudes, entravam em atrofia. Minha esperança fenecia e eu me recolhia, derrotado, à exclusão dentro do meu apartamento, aposentado, sem hormônios, sem mais ânimo para sair, organizar, ajudar... tantas pessoas que dependiam de mim e não tive a competência de mostrar o Reino de Deus que eu tinha na consciência, da missão que eu havia recebido e que não consegui mostrar a ninguém da sua realidade. 

            Este isolamento social que caía sobre a minha consciência, como um castigo divino, eu entendia que não era ação do Pai, e sim uma omissão da minha parte. Isso era uma consequência da lei de causa e efeito que eu tanto compreendia. 

            Minha alma estava abatida dentro do corpo, não conseguia mais gerencia-lo. Os próprios desejos da carne também estavam sem ter a quem acionar para adquiri-los. As lágrimas que desciam por minha face, pagavam o tributo da minha inoperância. 

            Percebi que este era o meu apocalipse pessoal. Aos três cavaleiros originais, gula, luxúria e preguiça, vinha se juntar o quarto: a inveja. Inveja daqueles que apesar de obstáculos muito maiores que os meus, conseguiram alcançar seus objetivos.

            O tempo que me resta de vida, fica sendo consumido por essas lamúrias, pelos olhares condescendentes ou acusadores de tantos que dependiam de mim, e agora se veem jogados à própria sorte.     

            Acordei com tudo isso na minha mente, e da mesma forma que João Evangelista recebeu o seu sonho intuído por Jesus e escreveu o Apocalipse da humanidade, recebi o meu sonho intuído por Deus e vim a escrever este texto, o meu apocalipse pessoal. 

            Resta agora saber, eu entrei na rota deste apocalipse pessoal ou ainda tenho tempo de sair dela? Terei forças para vencer adversário tão forte da minha alma, como a preguiça, ou já estou abatido por ela? Ainda posso pedir ajuda a Deus, ou Ele já fechou os ouvidos à minha voz? Será que o arrependimento de minhas fraquezas será suficiente para o resgate de minhas esperanças?  


Publicado por Sióstio de Lapa em 27/09/2020 às 00h26


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr