Continuemos o estudo interpretativo da obra de Humberto de Campos / Chico Xavier... “Brasil coração do mundo, pátria do Evangelho”, continuando no quarto capítulo “Os missionários”.
De Portugal, somente aportavam no Brasil, de vez em quando, alguns aventureiros e degredados, obedecendo a um apelo inexplicável e desconhecido.
Foi, aproximadamente, por essa época, que Ismael reuniu em grande assembléia os seus colaboradores mais devotados, com o objetivo de instituir um programa para as suas atividades espirituais na Terra de Santa Cruz:
— Irmãos — exclamou ele no seio da multidão de companheiros abnegados — plantamos aqui, sob o olhar misericordioso de Jesus, a sua bandeira de paz e de perdão. Todo um campo de trabalhos se desdobra às nossas vistas. Precisamos de colaboradores devotados que não temam a luta e o sacrifício. Voltemo-nos para os centros culturais de Coimbra e de Lisboa, a regenerar as fontes do pensamento, no elevado sentido de ampliarmos a nossa ação espiritual. Alguns de vós ficareis em Portugal, mantendo de pé os elementos protetores dos nossos trabalhos, e a maioria terá de envergar o sambenito humilde dos missionários penitentes, para levar o amor de Deus aos sertões ínvios e carecidos de todo o conforto. Temos de buscar no seio da igreja as roupagens exteriores de nossa ação regeneradora. Infelizmente, a dolorosa situação do mundo europeu, em virtude do fanatismo religioso, tão cedo não será modificada. Somente as grandes dores realizarão a fraternidade no seio da instituição que deverá representar o pensamento do Senhor na face da Terra, a igreja que, desviada dos seus grandes princípios pela mais terrível de todas as fatalidades históricas, foi obrigada a participar do organismo mundano e perecível dos Estados.
Observemos a crítica feita por Leonardo Marmo Moreira neste trecho do livro: Ismael afirma que a Igreja “deverá representar o pensamento do Senhor na face da Terra”. Se isso fosse admitido no movimento Espírita como verdadeiro, deveríamos desenvolver estratégias para fomentarmos uma profunda aproximação com a igreja Católica e o Movimento Espírita se transformaria em uma “ordem da igreja Católica”.
O texto ainda afirma que a Igreja “foi obrigada a participar do organismo mundano e perecível dos Estados...” Em nossa opinião, a Igreja não “foi obrigada” a participar do organismo mundano, como afirma o texto. O que a História mostra é que os líderes religiosos cederam à tentação de compactuar com o poder humano, o que trouxe prejuízos graves para a instituição da mensagem cristã, simples e verdadeira, junto aos povos. Estes comentários não estão de acordo com o que os Espíritos da falange do Espírito de Verdade comentam sobre a Igreja Católica Apostólica Romana no livro “Obras Póstumas” [Kardec, 1998]. E não se trata de opinião pessoal, conforme podemos inferir dos seguintes trechos de duas mensagens de Obras Póstumas ("Futuro do Espiritismo" e "A Igreja") [Kardec, 1998]. Na primeira, o autor espiritual assevera "...cabe-nos retificar os erros da história e apurar a religião do Cristo, transformada, nas mãos dos padres, em comércio e em vil trafico. Instituirá́ (o Espiritismo) a verdadeira religião, a religião natural, a que parte do coração e vai diretamente a Deus, sem dependência das obras da sotaina ou dos degraus do altar". Na segunda mensagem citada é comentado que "Chegou a hora em que a Igreja deve prestar contas do depósito que lhe foi confiado; do modo como praticou os ensinos do Cristo, do uso que fez da sua autoridade, da incredulidade, enfim, a que arrastou os homens". E mais à frente o autor é ainda mais incisivo quanto ao futuro da Igreja estabelecendo que "Deus a julgou e reconheceu-a imprópria, de hoje em diante, para a missão do progresso, que incumbe a toda autoridade espiritual". Ainda sobre a Igreja Católica e o futuro da humanidade o Espírito d ́E... afirma que a Igreja "acha-se nesta alternativa: ou se transforma e suicida-se, ou fica estacionária e sucumbe esmagada pelo carro do progresso". Como se não bastasse, o autor ainda é mais peremptório asseverando que "a doutrina espírita é chamada a ferir de morte o papado..." e conclui seu artigo com a seguinte frase "A Igreja atira-se, por si mesma, ao precipício" [Kardec, 1998].
Vejo essas críticas feitas por Leonardo Marmo muito ácidas, mesma com o suporte dos escritos de Allan Kardec. A fala de Ismael é mais conciliatória, mas que não deturpa a mensagem e missão do Cristo. Mesmo que a igreja tenha seus tantos defeitos, não são a eles que deveremos focar nossas atividades e sim ao que de positivo ela pode emprestar aos primeiros missionários que chegam à Terra Prometida, um novo capítulo do que poderíamos chamar “Novíssimo Testamento”.