Continuemos o estudo interpretativo da obra de Humberto de Campos / Chico Xavier... “Brasil coração do mundo, pátria do Evangelho”, continuando no quinto capítulo “Os escravos”.
Calara-se a voz de Jesus por instantes; mais confortado, Ismael continuou:
— Senhor, não teríeis um meio direto de orientar a política dominante, no sentido de se purificar o ambiente moral da Terra de Santa Cruz?
Ao que o Divino Mestre ponderou sabiamente:
— Não nos compete cercear os atos e intenções dos nossos semelhantes e sim cuidar intensamente de nós mesmos, considerando que cada um será justiçado na pauta de suas próprias obras. Infelizmente, Portugal, que representa um agrupamento de espíritos trabalhadores e dedicados, remanescente dos antigos fenícios, não soube receber as facilidades que a misericórdia do Supremo Senhor do Universo lhe outorgou nestes últimos anos. Até aos meus ouvidos têm chegado as súplicas dolorosas das raças flageladas por sua prepotência e desmesuradas ambições. Na velha Península já não existe o povo mais pobre e mais laborioso da Europa. O luxo das conquistas lhe amoleceu as fibras criadoras e todas as suas preciosas energias e qualidades de trabalho vêem esmorecendo sob o amontoado de riquezas fabulosas. Entretanto, o tempo é o grande mestre de todos os homens e de todos os povos, e, se não nos é possível cercear o arbítrio livre das almas, poderemos mudar o curso dos acontecimentos, a fim de que o povo lusitano aprenda, na dor e na miséria, as lições sagradas da experiência e da vida.
Ismael retornou à luta, cheio de fervorosa coragem e os acontecimentos foram modificados.
Os donatários cruéis sofreram os mais tristes reveses no solo do Brasil.
Os Tupinambás e os Tupiniquins, que se localizavam na Bahia e haviam recebido Cabral com as melhores expressões de fraternidade, reagiram contra os colonizadores, transformados, para eles, em desalmados verdugos. Lutas cruentas desencadearam contra os brancos, que lhes depravavam os costumes.
A luxuosa expedição de João de Barros, que se destinava ao Maranhão, mas que saíra de Lisboa com instruções secretas para conquistar o ouro dos incas, no Peru, dispersou-se no mar, sofrendo os seus componentes infinitos martírios e resgatando com elevados tributos de sofrimento as suas criminosas intenções, na condenável aventura.
Os tesouros das índias levaram o povo português à decadência e à miséria, pela disseminação dos artifícios do luxo e pelas campanhas abomináveis da conquista, cheias de crueldade e de sangue. A sede de ouro acarretava o abandono de todos os campos.
Vejamos as críticas de Leonardo Marmo.
Estudos e pesquisas sobre a escravidão no Brasil confirmam que aqui ela apenas se expandia, eis que há muito tempo já era ativa no mundo todo, principalmente na Europa. Portugal já a praticava na África, buscando escravos abaixo do oeste africano, em águas atlânticas. Vejamos a seguinte passagem que é um comentário atribuído a nosso Mestre Jesus de Nazaré: p.48 “...Na velha Península já não existe o povo mais pobre e mais laborioso da Europa...”.
Na época das navegações e nos períodos em que começava a relação de Portugal com os povos africanos, Portugal não era “o povo mais pobre...da Europa”. Se Portugal fosse o povo mais pobre da Europa, não teria a mínima condição de promover o financiamento de uma série de expedições, cujos custos eram altíssimos. Aliás, se isso fosse verdade, por que os espanhóis assinaram o “Tratado de Tordesilhas”, dividindo o mundo todo em duas partes com o “o povo mais pobre...da Europa” ?! Os espanhóis poderiam ficar com tudo ou anexarem Portugal, que, sendo “o povo mais pobre...da Europa” não poderia impor quaisquer tipo de resistência econômica e, por consequência, militar, até por ser um país pequeno em extensão territorial. Os investimentos econômico, político, tecnológico, militar e estratégico eram altíssimos e foi justamente arcando com tamanho investimento que Portugal cacifou-se como uma “Potência Naval” da época. Para ilustrar vou frisar três expedições: A de Vasco da Gama (“pano de fundo” do famoso “Os Lusíadas” de Camões) para encontrar o caminho para as Índias; a de Pedro Álvares Cabral, que não se restringiu ao descobrimento do Brasil, pois uma parte das embarcações, após ficar um tempo no Brasil, seguiu viagem para a África; e a que previamente havia descoberto o chamado “Cabo das Tormentas” (hoje “Cabo da boa Esperança”). Será que “o povo mais pobre...da Europa” teria condições de financiar tudo isso?
Na Idade Média, considerando o período da escravidão no Brasil, Portugal tinha reis, Inglaterra, Espanha e França, também. Eles misturavam as nobrezas em arranjos interesseiros, Portugal/Inglaterra e França/Espanha, daí que a troca de favores ajudou Portugal e seu pendor para as viagens marítimas, tendo como aliada a Inglaterra, então considerada a “rainha dos mares”.
Por outro lado, será que o povo português poderia ser considerado realmente “...o povo...mais laborioso da Europa...”? Sem desmerecer o povo português, mas tal afirmativa poderia ser facilmente questionada por historiadores da Europa e de outros povos europeus.
A crítica do Leonardo desta vez tem bastante procedência, houve um erro de avaliação da situação de Portugal na época. Mas de quem? Do Mestre? Deixemos para nossa reflexão.