Revisitando meus escritos do passado, encontrei um pequeno caderno com textos que fiz ao ser expulso de casa pela minha segunda ex-esposa. Eu acabara de lhe informar que iria nascer uma filha minha, com uma pessoa que ela jamais imaginaria. Eu tive que dizer, dos anos de relacionamento afetivo e íntimo com essa pessoa até o momento da gravidez indesejada e dela assumir que iria criar a filha, mesmo sozinha, pois sabia que eu era casado e que não tinha intenções de deixar a minha esposa. Face a determinação dela, o que eu poderia fazer era assumir o papel de pai. Foi o que fiz, informando a minha esposa o que havia sucedido. Ela, de forma impulsiva, raivosa e agressiva, me expulsou de casa e fui me abrigar num camping, após ter adquirido uma barraca.
Esta é a digitação do primeiro texto que escrevi no caderno.
09-09-96
Hoje foi um dia de cão. Apesar dos números da data, 09-09-96, todos serem para mim muito simpáticos, não conseguiram evitar os fatos do dia.
Logo cedo, pela madrugada, acordei sacudido na minha rede, fuzilado com um olhar raivoso da minha companheira. Estava muito machucada por ter ouvido e descoberto coisas dos meus relacionamentos afetivos. Coisas que procurei afastar do seu conhecimento por medo de machucá-la. Só fiz adiar as coisas...
Que fazer, meu Deus, para evitar essas coisas negativas para quem amo? Evitar sem me sentir alterado, diminuído, acorrentado? Queria tanto fazer-lhe feliz!
Será que o preço da felicidade dela é a minha sensação de ruína? A minha sensação de impotência, de perda da liberdade?
No entanto, se eu não mudo meu comportamento ela não é feliz. Se eu mudo, não serei feliz. Pela lógica, somos incompatíveis. Apenas um ponto pode salvar nossa felicidade: o amor.
E qual a grande lição que o amor nos ensina? Amar sem qualquer exigência, amar sem cobranças, pelo prazer de amar. Pois, se querer a reciprocidade é estar propondo um comércio, e o amor é a pior moeda comercial.
Quando existe reciprocidade no amor, a coisa é linda e se torna profunda. Porém, devemos continuar sem exigir normas, regras ou qualquer outro recurso, pois o amor por natureza é livre e ninguém em qualquer lugar jamais conseguiu o amor pela força, apenas medo. Parece-me que esse é o grande segredo do amor. Amar a pessoa com todos os seus defeitos e bondades. Como se fosse um aleijado ou deficiente de qualquer órgão biológico. Se alguém fosse amar esse deficiente, por acaso iria exigir que ele ouvisse ou enxergasse como as pessoas normais? Coitado do deficiente, jamais seria amado.
Quando a coisa se passa com o comportamento de alguém, essa exigência parece não ter nenhuma inibição. Pois, se dificilmente ouvimos alguém dizer a um cego que só vai amá-lo quando enxergar, por outro lado, a uma pessoa que tem o comportamento “errado”, frequentemente se diz que só consegue amá-lo se ele se corrigir.
Aparentemente, é realmente mais fácil corrigir o comportamento, do que corrigir um aleijão biológico. Ora, mas se esse comportamento está alicerçado em convicções que a pessoa adquiriu ao longo de toda uma vida de esforços, se debruçando sobre os esforços intelectuais de diversas pessoas em todo o mundo? Se incorporou isso paulatinamente no seu modo de ver e agir no mundo? Se alguém não passou por todo esse processo, e mais importante, se não tiver a mesma motivação, dificilmente entenderá a força desse processo.
Mais uma vez, para esse impasse só o amor dará a solução: amar sem exigências. Sim, pois quando amamos sem exigências deixamos de sofrer pelo que o outro fez ou deixou de fazer.
Isso me lembra também a lição que o pessoal de ajuda mútua – AA, deixou nas orientações de Al-Anon: “Não se envolva emocionalmente com a bebedeira do seu marido! Ame o homem que ali está envolvido com a dependência, apesar de você não aceitar a dependência. Mas saibamos separar as coisas: o homem que está e é dependente, é o centro do amor; sua dependência é alguma coisa que diz respeito a ele e que ele deve sentir até que ponto deve continuar.