J – Declaro aberta a segunda sessão deste julgamento e chamo o Promotor para apresentar as razões do Estado.
P – Na condição de defensor dos interesses do Estado, da segurança física, emocional e financeira dos cidadãos, chamo o Advogado Acusatório com o qual trabalho para o início de nossas alegações.
AA – Para dar início às inúmeras provas que levantamos sobre a nocividade desse indivíduo que agora julgamos e devemos punir exemplarmente, chamo a primeira vítima com a qual ele elaborou todo o seu plano maléfico que aperfeiçoou e pratica até o dia em que foi preso.
V1 – Senhores, eu me sinto extremamente enganada, iludida, decepcionada, fracassada, devido ao homem que tanto amei e que hoje está ali, sentado à minha frente, nesse banco dos réus. Eu era uma jovem simples, ideológica, queria construir um lar com o homem que meu coração escolhesse para amar, independente de sua posição acadêmica e financeira, pois quando eu o conheci era uma pessoa pobre, simples e sem instrução. Infelizmente, meu coração se enganou e enganou a minha mente. Eu me apaixonei por ele com toda a dedicação e honestidade. Com todas as forças da minha alma. Fui contra a minha mãe, e teria ido contra meu pai, se ele já não tivesse falecido e me deixado órfã de sua presença. Ele também demonstrava me amar e tudo que fazia comprovava isso. Vivemos anos felizes... tivemos filhos, evoluímos acadêmica, espiritual e financeiramente. Mas eu estava sendo traída, e quando um dia, descontraidamente, com certa curiosidade, mas sabendo que iria ter uma resposta negativa, eu perguntei se ele seria capaz de me trair algum dia, ele respondeu sem vacilar que sim, e que já estava fazendo isso... estava me traindo! Quando eu procurei saber mais detalhes, ele tentou justificar de forma incompreensível para mim e tudo piorou na minha mente, quando ele disse que eu tinha o direito de fazer o mesmo que ele fazia, quer dizer, eu podia trair também! Foi a maior tortura que uma pessoa pode sofre na alma. Ver destruída dentro de seu coração a imagem de um homem que até aquele momento idolatrava, que não existia pessoa mais perfeita e justa, romântica e amorosa em todo o mundo.
AD – Ele chegou a lhe agredir?
V1 – Não, fisicamente, mas causou sofrimento no mais profundo de minha alma.
AD – Ele lhe mentia?
V1 – Não.
AD – Preferia que ele tivesse lhe mentido sobre o que acontecia para não lhe causar dor?
V1 – Não, preferia que ele não tivesse feito o que fez, amando e se relacionando sexualmente com outras pessoas, quebrando o nosso sagrado juramento de fidelidade para a vida toda.
AD – Você procurou saber porque ele fez o que fez?
V1 – Não, na minha mente não tinha justificativa, pois eu jamais faria o que ele fez!
AD – Não seria importante saber dos seus motivos? Será que não existiria algum que fosse compreensível e atenuasse a sua culpa?
V1 – Como pode ter motivos compreensíveis para um homem que trai o seu compromisso conjugal e vai para a cama com outra mulher?
AD – Você tem certeza que não existe nenhum? Não teve curiosidade de checar com ele essa possibilidade?
V1 – Não tive cabeça para fazer perguntas, para alimentar minha curiosidade. Eu estava incendiada pelo ódio, frustração decepção... a pessoa que eu mais amava no mundo, pela qual deixei a minha casa, minha mãe, minha família, para segui-lo, confiando em sua honestidade e amor exclusivo para mim... como poderia ter curiosidade para descobrir motivos, justificativas?
AD – Sei, entendo que esse primeiro momento de descoberta de uma nova realidade foi muito dramático. Mas tantos anos já passaram e essa raiva endureceu o seu coração que não permitiu em nenhum momento você verificar o que se passou na mente do homem que tanto amava. Hoje, depois de dezenas de anos passados, não consegue controlar sua raiva e ouvir o que aconteceu com ele para tão forte transformação? Não seria interessante atender agora esta curiosidade?
V1 – Nada que ele apresente justificará o seu comportamento tão mau e ingrato para comigo. Ele não tinha esse direito!
AD – Você quer passar por este julgamento sem saber o que motivou a mente do seu marido para transformação tão drástica no seu comportamento? Não seria interessante para o Estado, o magistrado, os jurados, as pessoas presentes aqui e além, para seus próprios filhos, essa explicação?
P – Eu não me oponho para que seja dada essa explicação. Não vejo nos textos jurídicos, constitucionais, nenhum artigo que justifique tal comportamento ou atenue a sua pena, pelo contrário, pode aumentar. Portanto, tem meu aceite.
AA – Também tenho essa convicção. Acredito que a explicação de ato tão bizarro dentro da sociedade, vai reforçar o sentimento de justiça que a minha representada veio requerer neste tribunal, e facilitar para que os jurados tenham mais firmeza na punição exemplar. Se a minha representada acatar a sugestão podemos chamar o Réu ao banco das testemunhas para suas explicações, dentro do contexto da verdade.
V1 – Se é para o bem da justiça, do esclarecimento sobre o rigor da pena, eu permito que seja explicada o que se passava na mente do homem que eu amava e que por trás maquinava contra mim.
J – Chamo ao banco das testemunhas o Réu, e encerro a sessão por hoje.