Encontrei na internet a entrevista de Bill Moyers a Joseph Campbell, publicada em 02-11-2019, com 7.145 visualizações, que achei interessante reproduzir partes neste espaço, para refletir junto com meus leitores neste momento em que o Brasil tem na presidência uma pessoa considerada como mito. Será que Joseph Campbell fará alguma associação moderna com o nosso caso Brasil e reflexos no mundo?
BM – Quando Joseph Campbell era criança, seu pai o levou ao museu de História Natural de Nova Iorque e ele ficou fascinado pelos totens e máscaras. Ele se perguntava: “Quem os fez?, o que significavam?” Começou a ler tudo sobre índios, seus mitos e lendas. Aos 10 anos, já começava a busca que o tornou um dos maiores estudiosos de mitologia e um dos professores mais interessantes do nosso tempo. Diziam que ele dava vida aos ossos do folclore e da antropologia. Seu objetivo era compreender o poder das histórias e lendas da raça humana. Principalmente os temas comuns e princípios obscuros que estimularam nossa imaginação através dos tempos. O Deus ciumento de Abraão não é o deus das histórias da Índia que não mostra nem ira, nem piedade. Mas mesmo que as tradições místicas sejam diferentes segundo Campbell, elas coincidem num aspecto. Despertam para uma consciência mais profunda do ato de viver e nos guiam por dificuldades e traumas, do nascimento até a morte. Certa vez, Campbell disse aos alunos da Universidade Sarah Lawrence... “Se vocês realmente querem ajudar este mundo precisam ensinar como viver nele.” Foi isso que ele ensinou. Nos últimos verões da sua vida, em muitas conversas gravadas na biblioteca do estúdio Lucasfilm na Califórnia conversamos sobre como a mitologia ainda pode despertar numa forma de medo, gratidão e até êxtase.
BM – Por que deveríamos nos preocupar com os mitos? O que eles têm a ver com a minha vida?
JC – Minha primeira resposta seria: “vá em frente, viva sua vida, é uma vida boa e você não precisa nada disso.” Não acho que as pessoas devam se interessar por certos assuntos só por serem considerados importantes e interessantes. Acredito que somos envolvidos pelo assunto. Mas você pode achar que com uma boa introdução ao tema esse assunto o envolva. E como eu posso ajuda-lo quando você for envolvido? Essas informações vindas de épocas antigas que têm a ver com os temas que sempre ajudaram a vida do homem, ajudaram a construir civilizações e formar religiões ao longo dos milênios, têm a ver com profundos problemas internos, mistérios internos e umbrais internos de passagens. E se você não conhecer os sinais ao longo do caminho terá que descobrir tudo sozinho. Mas depois que o assunto lhe envolve, há sempre uma sensação de uma ou outra dessas tradições de informação, de uma vivificação profunda e enriquecedora que você não vai querer abandoná-la.
BM – Então, mitos são as histórias da busca feita através dos tempos, do significado, do sentido da vida, do significado da vida, para tocar a eternidade, para compreender o mistério, para descobrir quem somos.
JC – Dizem que todos nós buscamos um sentido para a vida. Não acho que estejamos realmente buscando isso. Acho que buscamos a experiência de nos sentirmos vivos de tal forma que nossas experiências no nível puramente físico tenham ressonâncias internas no mais profundo do nosso ser e da nossa realidade. E assim chegamos a sentir realmente o êxtase de estarmos vivos. No fundo a questão é essa. E é isso que essas pistas nos ajudam a encontrar dentro de nós mesmos.
BM – Os mitos são pistas?
JC – Os mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana.
BM – Aquilo que somos capazes de conhecer dentro de nós?
JC – Sim.
BM – E de experimentar dentro de nós? Gostei da mudança da definição de mito, de busca do significado para experiência do significado.
JC – A experiência da vida. A mente tem a ver com o significado. Qual é o significado de uma flor dentro de nós? Há uma história zen sobre um sermão de Buda, de uma vez em que o seu grupo estava todo reunido e ele simplesmente mostrou uma flor. Houve apenas um homem, Kashyapa, que lhe fez um sinal com o olhar mostrando que compreendia o que aquilo significava. Qual o significado do universo? Qual o significado de uma pulga? Eles simplesmente existem. Estão aqui. É isso. E o significado de você mesmo é que você está aqui. Mas estamos tão absorvidos em fazer coisas, em atingir objetivos de valor externo, que esquecemos que o valor interno, o êxtase, associados ao simples fato de estar vivo é que importam. Queremos pensar em Deus. Ora, Deus é um pensamento, é um nome, é uma ideia, mas que se refere a algo que transcende qualquer pensamento. O mistério supremo do ser está além de toda categoria de pensamento. Meu amigo Heinrich Zimmer costumava dizer “As melhores coisas não podem ser ditas. Porque elas transcendem o pensamento. As segundas melhores coisas são mal compreendidas, pois são pensamentos que se referem ao que não pode ser pensado. E ficamos presos com os pensamentos. As terceiras melhores coisas são as que nós falamos.” Entende? E o mito está nesse nível de referência onde metáforas se referem às coisas absolutamente transcendentais.
BM – O que não pode ser conhecido.
JC – O que não pode ser conhecido.
Interessante essa perspectiva mental que o importante é sentir que estamos no mundo, que vivemos nossa realidade, qualquer que seja ela. Parece ser o sentido primordial, ficando todos os demais como reflexos dele, como o luar é o reflexo da luz que recebe do sol. A minha sensação de estar no mundo deve ser mais importante que a ida a um movimento social que visa um objetivo comum, como este acontecido ontem no 7 de setembro. Parece um conceito estático e que se os maus intencionados se movem no sentido de nos explorar, ficar inerte na condição de ficar na contemplação de estar vivo como o mais importante, parece carregar uma incoerência. Sentir que estou vivo e dar um grande significado a isso é importante, mas sem esquecer dos deveres éticos que um ser vivo no mundo natural deve cumprir para que sua existência não fique maculada pela covardia, preguiça ou ingratidão.