Encontrei na internet a entrevista de Bill Moyers a Joseph Campbell, publicada em 02-11-2019, com 7.145 visualizações, que achei interessante reproduzir partes neste espaço, para refletir junto com meus leitores neste momento em que o Brasil tem na presidência uma pessoa considerada como mito. Será que Joseph Campbell fará alguma associação moderna com o nosso caso Brasil e reflexos no mundo?
BM – Como Zorba disse: “Problema? A vida é problema. Só a morte não é problema.”
JC – As pessoas me perguntam: “Você é otimista a respeito do mundo com tudo que ele tem de terrível?” e eu respondo... “Sim, é fantástico. Exatamente do jeito que ele é.”
BM – Mas isso não leva a uma atitude passiva diante do mal, diante do erro?
JC – Você participa disso. O que quer que você faça é um mal para alguém.
BM – Explique isso para o público. Você disse que...
JC – Quando eu estive na Índia, conheci um homem chamado Sri Krishnamenon. Seu nome místico era Atmananda e vivia em Trivandrum. Fui a Trivandrum e tive o privilégio de me sentar cara a cara com ele, assim como estou sentado aqui com você. E a primeira coisa que ele me disse foi: “Você tem uma pergunta?” Porque o mestre lá sempre responde perguntas, ele não diz nada. Apenas responde. E eu disse: “Tenho. Uma vez que para o pensamento indiano todo o universo é divino, é uma manifestação da própria divindade, como podemos dizer não a qualquer coisa deste mundo? Como podemos dizer não à brutalidade, à estupidez, à vulgaridade, à irresponsabilidade?” E ele respondeu: “Você e eu devemos dizer sim. Eu soube, através de amigos que eram seus discípulos que esta foi a primeira pergunta que ele fez para seu guru. E durante uma hora, nós tivemos uma conversa maravilhosa sobre a afirmação do mundo. E isso me confirmou um sentimento que eu tenho “quem somos nós para julgar?” E me parece que esse é um dos grandes ensinamentos de Jesus.
BM – Percebo o que quer dizer num aspecto que certas doutrinas cristãs, o mundo deve ser desprezado, a vida só será redimida no além, nossa recompensa só vem do céu. E se você afirma aquilo que deplora, como você diz, estará afirmando o mundo, que é a nossa eternidade do momento.
JC – É isso mesmo. A eternidade não é um tempo futuro. A eternidade não é uma extensão longa de tempo. A eternidade não tem nada a ver com o tempo. A eternidade é a dimensão do aqui e agora que é eliminada se pensamos no tempo. Se você não conseguir isso aqui, não conseguirá em nenhum lugar. E a experiência da eternidade aqui e agora é a função da vida. Há uma forma maravilhosa que os budistas têm para o “Bodhisattva”. O “Bodhisattva” é aquele cujo ser, ou “satva” é iluminação, “Bodhi”. Aquele que percebe sua identidade com a eternidade e ao mesmo tempo, sua participação no tempo. E não é correto se afastar do mundo quando se percebe como é terrível. Mas perceber que esse horror é simplesmente a antessala de uma maravilha. E assim, voltar e participar dele. “A vida é sofrimento”, é o primeiro dito budista e é isso mesmo. A vida não seria vida se não tivesse a temporalidade que é sofrimento, perda, perda, perda.
BM – É uma observação pessimista.
JC -Você tem que dizer sim para a vida e dizer que é ótimo que as coisas sejam assim. Foi assim que Deus quis.
BM – Acredita mesmo nisso?
JC – É assim que as coisas são. Não creio que alguém tenha desejado, mas é assim que elas são. Há aquela linda frase de James Joyce... “A História é um pesadelo do qual estou tentando acordar.” E a maneira de acordar é não ter medo e reconhecer como eu fiz na minha conversa com aquele guru indiano, aquele professor de que falei, que tudo isso, assim como é, é como tem que ser. É uma manifestação da presença eterna no mundo. O final das coisas é sempre doloroso. A dor faz parte do simples fato de que o mundo existe.
BM – Mas se aceitamos isso, será que a conclusão final não é “Nesse caso, não vou tentar mudar nenhuma lei, lutar nenhuma batalha.”
JC – Eu não disse isso.
BM – Não será a conclusão lógica? As pessoas não seriam levadas ao niilismo?
JC – Essa não será necessariamente a conclusão a tirar. Você pode dizer: “Vou participar dessa luta, vou entrar no exército, vou à guerra”.
Costumo pensar que a eternidade é um tempo distante que consigo alcançar racionalmente, mas que jamais alcançarei pessoalmente ou espiritualmente. É uma criação de Deus onde somente Ele pode participar do início ao fim, conforme foi a estrutura dessa criação que a minha inteligência ou incipiente sabedoria não consegue alcançar. Mas agora Campbell abre uma nova perspectiva para a compreensão dessa eternidade, que ela tem sua existência no aqui e agora. Ele diz que a eternidade não é um tempo futuro, não é uma extensão longa de tempo, que não tem nada a ver com o tempo. Era isso justamente que fazia parte dos meus paradigmas. Mas Campbell raciocina que a experiência da eternidade é no aqui e agora, que é uma função da vida atual, que devemos perceber a identidade com a eternidade e a participação no tempo. É difícil absorver essa prática. Experimentar a eternidade total num pedacinho dela. Sempre me vem na cabeça que uns momentos atrás do outro virão para construir o amanhã a cada momento. Talvez tenha sido essa a iluminação alcançada pelo Buda. Não cheguei ainda nesse nível.