Encontrei na internet a entrevista de Bill Moyers a Joseph Campbell, publicada em 02-11-2019, com 7.145 visualizações, que achei interessante reproduzir partes neste espaço, para refletir junto com meus leitores neste momento em que o Brasil tem na presidência uma pessoa considerada como mito. Será que Joseph Campbell fará alguma associação moderna com o nosso caso Brasil e reflexos no mundo?
JC – É isso mesmo. A eternidade não é um tempo futuro. A eternidade não é uma extensão longa de tempo. A eternidade não tem nada a ver com o tempo. A eternidade é a dimensão do aqui e agora que é eliminada se pensamos no tempo. Se você não conseguir isso aqui, não conseguirá em nenhum lugar. E a experiência da eternidade aqui e agora é a função da vida. Há uma forma maravilhosa que os budistas têm para o “Bodhisattva”. O “Bodhisattva” é aquele cujo ser, ou “satva” é iluminação, “Bodhi”. Aquele que percebe sua identidade com a eternidade e ao mesmo tempo, sua participação no tempo. E não é correto se afastar do mundo quando se percebe como é terrível. Mas perceber que esse horror é simplesmente a antessala de uma maravilha. E assim, voltar e participar dele. “A vida é sofrimento”, é o primeiro dito budista e é isso mesmo. A vida não seria vida se não tivesse a temporalidade que é sofrimento, perda, perda, perda.
BM – Farei o melhor aqui...
JC – Vou participar do jogo. É uma ópera maravilhosa. Só que dói. Há uma frase irlandesa maravilhosa que diz: “Isso aí é uma briga particular ou qualquer um pode entrar?” É assim que é a vida. E o herói é aquele que participa dela decentemente. Seguindo o caminho da natureza, não do rancor pessoal, da vingança ou algo parecido. Há uma história interessante sobre um samurai, um guerreiro japonês que tinha o dever de vingar a morte do seu senhor. E de fato, depois de certo tempo, ele encontrou e acuou o assassino. Quando já estava prestes a liquidá-lo com sua espada, o homem acossado, enlouquecido pelo terror, cuspiu na sua cara. E o samurai embainhou a espada e foi embora. Por que ele fez isso? Porque isso o deixou enfurecido. E se ele matasse o homem naquele momento teria sido um ato pessoal. De outra natureza, não o que ele se propôs a fazer.
Essa descoberta que Campbell faz da vida como uma arena de sofrimentos pode parecer uma incoerência com a procura da felicidade como um objetivo de vida, portanto, uma vida sem sofrimentos. Buda vivia cercado de felicidade dentro do palácio do pai, que fazia tudo para ele não ver o sofrimento que havia fora. Mas o tempo leva todos nós em sua viagem de transformações. Por mais que estejamos nos sentindo bem em determinado local, com determinada pessoa, o tempo tudo transforma e o que parecia bom e belo, fica distorcido, contrário ao que esperávamos.
Parece que a felicidade consiste em saber navegar por esse mar de sofrimentos, sabendo onde levar o nosso barco orgânico, que experimenta dores desde o momento que recebe uma palmada na maternidade para respirar o sopro da vida misturado com o grito de dor.
Eu, como capitão do meu destino, estou com o leme do meu barco direcionado para onde o Pai determina, construir a maquete da família universal, a partir da família nuclear, passando pela família ampliada. Tenho comigo as lições que o Mestre Jesus deixou, a bússola comportamental que nos ensina a não sair do caminho do amor. Lembro que ele falou, quando disseram que a mãe e os irmãos lhe procuravam, que a sua mãe e seus irmãos eram aqueles que faziam a vontade do Pai. Isso não quer dizer que ele não amava os parentes sanguíneos, mas que sua vida não estava focada para viver dentro das quatro paredes da família nuclear formada pelos seus pais biológicos, onde ele se incluía.
Na condição de professor, o Mestre deu um salto, pois saiu da família nuclear formada pelos seus pais, mas não formou sua própria família nuclear. Sua missão de ensinar o amor incondicional como forma de construção da família universal e consequentemente do Reino de Deus, não permitia que ele desviasse dessa missão mais universal, capaz de atingir pessoas em qualquer lugar, em qualquer tempo, como me atingiu, 200 séculos depois num país que para aquela gente onde ele estava inserido, nem existia.
Agora, pessoas como eu, que recebem tal missão de construir a família universal a partir da família nuclear, vamos nos deparar com sofrimentos que não atingiram o Cristo. Eu sinto tal sofrimento, de ter criado minha família nuclear e ter ido construir a família ampliada, com novas companheiras, com novos filhos. Mas todos eles que o Pai me apresentou, sintonizados com o modelo da família nuclear, exigem uma presença minha que a família ampliada que estou construindo não permite, e muito menos a família universal que é onde quero chegar.
Vejo assim um desfile de sofrimentos por expectativas perdidas, por frustrações, por minha ausência... Mas o Pai já me preparou logo cedo para essa travessia por esse mar de sofrimentos, no mar revolto das lágrimas dos filhos, que esperam uma presença que eu não posso dar... pois foi por isso que o Pai me deixou nascer através de um pai biológico do qual não lembro da sua face, dos seus carinhos, conselhos, nem dos recursos materiais que poderia ter me ajudado... talvez tenha sido essa a Sua intenção, de fortalecer o meu coração para seguir em frente e fazer a Sua vontade, mesmo que minhas lágrimas de sofrimento por minha missão não compreendida, se junte a tantas lágrimas dos filhos, por que eu fui a causa de trazê-los para este mundo de sofrimentos...