Sióstio de Lapa
Pensamentos e Sentimentos
Meu Diário
16/09/2021 05h49
O JULGAMENTO (S3) – ESCRAVO OU FIEL

            Como orientação ao meu leitor que chega agora, oriento que procure ver o início desta série de textos indicados com o “S” de sessão para não perder a lógica do raciocínio, e se achar conveniente fazer críticas ou comentários.

            J – Inicio a terceira sessão deste julgamento e chamo ao banco das testemunhas o Réu, que jurará dizer exclusivamente a verdade, perante o Estado e em nome de Deus.

            R – Prometo dizer a Verdade, em nome de Deus.

            AD – Você diz que tem motivos para justificar o seu comportamento que hoje vem a julgamento com alegação criminosa. Pode justificar isso? Como começou?  Já que a principal vítima, a número 1, lhe considerava uma pessoa honesta, fiel, acima de qualquer suspeita... como isso se transformou na sua mente?

            R – É verdade. Eu sofri uma forte transformação, mas acredito que tenha sido para melhor, apesar de tantas acusações, de tanta falta de compreensão. Talvez aqui, neste ambiente onde a verdade é exigida como principal mentora de tudo que acontece, eu tenha melhor êxito em minhas explicações. Desde criança eu tinha uma forte tendência para a justiça, para o amor, para a verdade. Acredito que tenha sofrido até influência planetária do meu signo de Libra. Na adolescência, com a chegada dos hormônios, passei a despertar para a sexualidade e, associado aos valores cristãos que eu defendia como corretos, pretendia casar com a mulher que meu coração escolhesse, formasse uma família tradicional, tivéssemos filhos e vivêssemos felizes para sempre, conforme o juramento que fazemos na frente do padre. Foi assim que aconteceu com V1. Nos conhecemos e nos apaixonamos, mutuamente. Apesar das dificuldades de toda espécie, superamos tudo e vivíamos dias felizes, com os filhos que já estavam conosco. Foi quando começou o assédio moral e sexual sobre a minha mente. Uma colega de trabalho, desejando namorar comigo, mesmo ela sendo casada e eu também, fazia convites para mim nesse sentido. Eu recusava, lembrando a ela do nosso compromisso. Ela alegava que não tinha escrúpulos em namorar comigo, pois o marido dela namorava frequentemente com outras pessoas. Mas isso era com ela, imaginava eu. Comigo era diferente. Minha esposa não namorava ninguém e eu cumpria um juramento de também não namorar ninguém. Mas, cada vez que encontrava com minha amiga no trabalho, recebia novos convites para namorar. Foi por isso que justifiquei esse comportamento como assédio moral e sexual, pois ia de encontro a moralidade que eu defendia e ao desejo sexual que eu também sentia. Não posso negar este detalhe, pois mesmo eu rejeitando os seus convites para namorar, eu sentia desejos de também namorar com ela, pelos atributos físicos que ela demonstrava e pelos arroubos emocionais que ela proporcionava. Ela se sentia livre para namorar comigo, mas eu não. Eu me sentia preso a um compromisso assumido com minha esposa. Achava curioso que o meu desejo fosse tão forte por essa minha amiga e quase nulo por minha esposa, por quem um dia já estive apaixonado e não via ninguém além dela no campo afetivo, romântico, sexual. Agora, com esta nova amiga, tudo parecia ter se invertido, eu não tinha nenhuma paixão por ela, mas o desejo de namorar, de fazer sexo com a minha amiga estava presente e muito forte. Nesses embates obsessivos, onde a fonte de atender ao meu desejo estava ali à minha frente, à minha disposição, bastava apenas que eu dissesse o sim, tinha a barreira do meu compromisso com a minha esposa. O meu paradigma de vida era forte: ser honesto com minha esposa, mantendo a fidelidade do amor exclusivo, amor de profundidade erótica, sexual, que eu não poderia fazer com mais ninguém a não ser com a minha esposa. Eu recebia conselhos masculinos de quem via a situação, que eu devia aproveitar a ocasião, que a minha esposa jamais iria saber. Mas isso não estava previsto por meu paradigma de vida. Chegou um ponto que eu via a minha esposa como carcereira, que eu não podia atender os meus desejos pois ela segurava a ponta da corrente que me prendia aos compromissos. Essa batalha ficava cada vez mais ferrenha dentro da minha mente. O desejo por minha amiga e seus convites constantes de um lado e de outro a minha esposa segurando as correntes do compromisso de amor exclusivo. Comecei a sentir uma reação automática de rejeição por minha esposa. Como eu poderia amar uma pessoa que me prendia, que não me deixava atender os meus desejos, ter os prazeres que o corpo queria? Claro, essa luta era minha, interna, ninguém mais sabia. Mas tinha consequências, e eu sabia, e não podia evitar. A rejeição por minha esposa eu podia disfarçar no comportamento, mas não podia evitar de sentir. Era a imagem da carcereira quando ela inocentemente se apresentava à minha frente, e nós trocávamos afetos, eu disfarçando um sentimento que antes existia naturalmente e ela sem perceber o dilema que eu estava vivendo. A qualidade do nosso relacionamento estava se deteriorando perceptivelmente em minha consciência. Foi quando procurei aprofundar a prática espiritual que existia em mim de forma mais leve. Prestei mais atenção aos ensinamentos de Jesus quanto o amor incondicional, como forma de lei para a construção do Reino de Deus. Foi aí que começou a mudança rígida dos meus paradigmas. O amor incondicional que o Cristo ensinou estava acima de qualquer outra lei, de qualquer outro compromisso, de qualquer dogma ou tabu. O Cristo ensinava ainda que, a principal lei era amar a Deus acima de qualquer coisa e amar ao próximo como a nós mesmos. Ensinou um tipo de bússola comportamental para que não nos perdêssemos na floresta dos relacionamentos: “fazer ao próximo aquilo que desejamos ser feito conosco” ou seu inverso, “não fazer ao próximo aquilo que não desejamos ser feito conosco”. Aceitando a força desses ensinamentos como verdade e que precisavam ser praticados, comecei a coloca-los no dilema consciencial que estava vivendo com minha amiga e minha esposa, sem nenhuma das duas saberem. Eu tinha que usar a bússola comportamental.

            J – Devido o excesso de tempo, vou suspender esta sessão e permitir que prossiga com a explicação da bússola comportamental que o Réu recebeu dos ensinamentos do Cristo na próxima.

Publicado por Sióstio de Lapa
em 16/09/2021 às 05h49