Como orientação ao meu leitor que chega agora, oriento que procure ver o início desta série de textos indicados com o “S” de sessão para não perder a lógica do raciocínio, e se achar conveniente fazer críticas ou comentários.
J – Abrimos a quarta sessão, chamando o Réu para o banco das testemunhas e continuar com suas explicações.
AD – Senhor Réu, você dizia que sofria um assédio moral e sexual por parte de sua amiga no trabalho, que não cedia aos seus convites por causa do compromisso conjugal que havia aceito frente à Igreja, que isso causou na sua mente uma espécie de prisão e que estava deteriorando sua relação familiar. Disse que estudou as lições do Cristo e que iria aplicar a bússola comportamental que ele ensinou. Pode prosseguir?
R – Sim. Aplicando essa bússola em minha amiga, eu via que ela tinha motivos que justificavam ela namorar comigo de forma clandestina, pois o marido fazia isso inúmeras vezes. Por aplicação da justiça, companheira da verdade, ela teria esse direito. Eu, atendendo os desejos dela, estaria fazendo com ela o que gostaria que fizessem comigo, e trazendo justiça ao comportamento errado do seu marido.
AA – Então, você justifica o atendimento dos seus desejos como meio de justiça para uma relação de terceiros?
R – Nós não podemos ser instrumentos da justiça, da vontade de Deus? Deus permitirá que o comportamento errado do marido da minha amiga, siga sem nenhuma consequência, que atenue o sofrimento que ele causa nela? Eu não poderia ser esse instrumento, atuando por essas vias? Estará errada a aplicação da minha bússola comportamental com relação a ele e a ela? Ou eu ficaria com a bússola comportamental na mão, somente observando os fatos acontecerem? O Cristo nos ensinou a bússola para usar ou para enfeitar?
AA – Sim, mas para você usar a bússola com sua amiga e levar a justiça e atender seus desejos, tinha que considerar o outro lado da balança onde a sua esposa está colocada como a primeira vítima. Não considerou isso?
R – Sim, eu teria que aplicar a bússola com minha esposa. Minha primeira vítima, como está colocado aqui neste tribunal. Talvez aqui seja onde tenha sido articulado a forma e arma do crime, usando a bússola de Jesus e o amor incondicional que Ele ensinou. Num primeiro olhar, me colocando no lugar da minha esposa, claro que eu não queria que o meu esposo me traísse com outra mulher. A bússola me impediria. Mas eu estava com a visão do futuro à minha frente. Eu sentia que a deterioração que eu percebia consciencialmente da nossa relação iria destruir o nosso casamento, ou pelo menos a minha qualidade de vida, e que isso iria, inevitavelmente, ter consequências para ela. Era preciso eu adquirir a harmonia na consciência para prosseguir a vida com ela e feliz. Então, eu apliquei a bússola, não na perspectiva imediata do prazer, mas futura e na visão dela, de manter o relacionamento comigo até o fim da vida. Eu, pensando como ela, raciocinava assim: “eu quero que meu marido torne o nosso casamento deteriorado em sua consciência e que possivelmente nossa relação conjugal venha fracassar, impossível de continuar? Claro que não! Que poderia eu fazer para evitar isso? Deixa-lo livre para seguir seus desejos em qualquer direção, desde que não se sentisse preso a mim por compromissos que não podia mais manter. Se quisesse namorar com outras pessoas, se sentisse que isso era conveniente do ponto de vista moral e espiritual, que fosse em frente. Se eu não conseguisse suportar tal comportamento, eu diria a ele da impossibilidade de permanecermos com a relação conjugal e nos separaríamos como marido e mulher, mas continuaríamos como amigos. Sei que ele quer namorar com essa amiga do ponto de vista sensual, de atendimento dos desejos sexuais e que não implica no desejo de separação comigo. Sei que ele agindo assim, ele deixa de se sentir como um prisioneiro e eu a sua carcereira. Volta a harmonia do nosso relacionamento. A bússola pode ser aplicada.”
Assim, depois dessas elucubrações, vi que era conveniente a aplicação da bússola, de poder namorar com minha amiga, para não perder a minha identidade em função de regras ou desejos de outras pessoas. O amar ao próximo como a si mesmo que o Cristo ensinou, tem como o próximo mais próximo a nós mesmos. Como podemos amar ao próximo que está distante se não amamos ao próximo que somos nós mesmos? Desde que este amor a mim mesmo não prejudique ao outro?
AA – Mas você não estava vendo que aplicando essa bússola ao seu favor não iria trazer prejuízos para sua esposa, que iria vitima-la?
R – Sim, ela iria ter prejuízos imediatos, mas a longo prazo seria um benefício, como coloquei anteriormente. Se eu não fizesse assim, iria me prejudicar, matar o meu amor próprio, a minha individualidade. Se esses raciocínios me levaram a tais conclusões, eu já não era a pessoa com quem ela casou. Teria que haver algum reajuste comportamental para garantir a nossa convivência com harmonia, o pré-requisito da felicidade. Caso ela não conseguisse conviver com esse novo homem que surgiu, a melhor forma de manter a harmonia do nosso relacionamento era acabar o compromisso do casamento e nos mantermos como amigos, como existem tantas amizades entre pessoas que pensam e se comportam diferentemente.
AA – Você está dizendo que tomou a resolução de viver com harmonia consigo mesmo procurando seguir os novos caminhos que suas resoluções cognitivas chegaram, com base nos ensinamentos cristãos, principalmente. Quem não se sentisse a vontade com esse novo homem que surgiu, devia se afastar, procurar uma separação da convivência. Com você não existiria mais o compromisso de fidelidade conjugal, o amor exclusivo agora não era prioridade, é assim?
R – Sim, por isso quando ela me perguntou se eu teria coragem de traí-la com outra mulher, eu disse que sim, pois ainda estava considerando o ato de namorar com minha amiga uma traição, não havia contado a ela ainda. Ela devia saber a verdade e tomar a decisão de ficar comigo ou não, mesmo eu não querendo perder a sua convivência e a proximidade com os filhos.
AA – Você confessa que a prejudicou, tendo relações sexuais com outra pessoa, sem ela saber, mentindo...
R – Sem ela saber, sim, mentindo não, pois na primeira vez que ela me perguntou, sem ter qualquer ideia do que estava acontecendo, eu contei tudo para ela.
AA – E isso não trouxe prejuízos para ela e para os filhos? Sofrimento?
R – De imediato sim, como já falei, mas a longo prazo foi uma atitude positiva. Evitaria que ela estivesse vivendo até hoje com um marido frustrado por não ter tido condições de ser o que a consciência apontava, de não dar o exemplo aos filhos de lutar por sua integridade consciencial, mesmo que isso o deixe distante de pessoas que aprendeu a amar.
AD – No seu modo de perceber, qual poderia ter sido o comportamento de sua esposa se você tivesse no lugar dela?
J – Vamos interromper neste momento e deixar a resposta para a próxima sessão.