Como orientação ao meu leitor que chega agora, oriento que procure ver o início desta série de textos indicados com o “S” de sessão para não perder a lógica do raciocínio, e se achar conveniente fazer críticas ou comentários.
J – O senhor Réu, queira voltar ao banco das testemunhas e continuar seu relato. Entendemos que até aqui o senhor colocou como funcionava a sua mente, considerando os desejos sexuais que sua amiga despertava, seus compromissos conjugais com a Igreja e com o Estado/sociedade, e com as leis de Deus explicadas pelo cristianismo. Até este momento não houve nenhum relato de crime, mas parece que existe uma preparação para isso, nesses cerca de três anos de amadurecimento de uma ideia. Volto a enfatizar que o senhor está sob a sombra do Estado e de Deus e que a Verdade deve ser revelada com prioridade, sob pena de perjúrio caso de desvio dela.
R – Sim, Meritíssimo Juiz, desde que entendi que o Cristo é a Verdade, o Caminho e a Vida, como ele declarou, passei a respeitar e praticar a Verdade com muito mais afinco que antes, quando minhas tendências inatas já apontavam para este comportamento, de ser verdadeiro em tudo que eu fizesse. Uma prova disso é que estou aqui, neste tribunal, na condição de réu, sabendo que assim aconteceu por eu ter usado a Verdade e não a mentira. Não teria este momento nenhuma motivação forte o suficiente para que eu desviasse do caminho da verdade, pois este é o caminho ensinado pelo Cristo. Irei falar sobre o meu comportamento que todos podem anotar como o primeiro pecado, observando as leis morais do Estado, dos costumes, da cultura. Mas, que eu considero a primeira obrigação com Deus, de seguir a sua lei do amor, incondicional, obedecendo a bússola comportamental do Cristo. Foi isto que eu observei antes de dar esse primeiro passo: eu iria transgredir a lei humana, mas iria obedecer a lei divina. Não havia muro para eu ficar em cima. Se ficasse parado onde eu estava, sabia que não estava obedecendo a lei de Deus. Se eu fosse sair para namorar com minha amiga fazendo uma relação extraconjugal, estaria cometendo o crime do adultério, mas com a justificativa que estava totalmente dentro da lei de Deus, pois até a resistência do Behemoth de não dar o mesmo direito a minha esposa, eu havia vencido, para não corromper a balança do Cristo, que passou a ser usada frequentemente por mim. Mas devo explicar com detalhes, à luz da verdade, como foi esse primeiro passo. Aceitei o convite da minha amiga para namorarmos. Não seria um namoro convencional, onde duas pessoas se encontram para trocar afetos de forma clara, no meio de toda a sociedade. Sabíamos que estávamos cometendo um delito cultural, que devíamos ser discretos, não deixar ninguém perceber a nossa condição de namorados e com uma finalidade já definida de intercurso sexual. Ela tinha a satisfação de atender os seus desejos eróticos, fato que o seu marido não mais fazia, interessado que estava em fazer tudo isso de forma mais prazerosa, com outras pessoas que ofereciam a novidade da relação. Este fator de novidade, importante para o Behemoth que habita o homem, pois tem interesse em espalhar filhos por onde passasse, uma forma de manter a sua existência além do tempo permitido para uma só vida. Senti que ela estava satisfeita, estava saindo com uma pessoa que ela desejava e que iria lhe respeitar em todas as circunstâncias. Eu, por outro lado, estava bem consolidado nos ensinamentos cristãos que haviam dado os motivos para o ato que estava realizando. O que me trazia incômodo era o fato de minha esposa não saber, pois ela não me perguntara e eu omitira o que estava pensando e agora realizando. Foi um momento especial para mim e minha amiga. O sexo se desenvolveu dentro da normalidade trazendo todo o prazer que esperávamos. Não havia outro compromisso entre nós, a não ser ficarmos juntos e repetir essa experiência, enquanto fosse conveniente. Sabíamos que éramos casados e que não queríamos acabar com a relação com nossos cônjuges em função do que estávamos vivendo. Eu gostava dela, e ela de mim. Não havia paixão entre nós. Mas sabíamos que existia amor, eu mais do que ela. Ela dava mais enfoque ao prazer sexual que sentia. Eu dava mais enfoque a sensação do amor que o prazer sexual consolidava. Tivemos vários encontros dentro dessas perspectivas. Nos afastamos devido mudanças no nosso trabalho que fazíamos juntos, e não sentimos necessidade de procurar vencer novos obstáculos para mantar a nossa relação. Entendemos que essa experiência que tivemos foi muito válida, que não deixou nenhum tipo de ressentimento entre nós. Pelo contrário, o que ficou foi um sentimento de gratidão, de parceria, de companheirismo momentâneo de um com o outro. Senti que depois disso, a minha relação conjugal com minha esposa melhorou muito. Eu não a considerava como minha carcereira, pois podia ter outras experiências sexuais fora do casamento, quando assim as circunstâncias se oferecessem e não houvesse impedimento do amor incondicional para que eu usasse a balança comportamental nesse sentido. Acredito que com a minha amiga tenha acontecido da mesma forma. Seu casamento ficou mais equilibrado, pois o mesmo direito que o seu marido tinha de atender o Behemoth dele, ela também havia conquistado. Só que havia ainda um elemento de distonia. Era a verdade que não era conhecida por nossos cônjuges. Vivíamos na clandestinidade para eles. Para a minha amiga não havia disposição de confessar isso para o marido, e eu entendia suas razões, a brutalidade dele, a violência, o machismo. No meu caso, não. Eu pretendia confessar à minha esposa, mas como sabia que isso iria fazê-la sofrer, eu adiava. Mas, a minha consciência estava tranquila. Eu sabia que estava cumprindo a lei de Deus em um nível difícil, pois me colocava contrário a lei humana, de ser um adúltero. E eu entendia que a lei eterna de Deus tinha prioridade frente a lei humana, efêmera.
AA – Observem, senhores jurados, a confissão do primeiro crime cometido pelo réu, na sagrada instituição do casamento, violando as leis de Deus e do Estado, sendo um adúltero e promovendo o mesmo em outras pessoas. Violou a confiança que seus cônjuges tinham neles e prejudicou o desenvolvimento familiar, moral e ético dos seus filhos. Anotem que essas ideias extravagantes do réu permaneceram e se ampliaram no seu psiquismo, trazendo vários prejuízos sociais e sofrimentos individuais no meio social.
AD – Queiram anotar, senhores jurados, que nenhum mal foi praticado a nenhuma pessoa até este momento. Os dois se relacionaram com harmonia e prazer. O conjunto da vida familiar de ambos foi beneficiado pela melhor sintonia psíquica dos dois amantes no seio de suas respectivas famílias. Se tivéssemos que julgar agora, somente com essas informações, tudo foi positivo, e acredito que a primeira vítima não iria contestar e sim afirmar, se tivesse capacidade de avaliar o fluxo comportamental nesse período pré e pós o envolvimento extraconjugal dos dois amantes.
AA – Mesmo não tendo acontecido de ninguém se declarar vítima do que estava acontecendo, um ilícito acontecia. E todo ilícito traz prejuízo para alguém, mesmo que esse alguém não saiba ainda que está sendo vítima. Os dois criminosos passaram a viver dentro do ilícito, com perfeita compreensão do que estavam fazendo. Só essa situação, de se viver uma mentira, já é um crime frente às leis humanas e principalmente as leis divinas.
AD – Acredito que os jurados tenham tido a compreensão e justificativa do porquê essas leis humanas foram violadas pelos dois amantes, que atendiam a justiça e a prática do amor incondicional. Mas é verdade, o meu representado estava vivendo uma mentira, o que para ele é incoerente frente a lei de Deus que ele diz tanto respeitar. Vou solicitar que ele explique essa incoerência...
J – Pelo avançado do tempo, terminarei aqui esta sessão e continuaremos na próxima.