Encontrei na internet a entrevista de Bill Moyers a Joseph Campbell, publicada em 02-11-2019, com 7.145 visualizações, que achei interessante reproduzir partes neste espaço, para refletir junto com meus leitores neste momento em que o Brasil tem na presidência uma pessoa considerada como mito. Será que Joseph Campbell fará alguma associação moderna com o nosso caso Brasil e reflexos no mundo?
BM – Já vimos o que acontece nas sociedades primitivas perturbadas pela civilização do homem branco. Elas se despedaçam, se desintegram, sucumbem ao vício e a doença. Não será isso que tem acontecido conosco desde que nossos mitos começaram a desaparecer?
JC – Sem dúvida, é isso mesmo.
BM – Será por isso que as pessoas que seguem uma religião mais conservadora, querem um retorno à religião dos velhos tempos?
JC – É verdade.
BM – Eu entendo esse desejo. Na minha juventude eu tinha estrelas fixas. Elas me consolavam em sua permanência e me davam um horizonte conhecido. Elas me diziam que havia um Pai amoroso, bondoso e justo lá em cima, olhando para mim aqui em baixo, pronto para me receber. Sempre pensando nas minhas preocupações. Agora a ciência e a medicina fizeram uma faxina geral na fé. E eu pergunto o que acontece às crianças que não têm essa estrela fixa, esse horizonte conhecido, esses mitos para apoiá-las.
JC – Basta ler o jornal, é uma confusão. Mas o que o mito tem que nos dar nesse nível imediato da instrução sobre a vida no aspecto pedagógico, são modelos de vida. Os modelos têm que ser adequados às possibilidades da nossa época. E a nossa época vem mudando e continua a mudar tão depressa que aquilo que era adequado há 50 anos, não é mais, atualmente. Assim, as virtudes do passado são os vícios de hoje. E muitas coisas que considerávamos como vícios do passado são necessidades de hoje. E a ordem moral tem que se adequar às necessidades morais da vida real, da nossa época aqui e agora. Mas não está fazendo isso. É por isso que é ridículo voltar à religião dos velhos tempos. Um amigo compôs uma canção baseada na religião antiga. “Quero a religião antiga, vamos voltar a ela. Vamos adorar a Zaratustra, como costumávamos adorar. Eu sou fã de Zaratustra, ele serve bem para mim. Vamos adorar Afrodite, ela é bela, mas volúvel. Não usa camisola, mas ela serve bem para mim.” Quando voltamos a religião antiga, fazemos algo assim. Ela pertence a outra época, a outro povo, a outro conjunto de valores humanos, a outro universo. Assim, naquele período antigo do Velho Testamento, ninguém fazia ideia de nada. O mundo era um bolo de três camadas e se resumia a uma área de algumas centenas de quilômetros em torno do Oriente Médio. Ninguém tinha ouvido falar dos astecas, nem mesmo dos chineses. E esses povos nem foram levados em consideração como parte do problema. O mundo se transforma e assim a religião tem que ser transformada também.
BM – Mas me parece que é bem isso que estamos fazendo.
JC – É isso que devemos fazer. Mas a minha ideia do verdadeiro horror dos dias de hoje é o que se vê em Beirute. Lá estão as três grandes religiões ocidentais, judaísmo, cristianismo e islamismo, que por terem nomes diferentes para o mesmo Deus bíblico, não conseguem entrar num acordo. Estão enredadas nas suas metáforas e não percebem qual é a referência.
BM – Então cada uma precisa de um novo mito.
JC – Cada uma precisa do seu próprio mito do início ao fim. “Ame seu inimigo”, lembra? “Abre-se, não julgue.”
BM – Com tudo o que sabe sobre os seres humanos, acha que há um ponto de sabedoria além dos conflitos de verdade e ilusão pelo qual nossas vidas possam ser reconstruídas?
JC – Claro. Isso está nas religiões.
BM – Para desenvolvermos novos modelos?
JC – Todas as religiões são verdadeiras para sua época. Se você consegue descobrir o que é a verdade e separá-la da inclinação temporal. Basta colocar a antiga religião num novo conjunto de metáforas e pronto, você conseguiu.
Campbell entra numa discussão que é o cerne da atual crise na Igreja Católica, que está sofrendo os efeitos da modernidade e muita gente católica, ligada ao tradicionalismo, rebatem de forma contundente tal comportamento dos líderes eclesiásticos, inclusive o Papa Francisco.
Confesso que sou simpático ao tradicionalismo da Igreja Católica, que ela deve permanecer, enquanto instituição, fiel aos ensinamentos do Cristo, conforme ele administrou há dois mil anos e que consegue ser atual até hoje. Sei que há limites bem claros para se considerar um fiel católico, por isso saí da Igreja e não tenho mais condições de retornar, pois vejo que muitas atividades que desenvolvo hoje e que posso vir a executar estão fora dos dogmas eclesiásticos. Por exemplo, a aceitação do mundo dos espíritos, que eles conseguem se comunicar conosco através dos médiuns, que podemos aprender com o que eles ensinam e contribuir também com esse aprendizado e com o processo de cura, tanto física quanto psíquica.
Sinto também a necessidade de fundar uma igreja, complementar à Igreja Católica, para fazer através dela tarefas que não posso fazer dentro do tradicionalismo ou do protestantismo.