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Meu Diário
15/11/2023 00h01
HUMANISMO E PAGANISMO

            Vejamos o que diz o autor João Ameal (1902-1982) no volume 1 da sua coleção “História da Europa”, que se encaixa bem no que o Santo Papa Pio X quer relacionar com sua Carta Encíclica publicada em 08-09-1907.



            De fato, na Arte como na Filosofia, como no Drama, como em todas as expressões do seu poder criador e do seu gênio especulativo – os valores mais representativos da cultura helênica não podem deixar de ressentir-se daquele tenaz e limitado antropocentrismo (ou deveremos chamar-lhe antes antropoteísmo, já que os seus deuses são, afinal, embora sublimados ou cercados de fábulas e prodígios, excessivamente humanos?) – que o sofista (Aristóteles definia a sofistica como a sabedoria aparente, mas não real) Protágoras condensa numa legenda bem reveladora, ao declarar “o homem medida de todas as coisas”.



            A Grécia é, acima de tudo, cultura apaixonada do humano demasiado humano, para não dizermos do humano exclusivamente humano. Ao serviço do homem, graças a uma variedade e espontaneidade de dons que hoje ainda provocam legítimo assombro, constrói uma civilização luminosa, fecunda em sugestões e caminhos, aberta a todas as correntes do espírito e a todos os requintes da forma – uma civilização de que a nossa não pode deixar de se reconhecer herdeira em grande parte.



            No entanto, trata-se de uma civilização antropocêntrica – e o seu objetivo máximo é exaltar um humanismo integral.



            Humanismo enobrecido pelos apelos à virtude, ao autodomínio, ao primado da inteligência, de um Sócrates, de um Platão, de um Aristóteles e, na fase derradeira, pelo esforço dos estóicos (pessoa que é indiferente ao prazer e à alegria, assim como a tristeza e a dor) no sentido de um convite à vitória sobre os instintos, apetites e paixões.



            Em todo caso, humanismo pagão – e, como tal, sujeito a limites que não pode, nem poderia ultrapassar. Humanismo pagão, supersticioso, preso a mil preconceitos e a mil temores, caracterizado pelo amor absorvente da vida terrena, dos prazeres imediatos, das belezas perecíveis.



            Sobre a extrema liberdade do homem querem os gregos levantar todo o edifício. A falência dos seus modelos políticos tem aí origem evidente – através de instituições democráticas que sempre se traduzem em paradoxos, erros, agitações estéreis, inconsequências suicidas e por isso sofrem a condenação severa da maioria dos grandes pensadores. Não censura Sócrates com veemência que se tirem à sorte magistrados quando se não escolhe por tal processo um marceneiro ou um tocador de flauta? Não avisa Platão, na República, que o exagero da liberdade conduzirá à servidão geral? E é certo: a liberdade helênica mata-se por suas próprias mãos – acaba por atrair, e consolidar, o jugo estranho. Como sintetiza lucidamente o americano Will Durant: “A irresponsabilidade de uma assembleia que, desprovida de freios, vota um dia sob o acicate de paixões momentâneas e lamenta-o, também com paixão, no dia seguinte, mas em vez de se castigar a si mesma castiga aqueles a quem deu ouvidos; o poder legislativo acessível apenas aos membros da ekklesia; o estímulo concedido aos demagogos enquanto os homens qualificados sofrem ostracismo ruinoso para a cidade; a atribuição dos cargos pelo acaso do sorteio com mudança anual dos funcionários e o correspondente caos governativo; a desordem das facções a perturbar a cada passo a direção e a administração do Estado – eis os vícios capitais de que Atenas pagou o preço até o último óbolo, sucessivamente Esparta, a Felipe, a Alexandre, a Roma...”. E o que se diz de Atenas aplica-se a qualquer outra das pequenas cidades-Estados da Grécia. “Não há uma só” – frisa o professor francês Maurício Croiset – “que possa ser proposta como exemplo a um Estado moderno.



            Evidentemente, a Grécia antiga – a Grécia admirável dos filósofos, dos sábios, dos oradores, dos artistas – cai vítima do seu individualismo substancial, da sua orgia de liberdade, do culto abusivo e desmedido do homem isento de cadeias e disciplinas, do homem ilusoriamente considerado “medida de todas as coisas”...



            Nem por isso se negará o alto papel desempenhado pela civilização grega na marcha da História Universal. Nem por isso se contestará a legitimidade com que Gonzague de Reynold assinala que: “o sentimento pan-helênico (no período da resistência vitoriosa aos invasores persas, no período de Maratona, de Salamina, de Plateias, de Micale) foi a primeira forma do sentimento europeu – de uma Europa conscientemente oposta a uma Ásia”. E é por isso que, com o eminente professor de Friburgo, também apesar de tudo, nos parece legítimo ver, sobretudo na Grécia do século V aC, por muitas razões fundamentais – a Proto-Europa.



            Este Humanismo Pagão que observamos ter surgido na Grécia é o que o Modernismo tenta resgatar. Até mesmo na nomenclatura do movimento ideológico existe a incoerência com a verdade. Pois é isso que tenta colocar a Teologia da Libertação, o braço ideológico do Modernismo, do socialismo, do comunismo, inserido dentro da Santa Igreja Católica. Transfiguram as palavras do Evangelho para parecer que o Cristo era também um revolucionário e que fazia a opção pela humanidade. Eles dirigem a atenção em especial para os pobres que são mais suscetíveis a servirem como buchas de canhão para os interesses inconfessáveis dos revolucionários. Os mesmos erros que a Grécia cometeu e que a levou à destruição, à subserviência de outras forças com menor potencial artístico e de oratória, é cometido por nossa civilização, especialmente a brasileira. E aqui os nossos erros são mais grosseiros, pois lá eram escolhidos os magistrados através de sorteio e aqui quem escolhe é a pessoa que projeta ser beneficiado com tal escolha. Dai observamos como a nossa Suprema Corte escolhida por esse método, termina assumindo atitudes ditatoriais para beneficiar quem os indicou. Onde está a sabedoria dos gregos e a sua democracia tão elogiada? Certamente esse tipo de ideologia para conduzir uma civilização não deu certo no passado, não está dando certo no presente e não teremos futuro saudável se o modelo persistir como está acontecendo. O legislativo que democraticamente está mais perto do povo, não consegue fazer leis em benefício da nação, da cidade, do Estado... as leis são feitas para proteger os corruptos, soltar criminosos e manter o povo escravizado para pagar suas mordomias através de impostos abusivos, justamente como fazia os carrascos dos gregos, Esparta, Macedônia, Roma...


Publicado por Sióstio de Lapa
em 15/11/2023 às 00h01