Encontrei o texto abaixo na internet, assinado Janduhi Medeiros, que achei interessante reproduzir aqui para lembrar um pouco da nossa cultura associada a espiritualidade, a ideologia cristã. Vejamos...
Madrinha de fogueira
O São João não é festa mundana, evento de moda e de lucro material, com estranhos negando nossos valores, é comunhão, é uma luz entre irmãos que surgiu do fruto e da lenha do nosso chão, com muita luta e devoção, e faz parte da cultura histórica e espiritual do sertão. A festa é de uma raiz distante, que germinou em nossa terra. A origem é a grande festa dos hebreus, a festa da colheita; e essa tradição chegou ao sertão, trazida pelos colonos ibéricos de origem hebraica.
No sertão, a festa da colheita ganhou contornos de alpendres, terreiros, prosas, poesias e alívio para refugiados. Uma terra árida, é verdade, mas que oferecia esperança e segurança. E, no sertão, a festa da colheita foi se reinventando, mas preservando os valores históricos, religiosos, familiares e os ritos singelos para se comunicar com o sagrado. A história, nas suas páginas milenares, ressalta que a tradicional fogueira de São João surgiu com a morte de João Batista, pois antes a fogueira era acesa para celebrar a colheita. Ou seja, na primeira festa da colheita, após a morte de João Batista, os semitas acenderam a fogueira naquela noite para homenagear o grande filho de Isabel e Zacarias.
Para os hebreus, a comemoração atendia um chamado de Deus para celebrar a bondade do fruto e da terra, da partilha e da conquista de liberdade dos trabalhadores. Era um momento de muita alegria, em que as famílias se reuniam para cantar, dançar e degustar bons alimentos, plantados e colhidos no seu chão. Era o momento dos jovens se conhecerem, com anuência dos pais, início de namoro, aprovação de casamentos, escolhas de padrinhos e afilhados. Devido a essa tradição, o cristianismo adotou a fogueira no período junino para simbolizar o anúncio do nascimento de João Batista, por ser um dos principais santos da Igreja Católica, mas preservaram a simbologia do fogo, como força de união e de afeto através de um batismo, em que pessoas sem parentescos sanguíneos se tornam afilhados e padrinhos.
O São João é celebrado no dia 24, mas a grande festa é à noite, dia 23. Cresci vendo e sentindo o São João como a maior festa popular do Nordeste, desde a colheita do milho, o preparo de boas comidas e a organização da grande fogueira. Colhi muita lenha para fazer a fogueira no terreiro da minha casa; vi muitas pessoas serem convidados para ser padrinhos, madrinhas de fogueira, preservando o mais importante elemento da festa, que tem forte relação com o batismo, uma tradição que dissemina carinho entre pessoas, levado a sério pelas pessoas que respeitam o significado da festa. A pessoa escolhida se compromete com o afilhado, tornando-se importante na criação, na orientação, na educação e no desenvolvimento humano. Minha mãe foi madrinha de fogueira de várias crianças e, também, escolheu uma madrinha para mim. Na noite do meu batismo, fui orientado a não pular a fogueira, pois era muito pequeno, mas apenas girar em torno dela, repetindo uma oração, três vezes, com a futura madrinha:
– São João disse.
E eu respondi:
– São João disse.
A madrinha:
– São Pedro confirmou.
Eu repetia a mesma frase:
– São Pedro confirmou.
A madrinha dizia:
– Pra você ser meu afilhado.
Eu repondi:
– Pra você ser minha madrinha.
E, finalmente, a madrinha respondeu:
– Que São João mandou.
Pronto, eu estava batizado!
A festa da colheita faz parte da história da humanidade, da religião, do pensamento crítico e, quando estudada e praticada como necessidade de interação humana, produz consciência e nos afugenta das ilusões de consumo desnecessário.
Deixei de acreditar em Papai Noel quando recebi o primeiro presente da minha madrinha de fogueira.
Nestes tempos de apostasia, onde a Santa Igreja Católica passa por sérias dificuldades, seria interessante a retomada dessa prática, tão harmoniosa entre amigos e vizinhos. Sem falar que reacende em nossa consciência a importancia do sacrifício que o Cristo fez para nos trazer a paternidade do Pai divino.