Para alguém que tenha experiência de Deus, tem de crear em si mesmo um ambiente propício, tem de realizar no seu interior uma espécie de atmosfera ou clima em que a a delicada plantinha desse encontro com o Infinito possa brotar e medrar.
Esse ambiente favorável consiste essencialmente em dois fatores básicos: fé e vida.
Fé – Deve o homem, antes de tudo, sintonizar com a realidade de um mundo invisível, embora ainda não tenha dele experiência direta. Essa fé é uma espécie de permanente atitude de humildade, sinceridade, receptividade, um senso de vacuidade ou nulidade do próprio ego físico-mental, unido a ansiosa expectativa e certeza de uma plenitude que lhe possa e deva advir de fora. Esse “de fora” é uma locução provisória, porque, de fato, a plenitude divina não vem de fora do homem; vem do mais profundo abismo dentro dele, vem do íntimo centro próprio do homem, não desse homem periférico, físico-mental, que ele conhece habitualmente, mas vem das incógnitas profundas do seu Eu espiritual, divino, que lhe é tão desconhecido e tão “longínquo” como a presença da energia nuclear dentro dum átomo não desintegrado. Para o principiante não há mal em que ele pense que a revelação de Deus e o Reino de Deus lhe venham de fora, das alturas do céu, embora esse “céu” esteja dentro dele e essas “alturas” sejam as mais profundas profundezas do seu próprio ser. Mais dia menos dia, na sua jornada ascencional, esse homem saberá – não já com surpresa, mas com espontânea naturalidade – que esse “fora” é o seu “grande Além-de-dentro”, a quintessência da sua própria alma, o seu Cristo interno, “reino de Deus dentro dele”, reino esse que ele tem de realizar conscientemente em sua vida, clamando sem cessar “venha o teu reino”. Como poderia vir o que não estivesse nele?
Vida – Fé vivida! A fé nunca passará a ser experiência direta de Deus se ficar no terreno meramente intelectual ou teórico; é indispensável que ela se encarne na vida total do homem, ou, no dizer de Santo Agostinho, que se torne “fé que atue pelo amor”. Quando o homem sintoniza toda a sua vida individual e social pelo conteúdo da sua fé, quando vive o que crê, como se já possuísse experiência direta de Deus, então essa fé concretizada em amor universal desabrochará em experiência imediata do mundo divino, porque encontrou ambiente e clima propício ao seu desenvolvimento.
O crente torna-se, então, um ciente, um sapiente, um vidente.
Já não crê simplesmente – sabe!
Enquanto o homem não tem essa experiência direta da Realidade divina, a sua moral é difícil e sacrificial, é um permanente “carregar a cruz”. Sintonizar a sua vida moral com uma norma apenas crida, mas não vivida como real – isto é imensamente difícil e doloroso, pelo menos em muitos casos, como no preceito de amar os inimigos e fazer bem aos que nos fazem mal.
Importante este ensinamento, pois nossa tendência é esperar que esse Reino de Deus venha das alturas celestinas. O máximo que consegui integrar à minha narrativa é que tudo inicia da transformação do meu coração, do egoísmo exagerado para o altruísmo incondicional. Mas vejo muita coerência em procurar no meu interior, na mais profunda profundeza, o Reino de Deus pelo qual eu aspiro e sintonizar toda minha vida individual e social pelo conteúdo desta fé.