João Calvino, teólogo francês (1509-1564), escreveu o seguinte: “O coração humano possui tantos interstícios nos quais a vaidade se esconde, tantos orifícios nos quais a falsidade se espreita, e está tão ornado de hipocrisia enganosa que ele com frequência trapaceia a si mesmo”.
Esta é uma confrontação lógica que podemos fazer a nós mesmos: tudo que fazemos e pensamos que está correto, não será um autoengano? Esta é uma dúvida que trago comigo e que, por fidelidade ao que acredito ser a vontade de Deus, destrói todos os meus relacionamentos românticos.
Acredito que, para fazer a vontade de Deus, o Criador de tudo que existe, inclusive a mim e, portanto, sendo meu Pai e Pai de tudo e de todos, Ele deseja que nos amemos como irmãos, como se estivéssemos amando a nós mesmos, com o amor incondicional que é a Sua essência, soprada em nós no ato da criação. Assim, eu devo amar sem preconceitos, sem barreiras de quaisquer espécies.
Dessa forma, um compromisso cultural aqui no Ocidente, como o casamento, que implica na fidelidade conjugal, que os cônjuges não podem amar a nenhuma outra pessoa fora desse relacionamento, não pode ser aceito por minhas convicções formadas a partir da compreensão da vontade divina que formulo em meus pensamentos. Porém, verifico que há duas motivações básicas para que eu me comporte dessa forma livre de amar, sem respeitar barreiras que impeçam o alcance da meta da relação afetiva íntima que traz o prazer orgástico da relação sexual. Será que o meu cérebro, influenciado pelos instintos, o Behemoth bíblico, não foi ele que determinou tal conceituação da vontade de divina, para que eu atue pensando que o alcance do prazer orgástico seja uma vontade de Deus elaborada a partir dos escritos bíblicos?
Esta é a grande crítica que recebo por todos que estão no meu entorno, principalmente as minhas companheiras que resolvem assumir a intimidade do relacionamento comigo, mesmo não aceitando a minha forma de pensar. Podem aceitar a convivência e a tolerância dos meus atos que são explícitos desde o início, mas sempre esperam uma fidelidade que sempre digo que nunca será alcançada por minha firme determinação de seguir a vontade do Pai.
É aqui que está a grande dúvida: sigo a vontade do Pai ou a vontade do Behemoth, dos meus próprios instintos que se apoderaram do meu raciocínio, já que o cérebro é quem comporta os neurônios, o elemento material que constrói a arena mental onde se desenvolve o raciocínio? Sei que o que emerge à minha consciência é apenas uma pequena porcentagem, a parte visível do iceberg mental, o restante ficando com o subconsciente e a maior parte com o inconsciente.
Conhecendo essa estrutura fisiológica que dá origem ao psicológico, reconheço que na minha consciência eu detenho uma pequenina parte da minha capacidade mental. O que está no subconsciente e principalmente no inconsciente, pode estar afetando a minha capacidade de racionalização e direcionar o meu comportamento.
Assim, o pensamento de Calvino pode ser um forte acusador dos interesses do Behemoth que se aloja na intimidade do coração. Esse meu comportamento não seria dessa forma um autoengano? Sim, considero essa possibilidade, mas mesmo assim não encontro os argumentos lógicos que me façam mudar de opinião. Os fortes argumentos da família nuclear que é a base do relacionamento conjugal e construtora da sociedade, são derrubados pelos argumentos que vejo na construção da família universal, que está mais conforme a vontade do Pai.
Mesmo assim, permanece essa “espada de Dâmocles” do autoengano sobre a minha cabeça: será que estou mesmo fazendo a vontade do Pai? Mas não posso abandonar essa suposição enquanto não encontrar argumentos lógicos, racionais, que apontem o contrário, pois acredito que esta é a Verdade, o Caminho ensinado pelo Cristo.