Santo Afonso de Ligório escreveu em seu livro “Instrução aos Católicos – Sobre os Mandamentos, os Sacramentos e a Veracidade da Fé”, um trecho sobre a verdade da Fé que vale a pena reproduzir para a nossa reflexão.
Quero desfazer uma dúvida que talvez poderia ocorrer a alguém que dissesse: diz-se que a verdade de nossa Fé é evidente, mas como há de ser evidente se tantos mistérios da Fé, como os da Santíssima Trindade, da Encarnação do Verbo, da Eucaristia etc., são para nós obscuros e incompreensíveis? A isso respondo: as coisas ou as matérias de Fé são obscuras, mas não a verdade da Fé. A verdade da Fé, isto é, que nossa Fé seja verdadeira, é bastante claro pelos sinais evidentes com que se nos manifesta. Os mistérios da Fé são para nós obscuros, e Deus assim os dispôs para que sejam obscuros, porque deste modo quer ser por nós honrado: crendo sem compreender em tudo o que Ele disse, e para que assim também mereçamos, crendo no que não vemos. Que mérito teria o homem em crer naquilo que vê e compreende? A Fé perde mérito, diz São Gregório, quando a razão humana apresenta a experiência. Mas, se nós não conseguimos compreender nem mesmo os objetos materiais desta terra – quem consegue entender por que o ímã atrai o ferro? Como um grão de trigo posto debaixo da terra produz outros tantos? Quem consegue entender os efeitos da lua, os efeitos do raio? -, então, qual é a surpresa em não conseguirmos compreender os mistérios divinos?
As matérias da Fé nos sãos ocultas, mas a verdade da Fé tem provas tão evidentes que é preciso ser um insensato para não a abraçar. Essas provas são em grande número e resultam especialmente das profecias escritas nas Sagradas Escrituras tantos séculos antes de suceder, pontualmente cumpridas em um momento posterior. A morte de nosso Redentor foi prevista antes por vários profetas: Davi, Daniel, Ageu e Malaquias; e foram profetizadas ao mesmo tempo a época e as circunstâncias daquela morte. Foi predito também que os judeus, como castigo pela morte dada a Jesus, deveriam perder seu templo e sua pátria, permanecer obcecados em seu delito e andar dispersos por toda a terra; e tudo isso se verificou, como sabemos. Foi também predita a conversão do mundo depois da morte do Messias, e esta conversão se verificou por meio dos santos Apóstolos. Estes, sem letras, sem nobreza, sem dinheiro, sem proteção, aliás, com a oposição dos mais poderosos da Terra, converteram o mundo, persuadindo aos homens que abandonassem seus deuses e seus vícios inveterado para abraçar uma Fé que ensina a crer em santos mistérios incompreensíveis, e tantos preceitos difíceis de seguir por serem opostos a nossa inclinação ao mal, como são o amar aos inimigos, abster-se de ter os deleites sensuais, sofrer os desprezos e pôr todo o afeto de nosso coração não nos bens visíveis, mas naqueles que não podemos ver, da vida futura.
Importante essa distinção que o Santo faz com relação à Fe, sobre o mistério e a verdade. O mistério está presente em diversos fatos da natureza, que com a evolução do conhecimento passam a ter tal mistério compreendido. Da mesma forma pode acontecer com o mistério da Fé, quando boa parte da verdade for adquirida, então muitos aspectos da Fé podem também serem compreendidos. Porem, é a verdade da Fé que pode estar equivocada. O Santo tem segurança da sua verdade de Fé, pelos indícios que ele observa, mas não será possível outra interpretação? Talvez o mistério da Fé sendo esclarecido no processo evolutivo, traga a certeza de que estávamos certos ou errado na nossa compreensão da verdade. Mesmo assim, correndo o risco de estarmos equivocados na nossa certeza da verdade da Fé, é assim que devemos assumir a nossa postura cognitiva, considerar como verdade de Fé a narrativa que melhor atender a coerência da nossa racionalização, e sempre atento para considera a possibilidade que novos fatos surgindo, incoerentes com minha narrativa, eu ter a força moral para corrigi-la.