Lembro com nostalgia os sonhos que foram gerados em minha mente na adolescência. Dentre eles o que mais surgia com força suficiente para me deixar refletindo nos frequentes momentos de solidão, era uma garota que estudava comigo, dentre todas a mais bela. Logo fiquei apaixonado, mas minha baixa estima associada a introspecção e inibição/fobia social, criaram uma barreira intransponível, a ponto de me manter à distancia, e se ela bem observasse imaginaria que eu apresentava algum tipo de ojeriza por ela. Jamais ela poderia imaginar que eu estava apaixonado por ela e que temia que uma simples troca de olhar denunciaria sem palavras o que meu coração sentia.
Esta paixão platônica me acompanhou durante os anos de ensino médio, todos repletos de sonhos românticos onde minha alma livre dos preconceitos e/ou transtornos que me aprisionavam, criava cenas e situações onde todo o amor que eu tinha represado no peito explodia na mente como fogos de artifício, belos e fugazes.
Mas, Cupido às vezes é teimoso e quer tentar o milagre de fazer falar um coração que se tornara um mudo seletivo, que não encontra palavras para se declarar a quem é fonte do seu amor. Pois essa menina, agora uma mulher tanto mais bela quanto antes, foi fazer o mesmo curso médico que eu. Talvez a minha percepção de tão forte bloqueio mental na minha alma, tenha me induzido a me especializar em Psiquiatria. Porém não havia mais espaço para a realização dos desejos de Cupido, pois tanto eu quanto ela estávamos casados.
A vida seguia o curso da evolução, tanto eu como ela, e com as pessoas que Deus colocava em nossos caminhos para testar a boa seiva dos nossos comportamentos. Aqueles sonhos da adolescência nunca se dissipavam e a minha memória criava uma realidade virtual e individual da qual somente eu tinha acesso. No curso médico e depois durante o exercício de nossas profissões, eu já conseguia falar com ela, como colega. Já não temia que meu olhar denunciasse o meu sentimento, até fazia torcida para que isso acontecesse, já que meu coração continuava mudo.
Ontem, o mudo chorou... Nossa turma de medicina se reuniu em um almoço que há tanto tempo não fazíamos e senti a ausência dela e perguntei a amiga próxima. Foi dito que ela estava vítima do Mal de Alzheimer, que não reconhecia as pessoas íntimas, não conseguia fazer suas necessidades sozinha. Ainda bem que o coração não chora para fora, senão o meu pranto teria estragado a reunião festiva do almoço. Tentei descobrir, de forma sutil, qual era o seu endereço.
Este agora é o meu sonho atual. Chegar no seu apartamento onde ela está na companhia de cuidadoras e dizer quem sou. Dessa fez o coração mudo não tem importância, as palavras não tem mais como serem codificadas. Dessa vez é o meu olhar que tentará falar com sua alma, que tentará dizer o quanto amor eu sinto por ela e pedirei perdão, a ela e a mim, por nunca ter confessado. Sei que nesse momento as lágrimas não poderão ser contidas, como acontece neste momento de digitação.
As palavras agora não têm significado. Nossas almas se comunicam apenas com o olhar. Eu repassarei para ela todos os anos de amor platônico, e perceberei uma risada juvenil, como a dizer “que bobo, eu gostava de você, mas pensava que você tinha raiva de mim por alguma coisa que eu não sabia o que era”. Eu pegaria na sua mão pela primeira fez, como jamais tivera coragem de fazer, e diria que nosso tempo de gerenciar os nossos corpos estava acabando, que não tivemos oportunidade de gerenciar um possível amor carnal entre nós, mas tivemos outras oportunidades com tantas pessoas que passaram por nossas vidas.
Formaríamos um contrato entre nós, que no próximo encontro que tivermos, no mundo espiritual, que levarei comigo e ela consigo, todos os amores que cultivamos ao longo de nossa vida material que o bom Deus nos concedeu.
Faremos uma grande festa no Céu!