Hoje tenho uma compreensão mais clara do roteiro da minha vida, coisa que não possuía no passado, mesmo porque muitas informações e justificativas eu fui encontrando pelo caminho percorrido para chegar onde estou.
Hoje eu sei que sou uma das criaturas de Deus, dotado de inteligência para usar o meu livre arbítrio da forma mais lógica e coerente possível. Essa compreensão de ser filho de Deus com a obrigação racional de ser obediente à Sua vontade, mesmo que eu não O alcance de forma objetiva, pelos meus cinco sentidos, mas pela força da racionalidade e da imaginação, é o que me dá a compreensão da Sua existência de forma suficiente para montar meus paradigmas de vida.
Na condição de filho de Deus devo obediência à Sua paternidade, e na condição de primogênito, tenho uma responsabilidade maior com relação à Sua vontade, conforme está previsto na Bíblia. Tenho a compreensão da responsabilidade de construir uma relação entre a Natureza e meus próximos dentro dos princípios do Amor Incondicional. Aceito Jesus como meu Mestre, enviado pelo Pai, e devo aplicar os seus ensinamentos na vida prática, principalmente na relação íntima com minhas companheiras. Sei que dessa responsabilidade eu não posso me esquivar para satisfazer a quem quer que seja, pois se fizer assim eu estarei desobedecendo ao Criador.
A minha missão implica no relacionamento íntimo com o sexo oposto para a formação de uma família de forma amplificada, capaz de se conectar com outras e fazer o tecido social do Reino de Deus. Os instintos que possuímos e que também nos foi dado por Deus para garantir a nossa sobrevivência, principalmente nos primeiros dias de vida, não devem se tornar obstáculos para o alcance desse objetivo.
Primeiro, para que eu conseguisse montar este paradigma de vida, foi necessária que fosse subjugada dentro de mim a força dos instintos masculinos e construísse padrões comportamentais associados à justiça. Assim feito, era necessário que eu me relacionasse com uma mulher que sintonizasse com esse mesmo pensamento, que conseguisse também domesticar seus instintos femininos e evitar preconceitos incompatíveis. Caso não houvesse essa aceitação de forma honesta, que não quisesse no futuro mudar o que havia aceito como definitivo, os instintos que nos aproximassem não deveriam ser obedecidos na intimidade sexual, a não ser que o objetivo fosse apenas obter o prazer momentâneo do orgasmo. Mesmo assim, o ato sexual implica na magia da comunhão dos corpos, a carne se torna uma só. Quando as circunstâncias e motivações aceitam esse ato, fica estabelecido de forma firme a penetração do amor nessas vidas. Mesmo que devido a visões diferentes de existência que cada um possa ter, por paradigmas incompatíveis de companheirismos que cada um imagina, ambos tenham que viver separados.
Assim é o roteiro da minha vida. Firmemente apoiada na vontade de Deus e tentando vencer os obstáculos internos, como a preguiça e a gula, que impedem uma ação eficácia da minha parte. Com os relacionamentos femininos contaminados pelo amor romântico que impede a boa visualização do Amor Incondicional, e alimentam o sofrimento, principalmente para elas na convivência dentro dessa relação.
Agora desenvolvo ações comunitárias de forma mais objetiva e cada vez mais me deparo com as deficiências do próximo, no sentido de esquecer o objetivo maior, de que estamos a serviço do Pai tentando construir com nossas mãos inábeis a perfeição do Reino de Deus.
O arrependimento é o certificado na consciência de que erramos em alguma decisão de nossas vidas. Como não há como voltar ao passado e corrigir o erro que concluímos que cometemos, uma alternativa para evitar o sofrimento constante é não concluir pelo erro feito no passado e aceitar e adaptar suas consequências às nossas vidas atuais. Sei de pessoas da minha mais alta estima e afetividade que hoje vivem com vazios em suas vidas devido a decisões precipitadas (segundo o meu parecer). Agiram por impulso obedecendo aos seus instintos e que foram atiçados por pareceres preconceituosos próprios e de terceiros. Imagino que se tivessem vencido esses instintos e preconceitos, suas vidas seriam mais cheias de vida.
Mas posso estar fazendo crítica da mesma estratégia que eu também uso. Pois na condição de vítima dessas decisões impulsivas eu tenho uma vida diferente daquela que sonhava, e até temia que um dia chegasse a se realizar. De viver sozinho sem uma companheira ao meu lado. Mas por ser fiel ao que eu sou, ao que imagino ser minha missão, eu enfrentei medos e reações e hoje digo que vivo sem arrependimento aonde estou. Os sonhos estão sempre subordinados à realidade, assim como o formato das nuvens depende dos ventos que as conduzem.
A medida que o tempo amadurece os conhecimentos que adquiro, percebo com mais clareza os pontos onde deveria ter agido com mais firmeza e clareza para não entrar em caminhos tortuosos nem induzir ninguém a fazê-los. Mas não me sinto culpado, pois usei de toda a honestidade que me era possível naquela ocasião para que situações fossem construídas dentro da verdade. O que hoje percebo como falhas, naquela época isso não me vinha à cabeça como ação equivocada e, portanto, não posso assumir a culpa por algo que eu não imaginava nem planejava. Devo ter o mesmo tratamento que tem as pessoas portadoras de deficiência frente à justiça, que não tem a responsabilidade cognitiva pelos seus atos. Não posso assumir a culpa pelo sofrimento que fiz alguém padecer nessas circunstâncias e também não posso me culpar pelo sofrimento ou vazio que me incomoda. Por isso não tenho arrependimento, nem por mim nem por ninguém.
Hoje a situação é diferente. Tenho melhor compreensão da vida e do meu papel dentro dela. Mesmo que para alguns essa foram de pensar e agir seja loucura, para mim é o roteiro que tenho de seguir. Tenho mais firmeza em deixar pessoas mais próximas ou mais distantes de mim, de acordo com as forças que observo irem dentro delas e dentro de mim. Procuro ao máximo ser fiel à justiça e à coerência das minhas ideias com a vontade de Deus. A família ampliada e harmônica que está no propósito da minha vida ainda está longe de ser alcançada, não por minha parte, pois já tenho uma boa compreensão de como ela funcionará e sei que trará muito mais felicidade para todos, muito mais do que o perfil nuclear das famílias atuais, cheias de egoísmo de ambos os lados, feminino e masculino.
Cecília Meireles fala (A Arte de Ser Feliz) das pequenas felicidades certas que podemos ver diante de nossas janelas, mas as ignoramos pensando apenas em grandes acontecimentos e que só os outros são felizes. A autora fala de uma sensação que a maioria das pessoas possuem, mas que ela, felizmente, está livre disso.
Ao receber um texto de quem acredito ter sido o maior amor da minha vida, que se refere à poetisa e faz reflexões sobre a felicidade, também me vi instigado à ir pelo mesmo caminho.
Neste rotineiro fim de tarde de uma quinta feira, onde acabo de chegar ao meu apartamento onde moro só, sento na cama encostado no travesseiro para ler e teclar, antes do horário de mais uma reunião que tenho programada toda semana na comunidade, onde desenvolvo um trabalho de Comunitarismo Cristão, mais uma atividade que classifico como vontade de Deus para eu cumprir.
Da mesma forma que ela também não posso reclamar da minha qualidade de vida, da minha felicidade, apesar de sentir que algo me falta. O mais irônico de tudo isso, tanto para mim quanto para ela é que talvez o que nos completasse fosse a convivência de um com o outro. Tentei fazer malabarismos para viabilizar essa convivência até o fim de nossas vidas, mas não foi suficiente para atender as necessidades do que ela esperava. A solução foi a separação, infelizmente de forma raivosa, hostil, o que eu jamais imaginava pudesse acontecer.
Agora, volto à sabedoria de Cecília e vejo que a minha procura e respeito pelas pequenas felicidades certas podem ter sido o estopim de nossa separação. Eu procuro estar sempre harmonizado no ambiente que estou e com a pessoa que estou. Isso me traz felicidade, mas quando entra em ação o amor romântico da outra pessoa e que traz consigo a exigência de exclusividade, as opções de relacionamentos afetivos se tornam muito limitados, até mesmo inexistentes. Essa castração comportamental só poderia existir dentro de mim nos momentos de paixão. Como a paixão não é eterna como o Amor, então eu fico desconfortável quando me sinto preso e não posso me relacionar com as pessoas que constituem minhas pequenas felicidades. Sei que não posso nutrir a paixão por tempo indeterminado, uma forte felicidade mantida ao longo do tempo por nenhuma delas, por mais que o meu coração aceite-a como a preferida.
Este é o meu jeito de ser e que não posso mentir a ninguém para conseguir a simpatia ou companhia. Prefiro morar só como estou, a causar desarmonia no meu lar com a cobrança por uma pessoa daquilo que não posso dar a ninguém.
Esta forma solitária de ser não me causa tristeza, pois sei que estou sendo o que sou, e não vivo uma imagem falsa de como alguém gostaria que eu fosse. Consigo viver bem com as pequenas felicidades ao meu redor, entendendo as dificuldades emocionais de quem se aproxima de mim e informando com bastante clareza o que penso, o que sinto e como ajo.
Sinto falta sim, da companheira que sintonize com o meu pensamento e consiga superar os instintos femininos que nenhuma até hoje conseguiu. Sei que não é impossível, pois eu superei os meus instintos masculinos para colocar com justiça a forma de relacionamento que eu defendo.
Além de todas essas argumentações ainda existe a compreensão que tenho de que tudo que faço dessa forma tão diferente do que é cultuado na sociedade, é porque Deus colocou na minha cabeça essa ideia para iniciar o projeto de construção do Reino dos Céus, ensinada por Jesus e tão pouco praticada.
Eu ia dirigindo para o trabalho quando meu carro emparelhou com um camburão da polícia. Vi que dentro dele, na carroceria ia um jovem adolescente sentado, com o rosto machucado, que parecia estar amarrado, pois eu não conseguia ver suas mãos. Mas vi o seu olhar desolado, melancólico a contemplar o mundo rápido que passava ao seu lado e se perdia na distancia, já que ele viajava de costas para a frente do carro. A inexpressividade do seu rosto era muito expressiva! Era como se dissesse, “que estou fazendo neste mundo? Nada disso me pertence, eu não tenho nada, não tenho ninguém, não sou de ninguém.”
De tantos carros que passavam ao seu lado, o meu carro era mais um, perdido na indiferença da sua vida. Eu sabia, ele também, que seu destino era a delegacia, uma cadeia... constrangimentos? Acho que não. O que para mim seria constrangimento, para aquele rosto massacrado pela vida talvez não passasse de mais um estímulo que não alcançava mais o seu emocional.
Foi nesse momento que surgiu na minha mente o compromisso que tenho com Deus de construir uma família ampliada com base no amor incondicional. A minha visão do mundo deve ser diferente da visão comum. Aquele jovem que era conduzido daquela forma, talvez tenha feito por merecer tal castigo. Mas onde estão os pais dele que talvez tenham errado na forma de educar? Talvez nem eles mesmos tenham sido educados para serem cidadãos, quanto mais pais? Portanto, a minha visão adquiriu a coerência dos meus ideais, da minha missão, do meu compromisso com Deus. Passei a vê-lo com os olhos de um pai. Era meu filho que seguia naquele camburão. Esse pensamento fez despertar no meu emocional energias da sensibilidade que fez marejar os meus olhos. Pensei que o meu papel era seguir aquele camburão até a delegacia e procurar saber o que aconteceu, tanto da visão da polícia como do meu filho. Era isso que eu teria feito se qualquer um dos meus filhos biológicos estivesse naquela condição. Mas para aquele jovem, o meu pensamento estava ainda muito distante da ação. O único efeito que fez foi derramar algumas gotas de lágrimas, mostravam que eu não estava indiferente emocionalmente aquela situação.
Depois eu fiquei a refletir sobre a situação. Tudo foi mais um teste de Deus para sondar o meu coração. Ele viu que eu ainda estou muito distante da teoria de Seu Reino de paz e amor para a prática que eu posso realizar aqui na Terra para cumprir a sua vontade. Era a vontade dEle que eu tivesse feito como pensei, tivesse seguido aquele camburão e me inteirasse da situação. Poderia chegar atrasado ao trabalho, ou mesmo faltar, eu conseguiria justificar. Poderia saber a situação daquele jovem e procurar fazer a harmonia entre sua família biológica e as leis da comunidade. Poderia contribuir para compensar os prejuízos que ele causou e assim atenuar sua pena. O Pai esperava que eu, como pai, não deixasse um filho caminhar na indiferença para um destino obscuro.
Falhei com o Pai e Ele percebeu o quanto ainda sou frágil para realizar a Sua vontade. O que me salva de ser considerado como um hipócrita é porque Ele percebe que o meu coração está realmente sintonizado com a mensagem que meus lábios defende, mesmo que eu ainda não tenha forças ou coragem de colocá-las em prática.
No momento do acontecimento eu não tinha essa consciência de que estava sendo minuciosamente examinado pelo olhar atento do Pai. Jamais pensei que aquela lágrima que deixei cair naquela ocasião foi o livramento da minha alma frente ao julgamento divino do Pai.
Jesus falava que Ele, o filho do homem, não tinha onde colocar a cabeça, que não tinha um lar estabelecido. Vivia de aldeia em aldeia, de comunidade em comunidade, pregando a vinda do Reino de Deus através da prática do Amor Incondicional. Mais de dois mil anos se passaram e esse Reino que Ele dizia está próximo ainda não foi realizado em nenhuma sociedade, por mais evoluída científica e tecnológica que seja. No entanto, apesar de suas lições fazerem parte significativa de nossas lembranças, da nossa mente, esse Reino de Deus ainda não foi alcançado em nossa sociedade. Sei que Ele também ensinou que essa construção deveria iniciar a partir dos nossos próprios corações, cada um de nós deveria limpar as impurezas do egoísmo que serviu num primeiro momento para a nossa sobrevivência, mas que a partir da maturidade existencial atrapalha a evolução espiritual.
Muitos devem existir como eu, que se esforçam para fazer essa limpeza no coração e de ser uma pessoa cada dia melhor. Mesmo assim não conseguimos construir esse Reino dos Céus que é o objetivo final. O esforço continua centrado em divulgar a mensagem do Cristo por todo o mundo, muitas vezes com a prática impregnada de egoísmo, justamente o que se deve combater. Esse tipo de apostolado de divulgação da Boa Nova por todo o mundo, tarefa principal dos primeiros apóstolos, tem uma característica parecida com a do Cristo no sentido de não ter um lar, de viver de comunidade em comunidade difundindo a mensagem, como Paulo de Tarso tão bem exemplificou, apesar de não ter conhecido pessoalmente o Cristo.
Neste momento de nossa evolução enquanto humanidade, acredito que devemos dar o salto de qualidade e partir para a etapa seguinte, sair da etapa onde o principal é a divulgação da mensagem, para a etapa em que o principal é a aplicação na prática dos ensinamentos do Cristo. Devemos agora nos estabelecer numa comunidade, num lar e deixar a vida nômade evangelista. Devemos encarar a Natureza total como o retrato vivo de Deus, que devemos reverenciá-Lo acima de todas as coisas e em segundo lugar amar ao nosso próximo como nós mesmos. Com essa determinação eu deixo de ser uma pessoa sem lar, sem amarras na comunidade, sem companheira, sem filho, como Jesus e Paulo foram, e passo a ter a família construída com base nas lições evangélicas, do Amor Incondicional, como a célula do Reino de Deus. Com o mesmo amor que eu construo a minha família, que deixa de ser nuclear e passa a ser ampliada, com o amor que deixa de ser exclusivo e passa a ser inclusivo, de romântico passa a ser incondicional, eu vejo cada família, cada ser humano ao meu redor. Tenho um lar onde escorar a cabeça, mas por onde eu ando a qualidade desse Amor que eu passo a aplicar nos meus relacionamentos constrói para mim lares onde eu possa repousar ou até ficar se for do interesse do Amor Incondicional.
Portanto, o construtor do Reino de Deus tem o mundo como seu lar, onde cada pessoa de seus relacionamentos pode ser um filho, um pai, um avô, um amante, um amigo... enfim, onde pousar neste mundo sem fim, ali é uma extensão do seu lar. E todos que pensam e agem assim tem essa mesma perspectiva e quando no mundo existir gente suficiente com essa prática, teremos alcançado o Reino do Pai.