O apóstolo Filipe formava com Pedro e André, uma trilogia fecundante das lições oriundas de Deus através do Cristo, e cultivada em Betsaída. Filipe transformou-se numa espécie de repórter da Boa Nova, andando por Betsaída.
Certa vez, parou em frente a uma oliveira em cuja sombra repousava um ancião de quase 100 anos. Tinha os cabelos brancos e o rosto enrugado, sinal que denunciava o mau trato de sua existência. Os olhos meio apagados, eram como despidos de todo o desejo de ver a Natureza, pelo cansaço e enfado de contemplar todos os dias a mesma coisa.
Filipe puxou conversa com o ancião com o intuito de ajuda-lo de alguma forma.
- A paz seja contigo, meu Senhor!
- Quem sois? Quem ousa tirar-me do descanso que, se é que Deus existe, Ele me proporcionou?
- Sou eu, meu velho, Filipe! Um simples homem. Em que poderei servir?
- Servir, servir, servir! – o velho deu uma gargalhada ironizando as boas intenções de Filipe, que falara com carinho sobre o Messias que já estava na Terra.
- Meu amigo, como te chamas?
- Podes me chamar de Sultão, se queres colocar-me, ao menos pelo nome, aonde nunca pude chegar.
Essa forma de responder deu a Filipe a ideia de que o ancião era uma pessoa amargurada na vida, talvez por frustrações no campo político. Procurou palavras coerentes para informar a preciosidade que havia encontrado.
- Meu velho Sultão! Eu estou aqui para te falar de Deus, um Deus que talvez não soubestes procurar, um Deus que não persegue nem calunia, não ambiciona, não rouba, não odeia, não fala mal de ninguém, não despreza, não desdenha, não é egoísta nem orgulhoso!
- Esse Deus que pregas não existe!
- Esse Deus, meu amigo, é o que existe, eu poderei te levar, não a Ele, mas Àquele que o representa na Terra, o Messias que estou tentando te revelar.
- Messias... Messias... Nós estamos na época dos Messias, eles estão por toda parte. Só aqui, na Galiléia, eu conheço centenas, a quantidade é igual à dos peixes nos rios.
Filipe procurou argumentar da melhor forma que podia para mostrar ao velho o tesouro que ele havia encontrado.
- Sultão, meu senhor! Esse de quem te quero falar é diferente desses outros, porque Ele opera prodígios nunca antes vistos por nenhum profeta: dá vista aos cegos, levanta paralíticos, faz ouvir os surdos e devolve a vida àqueles que já consideramos mortos. Esse de quem te falo é Nosso Senhor Jesus Cristo.
O velho Sultão levantou-se com dificuldade e saiu praguejando contra Deus e Cristo, e chamando Filipe de cão sem dono, que não tinha nem respeito pelos velhos que queriam descansar.
O discípulo repórter teve vontade de ir atrás e procurar outros meios de convencê-lo, mas algo na consciência lhe dizia: “Basta, Filipe, basta!”
Ao cair da tarde, os discípulos reunidos com Jesus no casarão de Betsaída, Filipe teve a oportunidade de fazer a pergunta que estava lhe perturbando.
- Jesus, podes nos ajudar, principalmente hoje, a entender o que deve ser o Respeito aos outros? Senhor, estou assustado, pensando no que devo fazer para entender e praticar o que chamas de amor ao próximo.
O Cristo, cintilando seu tranquilo olhar nos seus seguidores, iniciou sua resposta.
- Filipe, que a paz de Deus esteja em teu coração. O apreço que devemos ter às pessoas e, em certo ponto até aos animais, exige de nós muita acuidade, muito senso espiritual, cabendo dentro da máxima que sempre repetimos: “não fazer aos outros aquilo que não queremos que eles façam conosco”. Coloca-te no lugar daqueles que esperam o teu Respeito, que logo saberás como deves agir com eles. Nem sempre os conceitos da vida que abraçamos são certos para nossos semelhantes.
‘Filipe, é importante quando atingimos determinado progresso na arte de viver bem, mas é meio perigoso o fanatismo. Vestir a capa de missão ou de cumprimento do dever é criar situações melindrosas, fazendo por vezes inimizades. Sei que tens grande dedicação aos velhos e pelas crianças órfãs que atravessam o teu caminho. Porém, não deixes que a piedade se exagere, para que ela não se torne em desespero ou revolta. Procura ajudar à altura das tuas possibilidades e na medida do interesse que o necessitado te mostrar. Sair procurando a esmo a quem socorrer ou a quem doutrinar fará com que a mágoa se instale em teu coração, podendo até enraizar-se, tornando difícil a saída.
‘Você, Filipe, não esqueces o velho Sultão um só momento, achando que foste por demais exagerado com o ancião. Poderias ter conversado sobre outros assuntos, sem levares o velho à irritação. Com pouco espaço de tempo, ficarias sabendo da opinião dele acerca da vida espiritual. Assim não fizeste, foste logo tocando no assunto, e o teu tribunal íntimo te acusa, pedindo o reparo e sugerindo que não procedas mais assim.
‘Meu filho, o acatamento às pessoas é distinção da alma nobre. Mas saber como respeitar é inspiração da caridade integrada ao amor. Não queiras impor a quem quer que seja, o teu ponto de vista. Não deves forçar as consciências, a título da vontade de Deus, pois Ele, que é o soberano, que não precisava esperar pela harmonia de tudo o que Ele mesmo fez, espera o trigo crescer e prosperar, espera os olivais ficarem no ponto da colheita, espera as fases certas de colher as uvas, espera por algum tempo a procriação das ovelhas, e espera, sorrindo, pela Natureza que nos cerca e pela nossa transformação, da ignorância para a sabedoria. E tu, quem és que não podes esperar?
‘Não te preocupes com a velhice do corpo, no tocante a necessidade urgente de fazer com que a alma que o anima desperte para o Criador, pois, em verdade te digo que, em muitos casos, a que está vivendo como criança é verdadeiramente mais velha e amadurecida para as coisas do espírito. Se queres entrar nos corações alheios para levar a Boa Nova do Reino de Deus, isso nos dá muita alegria. Todavia, Filipe, espera que os corações abram as portas dos sentimentos. O fruto verde dificilmente tem sabor e, acima de tudo, é nosso dever respeitar o ambiente alheio. Espera, espera, mesmo sendo convidado, a adentrar o lar que não seja o teu.
‘Filipe, é bom que guardes isso na tua cabeça. Ninguém se perde, todos somos filhos do mesmo Pai, criados com o mesmo amor. Se alguém reluta e não aceita a verdade agora, o tempo será o portador dela mais tarde. Eu acho que existe tanta lavoura à espera de colheita que parece perda de tempo preocupar-te com plantios novos, cujos frutos estão verdes. Procura a meditação, a oração que o fanatismo não perturbe e abrace a Deus, meu filho, esperando e trabalhando com fé, que esse mesmo Deus te guiará por todos os caminhos, para que sejas um homem reto, com reta justiça, com reto respeito e com reto amor.
Assim o Mestre encerrava mais uma importante lição que começava a construção psicológica dos 12 que Ele havia escolhido.
André, irmão de Pedro, também de Betsaída, era pescador de profissão, como seu irmão. Tinha um caráter formado na religião judaica que apresentava como lei central os Dez Mandamentos, para que todos pudessem disciplinar seus impulsos, amando a Deus para amar ao próximo.
André, quando conheceu Jesus, já era discípulo de João, o Batista, que o convidou para passar uma noite com ele no deserto. Conversaram sobre as coisas de Deus, sobre a vida futura, sobre o dever do homem a respeito da vida na Terra, o caminho do arrependimento, no sentido de alcançar melhor e mais profundo entendimento sobre os preceitos de Deus.
Dizia assim, o Batista:
- André, queres saber realmente quando o Messias terá de vir para salvar a humanidade? Eu te falo como se fosse da boca do Senhor que está nos céus. Ele já está na Terra, e eu, em primeiro lugar, já o conheço há muito tempo, sem, contudo, ter a ciência de que Ele era o salvador do mundo. E, se queres saber, ele é Jesus de Nazaré, o filho de Maria.
André estremeceu nos seus alicerces! Pensara muitas vezes que o Salvador era João Batista. E João continuou falando a André com segurança:
- Eu, André, vim primeiro abrir as veredas, dar o sinal, abrir as portas do coração pelo arrependimento, para que o amor encontre acesso na alma faminta das gerações.
Esse Messias de que te falo tem a assistência de grande movimento de anjos nos céus, que tomam providências no sentido que sua palavra seja cumprida. Não sou digno de ser seu servo. Tudo que foi dito dEle há de se cumprir, para que reconheçamos a Sua missão na Terra.
André conversava bastante, mas com pessoas da sua amizade. Logo que começava a juntar mais gente, calava-se, era introvertido. O acanhamento era uma barreira que o impedia, às vezes, de realizar muitas coisas. Em meio à multidão, mesmo que dominasse um assunto, perdia totalmente a inspiração e corava com facilidade. O seu estado emocional tirava-o de muitas alegrias. Conversou com João sobre isso e foi aconselhado que esperasse, que poderia ser uma porta fechada por Deus para que ele pudesse crescer em algumas virtudes e saber controlar, mais tarde, suas próprias emoções.
André já havia conversado com Pedro acerca de suas dúvidas na maneira pela qual entendia a igualdade e, na hora, sentiu que alguém que ele não via pedia-lhe para perguntar a Jesus sobre esse tema que tanto fascina os humildes e pequeninos, quanto é desprezado pelos latifundiários. Aproveitou a intuição e fez a pergunta.
- Mestre! Tomo a liberdade de perguntar ao Senhor qual o papel da Igualdade no seio da comunidade humana e, por assim dizer, no nosso meio, tendo a Tua presença como se fosse o próprio Deus? Abaixou a cabeça e esperou escutar a verdade. Olhou várias vezes para Pedro, sorridente, que aprovou o seu gesto.
Respondeu o Mestre, percebendo a dificuldade do discípulo.
- André! Sendo Deus todo amor e justiça, não poderíamos acreditar em desigualdade no mundo e no grande rebanho do seu coração. Contudo, assim como não és capaz de encontrar uma folha igualzinha a outra na imensidão da floresta, nem árvores, nem animais, nem insetos, também não encontrastes nunca um rosto, chorando, sorrindo ou em estado normal igual a outro na sua estrutura física. E no caráter, na disposição do bem? No fundo, todos somos feitos iguais, como, certamente, as coisas que nos cercam.
Porém, cada um de nós e cada coisa está como expressa no sonho de Jacó, em forma de escada: cada um e cada coisa vive em um degrau da vida, expressando o mundo em que vive.
André tinha dificuldade de compreensão e procurava gravar o que ouvira, mas pouco entendia das comparações do Mestre. Olhava muito para o irmão, que era mais avançado no entendimento.
Pedro percebeu, chegou perto do irmão e falou: - Não te desesperes, André. Deixa primeiro cozinhar para que tu tenhas maior sabor na comida. Ainda não temos capacidade de entender o Cristo com a mesma facilidade com que perguntamos por nossos problemas. Por vezes tenho dificuldade até de formular as perguntas, e, muito pior, entender o que Ele fala. Não te aflijas, espera.
O Mestre continuava nas explicações.
- André, será que quando alimentas o ideal de Igualdade, não pensas somente em seres igual aos que estão bem situados no mundo da riqueza e no domínio dos poderes da Terra? Já pensastes na Igualdade daqueles que estão nos vales dos leprosos, sem esperança, para que possas, com a fé que tens, consolá-los? Será que já passou por tua cabeça seres igual, na posição em que te encontras, aos andarilhos sem destino e, às vezes sem pátria, passando as maiores necessidades que o destino lhes impõe, para que, junto a eles, possas idealizar meios e movimentar recursos, pelo que já sabes, para aliviá-los dos seus sofrimentos? Será que pretendes igualar-te aos velhos sem teto e às crianças órfãs, para que, junto a eles, venhas a colocar a tua inteligência a serviço da segurança desses que sofrem o desprezo na carne e no coração? Por certo que não!
‘A Igualdade que todos, ou quase todos pretendem, meu filho, tem algo de egoísmo, tem muito de bem-estar próprio. Todo homem revoltado na vida é assim porque não conseguiu atingir o lugar que os outros desfrutam nos píncaros dos poderes de César.
Seria muito mais justo e humano, se ele quisesse beneficiar os outros, desfrutando também, que ele trabalhasse em silêncio, em qualquer atividade em que a dignidade fosse a meta, em que a sinceridade fosse o comando, em que o amor fosse o interesse. Mesmo assim, não seria igual aos teus semelhantes, por existirem detalhes que não percebes, impedindo essa possibilidade.
‘Quando o impulso da desigualdade ascende no coração de um homem, é para ser desigual aos pobres, aos párias, aos incultos, mesmo pertencendo a essa faixa de testemunhos. Devemos lutar com todas as nossas forças no sentido de que todas as camadas da vida, ao se aproximarem de nós, sintam no coração que estamos nos apresentando como se fôssemos eles, em benefício deles: Esquecendo posições, caso haja; esquecendo sabedoria, caso a tenhamos; esquecendo fortuna, caso desfrutemos dela.
‘Sejamos iguais por amor, pois a caridade se estende sem barreiras. Na verdade, vos digo que todos somos iguais em Deus, mas diversificamo-nos ao infinito, para que possamos fazer parte da criação na melodia harmoniosa e universal.
Finalmente, o Cristo conclui seu pensamento.
- André, procura o amor e ama a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo, e não queiras modificar as coisas feitas por Deus, porque por ora, não te é dado entender.
A reunião estava encerrada. Os dois irmãos saíram conversando sobre o assunto da reunião inesquecível.
É tão triste pensar que é correto
Que se luta pelo bem da humanidade
E nega a justiça com seu veto
E a cegueira atropela a verdade
E tudo olha com grande autoridade
Não mais pensa sobre a vida, refletir
Não sabe porque sente ansiedade
Porque sem dolo tem sempre que mentir
Ah! Meu amigo, como posso te ajudar?
Se pensas que tudo lá e cá é falsidade?
Que o paraíso que tu pensa é realidade?
Sim, eu não consigo tua mente acessar
E te mostrar meu coração tão solidário
Que não importa ouvir de ti... é tão otário!
A minha dor tem o seu nome
Quanto te sinto longe de mim
E tua boca, lábios carmim
Dizem horrores e logo some
E eu não posso te acompanhar
Pelas veredas da iniquidade
Eu não tenho mais pouca idade
Para inocente me enganar
Talvez não saibas a dor que causas
Que acabrunha a minha alma
E nela escreve sombrias laudas
E tu afundas pensando falso
Noite e dia sem ver o trauma
De ir por onde não posso ou galgo
Há quem exista nesta vida, eu sei
Que finge a dor que realmente tem
São os poetas do aqui e do além
E com eles um dia conversei
Disse da minha louca ilusão
De ter um mundo cheio de amor
Que cada um vivesse em esplendor
Sem nunca ter preso o coração
Responderam todos, mas, que ironia!
Pois nós tentamos a mesma fantasia
Como fantasmas vivíamos com decência
Mas tínhamos que colocar em nossos versos
Toda a tristeza de viver em dor imersos
E o coração preso nas malhas da inocência