No Evangelho de João é citado um trecho que diz: Surgiu um homem enviado por Deus, chamado João. Ele veio como testemunha, para testificar a respeito da luz, a fim de que por meio dele todos os homens cressem.
A mensagem de João foi: “Arrependam-se, pois o Reino dos céus está próximo.” Em outras palavras, o Messias chegaria e inauguraria seu domínio. A fim de estarem prontas para a sua chegada, as pessoas deveriam se arrepender e receber o batismo de arrependimento de João para o perdão dos seus pecados. Muitos responderam ao seu apelo. Confessando seus pecados, eram batizados por ele no rio Jordão.
Observo que o objetivo final de toda essa movimentação é a formação do Reino dos céus e que para isso depende da transformação interna de cada um, de um novo renascer consciencial. Jesus é o principal fermento dessa movimentação, com seus ensinos e principalmente com seu exemplo. É considerado o governador espiritual do nosso planeta e todo aquele que adquire esse novo nascer se capacita a ser um dos seus súditos, um cidadão do Reino.
Para tudo isso atingir uma massa crítica é necessário que haja número suficiente de consciências renascidas. Daí a importância de tantos profetas ao longo do tempo, sinalizando para que seja acatada a vontade de Deus e que viria um Messias para fechar todo esse processo de informação.
Do meu insignificante ponto de vista, dado a magnitude de tão amplo projeto de Deus para a terra, me sinto convocado pelo Mestre Jesus que mais uma vez está próximo de nós organizando o trabalho que precisa ser feito. Sei que não tenho a têmpora de um Francisco de Assis ou Paulo de Tarso, mas minha consciência acusa com clareza o que precisa ser feito e onde a minha capacidade inata e adquirida pode contribuir de forma efetiva. Tenho a coragem de assumir em minha vida boa parte desses princípios dentro dos relacionamentos afetivos, mas sou bastante displicente com o trabalho de caridade em comunidade que também me sinto capacitado e não tenho energia para realizar. O testemunho de João veio antes de Jesus e o preparou para assumir sua missão. Agora Jesus necessita que sua mensagem seja colocada na prática, além da evangelização, do ensinamento das boas novas. É necessário que surja um novo João Batista que opere a construção do Reino dos céus, a partir do interior do coração, dos relacionamentos íntimos e externos, e da reconstrução comunitária.
Nicodemos é um exemplo dentro da Bíblia de alguém que busca sinceramente pela verdade. Ele estava preparado para deixar de lado a apatia, o preconceito, o medo e buscar a verdade com espírito honesto e humilde.
Jesus deve ter impressionado Nicodemos ao dizer-lhe que deveria nascer de novo, pois caso contrário, não veria o Reino de Deus, nem entraria nele. Caso Jesus tivesse me dito isso hoje, com o conhecimento que tenho, talvez eu não ficasse tão impressionado como Nicodemos. Tenho diversas teorias na minha cabeça que poderiam encontrar uma explicação para essa afirmação. O pensamento mais imediatista era que a pessoa deveria ser submetida a um novo nascimento, da mesma forma que o primeiro. Foi assim que Nicodemos pensou, pois como era possível o homem voltar ao ventre da sua mãe, retrucava ele.
Com os conhecimentos espíritas que adquiri eu poderia pensar que Jesus queria se referir à reencarnação, pois é o processo natural que os espíritos tem à sua disposição para se aperfeiçoarem ao longo do tempo. Reencarnamos aqui na terra quantas vezes for necessário, geralmente mantendo um nível de relacionamento afetivo com algum grupo de natureza familiar. Mas acredito que também não era a isso que Jesus se referia, pois o espírito pode reencarnar diversas vezes, passar pelo processo de nascimento concomitantemente, sem no entanto atingir o “nascer de novo” que Jesus referia.
Esse nascer de novo é a mudança de paradigma consciencial. É o reconhecimento de que existe o mundo espiritual, que existe o Criador ao qual devemos obediência e devemos fazer a Sua vontade. Que Jesus Cristo é o Seu mais importante enviado para nos ensinar essas lições e assim devemos nos arrepender dos erros cometidos e procurar daí em diante fazer a vontade de Deus, que em última análise é criar o Reino do Céu aqui na terra. Essa mudança de consciência, dos valores do mundo material para os valores espirituais é que corresponde esse “nascer de novo”. É um parto na consciência.
O batismo com a água é o sinal ou sacramento do novo nascimento. Era isso que João Batista fazia; é isso que é feito ainda hoje, principalmente com as crianças. Mas não devemos confundir o sinal externo com a coisa interna que ele representa. O batismo é uma dramatização pública visível do novo nascimento, mas não devemos confundir o sinal externo com a coisa interna que ele representa.
Meu nascimento físico atual foi um processo difícil. Fui o primogênito de minha mãe e até hoje tenho as marcas dos dedos da parteira em minha cabeça, no esforço que ela fez para me trazer à luz. Depois fui batizado quando criança e não tenho a mínima memória desse acontecimento. Então não considero que eu tenha nascido de novo naquele momento do batismo. Isso aconteceu muito tempo depois, já estava adulto e cheio de dúvidas na minha cabeça sobre a existência do mundo espiritual e do Criador. Frequentava diversas religiões e lia diversos livros de todas as religiões e livros científicos também. Até que, considerando a grande verdade embutida nos ensinamentos de Jesus, resolvi afastar a dúvida da minha mente a aceitar como verdadeiro todos os ensinamentos divinos, da existência de um mundo transcendental e da necessidade de uma evolução moral que caminha associada a evolução material que se processa na natureza. Foi aí que considero o meu nascer de novo. Foi aí que aceitei a Lei do amor como fundamento dos meus relacionamentos e que assim eu estaria contribuindo para a formação do Reino de Deus, como ensinado por Jesus.
Cada vez que eu entro no chuveiro pela manhã, antes de sair para o trabalho, aproveito para orar para o Pai e me sinto ainda no processo de parto para o mundo espiritual. A água corre pelo meu corpo e eu imagino que está a lavar os pecados que cometi e que ainda estão à espreita de minhas fraquezas para eles se manifestarem. Do mesmo modo que meu nascimento biológico foi trabalhoso e que me deixou marcas até hoje, assim também o nascer de novo espiritual também é trabalhoso e certamente por minha falta de competência deixo marcas tanto em mim quanto nas pessoas que estão perto de mim e que se envolvem afetivamente. Mas sei que esse processo de nascer de novo agora está numa fase irreversível, já me considero também cidadão do mundo espiritual, convocado por Jesus e obreiro do Senhor na criação do seu Reino.
São Francisco de Assis desenvolveu sua espiritualidade com uma forte resistência às coisas do mundo material. Ele dizia o seguinte: “Queremos viver como o Senhor Jesus, sem moradia fixa, em cabanas de barro e palha, para lembrarmos de que somos estrangeiros neste mundo e cidadãos da outra pátria.”
É importante este pensamento, pois ressalta a nossa consciência de que vivemos em dois mundos, o material e o espiritual, apesar de que, quando estamos encarnados no mundo material, nossos sentidos não alcançam o mundo espiritual e em nossa ignorância imaginamos que ele não existe. Francisco alcançou a compreensão da existência do mundo espiritual, da importância dele sobre o mundo material, e do povoamento de seres bem mais evoluídos que nós, que administram ao lado do Criador todos os rincões do universo. Com essa compreensão, Francisco deixou anulada toda a importância do mundo material, desprezava os bens materiais e até mesmo as necessidades do próprio corpo.
Tenho uma compreensão diferente, também reconheço a superioridade hierárquica do mundo espiritual sobre o material e dos seres que o habitam, mas procuro dar o devido valor aos recursos materiais, inclusive o prazer corporal que foi instalado nas profundezas instintivas da fisiologia e biologia. Francisco trocou sua cidadania material pela cidadania espiritual, e assim fazendo queria ou exigia do mundo material.
Eu, pensando diferente, dei a devida importância ao mundo espiritual sem no entanto abandonar o mundo material. Considero assim que tenho dupla cidadania, tanto num mundo como noutro, mas sem esquecer que a obediência maior estão nos preceitos que partem do mundo espiritual. Assim sendo, fico numa posição mais confortável e pragmática para contribuir para o estabelecimento do Reino de Deus no mundo material, a aplicação dos valores espirituais aos relacionamentos no mundo material. É uma outra vertente de seguir as lições do Cristo, e acredito que no momento atual em que vivemos, seja importante para corrigir as distorções éticas e morais que observamos em todos os setores da sociedade.
A família franciscana é atraída pela pobreza e como seus membros não tem recursos acumulados, necessitam do auxílio mútuo dos irmãos, da fraternidade.
A família universal é atraída pelo amor incondicional e como não tem os seus membros relações exclusivas, necessitam do auxílio mútuo dos irmãos da fraternidade.
Dois tipos de famílias que se encontram na fraternidade, que é o ligante mais usado entre os cidadãos do Reino de Deus.
Dentro do mundo materialista as duas formas de famílias apresentadas são encaradas como anômalas. Uma baseada na pobreza e outra no amor incondicional, ambas capazes de dar a vida pelos irmãos, o que é impraticável no mundo materialista dominado pelo egoísmo.
A família franciscana já foi criada a partir de Assis, Itália, e disseminada pelo mundo todo. A família universal ensinada por Jesus, é anunciada como objetivo final do plano de Deus para nossos relacionamentos, mas ainda não conseguiu uma identidade na prática e a sua disseminação esclarecida como acontece com a família franciscana. A família universal também precisa de um foco motivador e disseminador como serviu Francisco no passado.
Deve partir de alguém que conseguiu limpar o coração de todos os resíduos do egoísmo, que obedeça fielmente a Lei do Amor, representada na base pelo “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.” Alguém que não tema amar em todas as dimensões e níveis de profundidade, desde que mantenha sempre a ética cristã no seu comportamento, que não promova a exclusão de ninguém e que construa a fraternidade necessária entre todos que desejem participar da família universal.
Assim como a família franciscana tem o cuidado para que a vaidade ou o orgulho não vençam as dificuldades e carências da pobreza, a família universal deve ter cuidado para que o amor romântico com sua carga de ciúme e exclusivismo não sufoque o amor incondicional.
A fraternidade é um bom termômetro para a avaliação da saúde que deve existir nas duas formas de famílias, principalmente na família universal, pois está mais próxima dos valores do mundo materialista, como acumular capital e gerar filhos. Se não houver fraternidade entre os membros da família universal, a capacidade de trabalhar e de procriar vai criar barreiras intransponíveis que descaracteriza o cidadão que pretende ser membro do Reino de Deus.
Quando me considerei cristão, quando reconheci a superioridade moral de Jesus Cristo e sua condição de enviado do Pai para nos ensinar lições básicas da evolução, estava desenvolvendo paralelamente a consciência espiritual. Reconheci a importância da principal lição que é aprender e aplicar a Lei do Amor, referendada em todas as crenças divinais pelo Amor Incondicional e tendo como bússola no cotidiano o “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.
Foi de posse dessa consciência espiritual que reconstruí minha vida e sigo por um paradigma individual cujo comportamento referenda e objetiva o cumprimento da vontade de Deus dentro das minhas possibilidades inatas e adquiridas.
No caminho da vida existem os relacionamentos afetivos que proporcionam ou não companheiros para a jornada. Para uma pessoa como eu, com uma consciência espiritual já desenvolvida, posso me relacionar com todos quanto o Pai coloque ao meu alcance, mas para ser um companheiro de jornada é importante que possua também a consciência espiritual desenvolvida ou que queira a desenvolver com honestidade de princípios. Acontece que devido a diversas falhas nas informações religiosas, que deveria ser íntegras e verdadeiras no ensino das coisas espirituais e não são, existe muita gente que desenvolve uma consciência espiritual deformada quanto a aplicação da Lei do Amor, apesar de reconhecer a superioridade do Amor Incondicional frente a qualquer outra forma de sentimento ou pensamento. Surgem daí os conflitos entre os companheiros de jornada e desses conflitos o mais comum acontece dentro dos relacionamentos afetivos. Geralmente ele inicia com características românticas, de exclusividade, desenvolve o apego, o sentimento de posse e a partir daí a consideração do outro como um objeto ou mesmo como um estorvo, mas que deve ser obediente com o risco da própria vida.
Quem entra em relacionamentos com alto grau de espiritualidade e não procura evitar as características incompatíveis com o amor incondicional, fatalmente chega ao nível de comportamento onde a raiva, a ira e o ressentimento superam qualquer tipo de manifestação de amor. Depois de tantas experiências frustradas com relação aos meus relacionamentos íntimos que não conseguiram se libertar dessas correntes egoísticas que iniciam com o amor romântico, devo agora ser bem mais cuidadoso. Afinal de contas a Lei de Deus publicada em minha consciência e exibida nas minhas ações, é incompatível com a falta de transparência, com a exclusividade ou qualquer forma de injustiça.