Não dei muita atenção até agora a esse sentimento, porém com a dificuldade que tenho de consolidar a caridade em minhas ações, percebo que a compaixão pode ajudar. Quando me deparo com a situação dos meninos que limpam para-brisas para ganhar moedinhas, sempre chega primeiro o sentimento de que vou ser ludibriado, talvez até extorquido. Aqueles menores usam drogas em quase totalidade, a minha pratinha vai colaborar com os traficantes e com a destruição daqueles que penso ajudar. Com isso na cabeça, aplicar a caridade no sentido de desconsiderar esses pensamentos é muito penoso. Porém, se eu olhar com compaixão aquelas pobres criaturas, que mesmo sendo drogados e esperam ajuda para desviar na manutenção dos seus vícios, a resistência que tenho ao meu ato de caridade fica mais atenuado. Não elimina por completo a resistência, pois o racional informa que há verdade nos meus pensamentos, que posso estar prejudicando mais do que ajudando.
A compaixão oferece outra alternativa de compreensão, para todos nós. Para eles, que nasceram em situação precária, sem educação, sem confiança na sobrevivência, sem oportunidade de trabalho... para mim, que alcancei uma posição invejável na vida, que agora posso dar uma pratinha e isso não fazer falta, que tenho conhecimento e educação suficiente para elaborar e viabilizar projetos que consigam mudar essa realidade. A compaixão ajuda a ser solidário com o outro, não na sua parte doente, e sim na parte sadia que perdida no abandono da vida espera que aconteça algo há cada dia que acorda e estende a mão a que se aproxima; a compaixão ajuda também no alívio de minha culpa que termina sendo gerada na consciência. Por que eu, que tenho tanto potencial acumulado de fazer o bem, não fiz até o momento algo significativo nesse sentido.
Esta é a minha grande adversária, a mais perversa, a mais perigosa. Entra sutilmente na minha vida e aproveita todos os momentos para se manifestar. O intenso trabalho no campo material que desenvolvo encobre para as outras pessoas a ação da preguiça em minha vida. Dizem com surpresa, quando eu confesso, que não concordam que eu seja tão vitimado pela preguiça, que eu tenho necessidade do repouso e do lazer. Isso também é verdade, sei que o repouso e o lazer são momentos também importantes para o corpo e para a alma. O fato é que não coloco os limites necessários e sempre acontece dos trabalhos que são importantes serem feitos, que não existe uma cobrança externa imediata, que ninguém percebe a sua necessidade, esses não são realizados!
Dessa forma a vida vai passando, o tempo não para! Os compromissos que tenho registrado na consciência de acordo com a natureza da minha missão, vão sendo procrastinados a cada dia. Ninguém percebe essa corrosão: o trabalho que realizo no campo material, por sua intensidade, os recursos financeiros que vou adquirindo, o patrimônio que vou construindo, todos servem como uma cortina de fumaça para a minha incompetência em enfrentar e vencer o monstro da preguiça no campo espiritual. Sei que não deixo que a preguiça se manifeste em mim de forma ostensiva, consigo desviar muito da sua ação deletéria para o estudo, principalmente do mundo espiritual e suas exigências evolutivas. Então percebo com mais clareza a sutileza da ação da preguiça em minha vida. Percebo a ameaça real que existe na falha de minha missão à longo prazo, cada vez que um dia passa, mais longe eu fico do sucesso da minha missão. É diferente da gula que tem uma ação mais rápida, que se eu não a controlar minha derrota é imediata com a antecipação do tempo de vida.
Consigo perceber com bem clareza a gula e a preguiça como os dois monstros internos mais ameaçadores para meus projetos, minha missão, a minha vida. Tenho plena consciência disso e sei que sozinho não conseguirei vencê-las. Devo aprender a colocar em prática os recursos espirituais que aprendo a cada dia adquiro, são eles que irão me colocar em sintonia com as forças espirituais comprometidas com a vontade de Deus. Sei que o recurso mais eficiente é a prece, mais mesmo ela é contaminada pela preguiça, por isso concluo que esse monstro é o mais perverso e o mais perigoso para a minha atual estrutura psicológica, para o sucesso na realização de minha missão.
Posso dizer que o sexo é a minha principal ferramenta evolutiva. Não é que eu seja dependente dele, que seja subjugado por sua força, muito pelo contrário. Apesar de que na aparência muitos pensarem dessa forma, até pessoas bem íntimas e que já tem um bom conhecimento de quem eu seja. Acredito até que a engenharia espiritual me colocou na terra em pontos estratégicos para que eu desempenhasse a minha missão que tem o sexo como seu catalisador. Nasci através de pais que tem uma forte índole sexual, o meu pai de tão exagerado nos seus impulsos eróticos levou a separação do casamento com minha mãe e era discriminado pela comunidade em que morava. Fui criado desde os seis anos de idade por minha avó materna, que trabalhava com boate e tinha sob seu controle diversas mulheres de programa, prostitutas mesmo. Foi nesse meio que cresci e fui educado, apesar de ter tido oportunidade de me preparar estudando em uma boa escola e ter o cuidado de minha avó para que eu não entrasse no mundo das drogas ou no exagero do sexo. Entrei em contato com os prazeres do sexo de forma solitária, com a imaginação, com a masturbação. Com a imaginação eu também construía os meus castelos de fantasia e era sempre o “mocinho” defensor dos fracos e oprimidos, que iria encontrar a mulher ideal, com ela casar e vivermos felizes para sempre.
Com a minha vinda para Natal, para servir à Marinha, continuei privilegiando o estudo e deixando o sexo em segundo plano. Casei com a mulher dos sonhos e continuei nos estudos. Foi aí que me defrontei com a força dos impulsos sexuais que passou a sitiar meus paradigmas de fidelidade conjugal, de amor exclusivo. Depois de muita batalha íntima onde eu esgrimia sempre os valores da justiça, solidariedade, transparência, coerência e amor, sempre no silêncio das minhas argumentações cognitivas, cheguei a conclusão de que deveria mudar os meus paradigmas, pois o amor inclusivo dentro de uma relação familiar ampliada era a mais racional, mais aplicada à vontade de Deus em nossas vidas. A partir daí o sexo passou a ser uma ferramenta auxiliar do amor incondicional, a senha para incluir pessoas no círculo mais íntimos dos meus relacionamentos e assim construir a família ampliada. Mesmo que eu sofra críticas de pessoas mais íntimas, mesmo assim sinto na consciência onde está escrita a Lei de Deus que estou fazendo a vontade do que Ele deseja para mim. O sexo que por tantos é visto como um impulso tão vulgar, para mim tem a natureza do divino e contribui para potenciar e expandir o amor incondicional, que sempre que tenho oportunidade e conveniência eu faço com respeito a dignidade do outro, com o objetivo de contribuir para o seu crescimento individual, principalmente no campo espiritual. A nossa recompensa imediata são os prazeres intensos que o corpo desperta e, principalmente, a vontade do Pai por essa construção de relacionamentos mais próximos do Reino que Ele que ver funcionando na prática.
Portanto, eis o meu maior recurso operacional, na realização dos atributos da minha missão aqui na terra, neste momento especial da minha vida, obedecendo sempre a vontade do Pai que Ele instalou em minha consciência: O SEXO!
A próxima testagem envolveu a Gula. Um defeito que declaradamente sei que o possuo e que tento vencer com o artifício do jejum. Já descobri que funciono como os dependentes químicos que não podem tomar uma só dose de suas drogas, pois senão desencadeiam uma compulsão que só termina com a completa intoxicação. Da mesma forma sou eu com relação aos alimentos. Caso coma o primeiro bocado, não consigo parar até me empanturrar. Estava indo no segundo dia do meu jejum quando sou deparado com um self service. Entro na fila com a intenção de pegar apenas algumas frutas. Não consigo resistir a tentação de tantas opções saborosas ao paladar, mesmo que sabendo a inconveniência da quantidade e da qualidade. Vou colocando no prato tudo que me apetece, inclusive assados de mamíferos, os quais sei são alimentos inconvenientes para pessoas que como eu pretendem desenvolver o lado espiritual. Isso aconteceu ao meio dia e à noite, a testagem continuou. Os auditores ofereceram outra oportunidade de controle, mas não consegui mais. Aproveitei a chance de me deparar mais uma vez com a mesa farta e voltei ame empanturrar e sai do restaurante com o estomago dilatado, fazendo ver até a necessidade de se abrir o cinto da calça.
Derrota completa, total. Tudo isso é traduzido na balança que aponta para um número que atinge o meu recorde para cima: 84 quilos. O meu espírito fica envergonhado com essa situação. Ele (eu) sabe (sei) que o corpo é propriedade que Deus me deu para que eu o trate bem para que me comporte de acordo com sua vontade na terra material. Eu já recebi sua vontade na minha consciência, já sei o que devo fazer na minha existência e com o uso do corpo. No entanto me submeto aos desejos dele e o empanturro de alimentos que leva ao sobrepeso, à obesidade a geração de doenças, a diminuição do tempo de vida, a incapacidade de realizar a vontade do Pai. Sei de todas essas consequências e sei que tenho que vencer nesse aspecto, apesar de na testagem ser vergonhosa e totalmente derrotado. Nenhum aspecto que eu possa pinçar como positivo.
Continuarei a usar minha principal arma, o jejum, mesmo que seja tentado, principalmente pelas pessoas que amo, que temem que se eu não me alimentar eu vou me prejudicar. Mas eu tenho consciência de que é o contrário. Eu estou me prejudicando ao me alimentar em excesso, e o que eu conquistei agindo em demasia, comendo exageradamente, agora tenho que fazer o caminho contrário, deixar de me alimentar em exagero para que eu perca com o sacrifício o peso extra que adquiri.
Fui ao dentista e ao sentar na cadeira e ser indagado se queria ou não anestesia para o procedimento que iria ser realizado, percebi de relance que este era o próximo teste. Nas minhas considerações paradigmáticas coloco o corpo como instrumento do espírito, que é a ferramenta material oferecida ao espírito para que possamos operar neste mundo espiritual. Da mesma forma que um mergulhador necessita de um escafandro para ir até as profundidades do oceano, assim o nosso espírito precisa do corpo biológico para se expressar neste mundo material. Portanto agora eu era chamado para testar se eu iria me comportar naquele momento com o corpo, como se ele fosse um escafandro e que estava ali para o consertar. Todo tipo de dor que fosse nele desencadeado, deveria ser tolerado pelo espírito com essa compreensão, “o que acontece não é comigo, é com o meu instrumento.” Disse então à dentista que podia fazer sem o anestésico. Ela ainda advertiu que se eu não suportasse, poderia levantar a mão que ela administraria o anestésico. Concordei.
O primeiro toque com um instrumento metálico na raiz do dente provocou uma dor aguda de forte intensidade que me fez mover da cadeira num esgar de dor. Ela parou um instante para verificar se eu levantaria a mão. Resisti a tentação de o fazer. Então ela passou a usar o motor para ajustar o trabalho que iria fazer atuando na periferia da raiz do dente mas com aproximações que levavam intensa dor. Pensava em levantar a mão, mas coloquei a mão direita sobre a esquerda no sentido de impedir dela levantar. O processo doloroso se desenvolvia na cavidade bucal, a dor percebida no cérebro era trabalhado a nível de contração de minhas mãos uma contra outra, numa espécie de luta pelo pedido do anestésico ou não. Resolvi levar à percepção da dor ao nível da consciência, fazendo a interpretação realmente do objeto (corpo) e do seu dono (espírito). Passei a ver os estímulos dolorosos como sinais que chegavam ao cérebro e que indicavam que alguma estrutura nobre do corpo estava sendo atingida e que necessitava de uma intervenção para sair daquela condição. Mas o meu espírito sabia que aquela condição era necessária, então a dor que sinalizava para o corpo uma emergência a ser retirada, o espírito considerava uma necessidade a ser operada em benefício do próprio corpo. Então passei a ver os impulsos dolorosos que chegavam sempre com intensidade variada como eventos que diziam respeito ao próprio corpo. Cheguei a esperar novos estímulos dolorosos com intensidade maior que os anteriores, o comportamento de luta nas mãos já não existiam e uma serenidade a nível mental se desenvolveu, o enfrentamento da dor já não provocava um sofrimento tão exasperador quanto antes. Enfim, terminou o procedimento. Senti que venci essa provação, mas ao mesmo tempo também percebi que fui testado com benevolência, nenhuma dor intensa da odontologia foi provocada, sei disso. Assim, essa vitória que adiciono ao meu relatório vem com esse adendo da benevolência dos meus auditores, aos quais agradeço por não testar com toda intensidade alguém que tanto eu como eles já sabem que não é tão forte como apregoava no início.