Acredito ser mais uma lição da Caridade este texto do Cardeal Carlo Maria Martini que caiu em minhas mãos:
“O nosso amor se deturpa quando é feito apenas de palavras, de excelentes propósitos, de arroubos da mente. É preciso mover os braços, tomar sobre si o peso das necessidades concretas de quem está ao nosso redor; não buscar muito longe gestos de solidariedade fora do comum, mas estar atentos às carências de quem está ao nosso lado, começando pelos próximos.”
Atentar para as pessoas que estão próximas e que merecem nossa atenção, caridade, é a lição do texto, ao invés de irmos com palavras bonitas em busca de alhures fazer o bem. A prática local é muito mais importante do que a busca utópica além.
O dia 28 de junho é dedicado à Renovação Espiritual. Nós que estamos no processo consciente de evolução espiritual, devemos avaliar o nível espiritual que nos encontramos, as dificuldades que identificamos e as perspectivas de avanço na Reforma Íntima. Deus está no comando e nossa intuição percebe Sua influência nos acontecimentos ao redor, alguns podemos decidir, outros não. Qualquer que seja a situação, desde que estejamos conscientes de tudo que está acontecendo nos dois planos, material e espiritual, o dia termina sendo de boa referência para fazermos as devidas reflexões nos diversos níveis de entorno ao nosso redor: primeiro é na relação conosco mesmo e com Deus, o que estamos fazendo, pensando e planejando; o segundo é na relação com o próximo, qualquer que seja ele e que no momento é o alvo de nossas ações; terceiro é com a família consanguínea, a família ampliada, a família espiritual, a família universal e os diversos grupos divididos em tantos setores, como pátria, esportes, religiões, partidos políticos, etc. A reflexão se estende até o nível cósmico onde podemos encontrar Jesus e voltamos encontrar com Deus.
Minha reflexão é positiva. Sei que estou trilhando um caminho determinado por Deus, cumprindo a principal Lei que Jesus nos ensinou, “amar ao Pai acima de todas aos coisas e ao próximo como a nós mesmos”. É neste foco de AMOR que se resume a principal Lei que me esforço para a cumprir na íntegra, evitando qualquer tipo de preconceito que sirva para a mascarar. É a principal lição e a mais importante, todas dela deriva, todas dela depende! Sinto na carne muitas vezes os “chibatadas” do ódio que exige uma forma de amor condicionada a qualquer coisa e não aceita o que o Amor seja livre, que ele respire liberdade como forma de se manter puro e saudável. Muita gente acredita que deva reter esse Amor em qualquer tipo de gaiola e que somente a uma pessoa sirva e desconsidere os bilhões que povoam nosso planeta. Não! Sei que jamais poderei trocar os bilhões de irmãos por uma só pessoa, tenha essa pessoa o nome que tenha: pai, mãe, esposa(o), filho, patrão, amante, etc. Esta é a lição premente que aciona o meu raciocínio e ativa as cordas do meu coração para vibrar pelo planeta, mesmo que sinta na carne e nos afetos a importância de algumas pessoas que estão próximas, que comigo comungam, que se dispõem a caminhar comigo e até aquelas que podem não comungar nem caminhar comigo, mas que podemos trocar afeto na simpatia do Amor espiritual.
Recebi uma lição explicita da Caridade através de um texto que encontrei. Abordava questões práticas que as vezes eu procurava realizar e não sabia como começar. O texto falava do valor de um sorriso e devido a sua importância vou reproduzir na íntegra, como o encontrei, neste espaço:
“O sorriso não custa nada e rende muito. Enriquece quem o recebe, sem empobrecer quem o dá. Dura somente um instante, mas seus efeitos perduram para sempre. Ninguém é tão rico que dele não precise. Ninguém é tão pobre que não o possa dar a todos. Leva a felicidade a todos e a toda parte. É o símbolo da amizade, da boa vontade. É o alento para os desanimados, repouso para os cansados, raio de sol para os tristes, consolo para os desesperados. Não se compra nem se empresta. Nenhuma moeda do mundo pode pagar seu valor. Não há ninguém que precise tanto de um sorriso como aqueles que não sabem mais sorrir. Aqueles que perderam a esperança. Os que vagueiam sem rumo. Os que não acreditam mais que a felicidade é algo possível.
“É tão fácil sorrir! Tudo fica mais agradável se em nossos lábios há um sorriso. Tudo fica mais fácil se houver nos lábios dos que convivem conosco um sorriso sincero. Alguns de nós pensamos que só devemos sorrir para as pessoas com as quais simpatizamos. São tantas as que cruzam nosso caminho diariamente. Algumas com o cenho carregado por levar no íntimo as amarguras da caminhada áspera. Poderemos colaborar com um sorriso aberto, no mínimo para que essa pessoa se detenha e perceba que alguém lhe sorri, já que o sorriso é um alento.
“Sorrir ao atender os pequeninos que acorrem nos semáforos à procura de moedas. É tão triste ter que mendigar e mais triste ainda é receber palavras e gestos agressivos como resposta. Se é verdade que essa situação nos incomoda, não é menos verdade que não gostaríamos de estar no lugar deles. Eles são tão pequeninos! Se tem a malícia dos adultos é porque os adultos os induzem a isso. Mas no íntimo são inocentes treinados para parecer espertos, em meio às situações mais adversas.
“O sorriso é uma arma poderosa, da qual nos podemos servir em todas as situações. Se, ao levantarmos pela manhã, cumprimentamos os familiares com um largo sorriso, nosso dia certamente será melhor, mais alegre. Se, ao entrarmos no elevador, saudarmos com um sorriso os que seguem conosco, ao invés de fecharmos o rosto e olharmos para cima ou para baixo, na tentativa de desviar os olhares, com certeza o nosso dia será mais feliz. Porque todos nos verão com simpatia e nos endereçarão energias salutares.
“O sorriso é sempre bom para quem sorri e melhor ainda para quem o recebe. O sorriso tem o poder de fazer mais amena a nossa caminhada. Dessa forma, se não temos o hábito de levar a vida sorrindo, comecemos a cultivá-lo, e veremos que sem que mude a situação à nossa volta, nós, intimamente, nos sentiremos mais felizes. O cenho carregado, ou seja, a cara amarrada, como se costuma dizer, traz ao corpo um desgaste maior que o promovido pelo sorriso.”
Esta lição veio na hora certa, um ensinamento precioso. Já sabemos da importância do sorriso, mas de forma vaga, não algo tão objetivo com esta lição. Tenho facilidade de sorrir, mas também facilidade de ficar de “cara amarrada”, principalmente nas situações em que a Caridade chega de diversas formas. Sabendo de forma tão clara esse valor, agora tenho que favorecer a cada momento o sorriso como forma de dar um brilho melhor ao exercício da Caridade.
Estava de passeio em Passa e Fica-RN e enquanto fui na mala do carro estacionado na frente da Pousada onde fiquei hospedado por uma noite, uma pessoa maltrapilha do lado de fora acena para mim, deseja um real. Resisto a minha tendência de acenar negativamente com a mão. Vou em sua direção. Converso amistosamento com ele. Fala que é um agricultor, mas que não conseguiu plantar neste ano devido a seca. Era verdade. Em todo o Estado vários municípios tinham declarado situação de emergência, apenas nos últimos dias é que caíram fortes chuvas, principalmente nas áreas litorâneas. Dei o Real solicitado de forma amistosa e natural. O tratei como um irmão que necessitava. Não penetrou na minha mente pensamentos de que eu estava sendo ludibriado por um vagabundo que vivia dessa forma a pedir sem outro compromisso com a vida. Bem que eu poderia ter aprofundado um pouco mais a conversa e saber um pouco mais da sua realidade. Mas isso poderia também o incomodar. Enfim, foi mais um teste que a Caridade realizou e dessa vez, acredito que me sai bem melhor do que das vezes anteriores. A consciência não apontou grandes críticas. Acredito ser merecedor de pelo menos um oito.
Estava mais uma vez na rodoviária esperando o ônibus para retornar para casa. Na mesma rodoviária onde de outra vez vi uma garota que despertou simpatia e que senti que poderia evoluir para uma possível relação afetiva. Dessa vez era uma senhora idosa, de pés tortos e de hálito alcoólicos. Estava lendo um livro e ela sentou perto de mim. Continuei a ler sem dar muita atenção a uma conversa que ela queria iniciar...
“... Deus é amor. Deus tem tudo para dar a nós. Deus cura os cegos, os paralíticos, tudo em nome de Jesus, não é meu filho?” – e jogava a cabeça sobre meus ombros; sentia mais forte o hálito alcoólico. Ao mesmo tempo eu pensava que devia exercer a caridade com ela, de lhe dar um pouco de atenção, de tolerar a sua embriaguez, afinal ela estava abordando um assunto importante, a espiritualidade, o poder de Deus.
“...minha filha diz, mãe você gosta de crente? Eu disse que gosto de Jesus! Você viu na televisão um crente curando em São Paulo? Ele curou os olhos de uma criança... mas isso é demais! Tinha uma criança aleijada, ele chamou e ela veio... mas isso é demais, não é? Quem pode fazer isso é Jesus!”
Ela viu que eu não interagia com ela, que agora eu estava escrevendo na contra capa do livro as suas palavras para repetir aqui neste blog. Enquanto isso eu ficava a pensar na caridade que eu estava dando a essa pessoa. Ás vezes eu caminhava pelas ruas, pelo campo, via pássaros e ficava a desejar que eles viessem até mim, que pousassem no meu ombro assim como faziam com São Francisco. Mas agora eu tinha ali uma cabeça que pousava vez de quando no meu ombro de um ser vivo muito mais importante para Deus do que um simples pássaro. Era uma pessoa, um ser humano e isso não me trazia nenhum tipo de orgulho. Um pássaro poderia significar para quem visse, o meu alto grau de espiritualidade; aquela cabeça de uma bêbada poderia causar censura, uma tolerância inaceitável aos bons costumes. Via assim uma série de conflitos incompatíveis com a Caridade que eu tanto desejo exercer.
Ela ficou um tempo sem dirigir a palavra para mim. Ficava a murmurar: Deus é bom, Deus é bom, Deus é bom... tudo que temos é a vida para dar a Ele; Ele tem tudo para dar a nós... o que pede nós “ver”... depois voltou-se para mim:
- Eu gosto de conversar com uma pessoa como o senhor. Quanto anos o senhor tem?
- 59
- Eu tenho 67 anos, sou de 1945... eu não minto não!
Solta uma gargalhada. Olha com mais atenção para mim. Pergunta o que estou fazendo, o que estou escrevendo, se é a palavra de Jesus. Digo que pode ser. Ela olha com cuidado os escritos. Sei que mesmo ela sendo alfabetizada, não vai conseguir ler minha letra garranchosa. Diz que é bonitinho.
Vejo que chega o ônibus. Pego minha bolsa apressado e me despeço com palavras secas: - Chegou meu ônibus. Tenho que ir. Tchau.
Fiquei a avaliar o meu grau de caridade para com aquela senhora. Fiquei mais preocupado em escrever do que conversar com ela. Permiti que ela se apoiasse no meu ombro sem a repudiar, foi um avanço. Sem essa determinação em ser caridoso, eu teria saído do banco e deixado a bêbada chata entregue a própria sorte. Tive um desempenho um pouco melhor do que no último teste. Mereço um três.