Joaquim morava com sua esposa e duas cunhadas. A primeira, Cíntia, mais jovem, 18 anos, e a segunda, Frida, mais madura, 25 anos, namorava, trabalhava, tinha sua independência.
Eles sempre moravam juntos, desde que casaram há 8 anos. Mas agora Joaquim sentia uma forte atração pelas cunhadas. Tinha uma boa relação com a esposa a quem amava e sabia que aquele desejo tinha uma base puramente instintiva, que não deveria procurar atende-lo.
Essa forte convicção ética de Joaquim servia de barreira para que ele não se aproximasse das cunhadas com segundas intenções. Acontece que os instintos não desaparecem apesar do bloqueio racional.
Certa noite Frida entrou em crise. Seu namorado, com quem tinha esperança de noivar, achava que estava perto e que iria casar, resolveu romper a relação. Desesperada e chorando compulsivamente, procurou Joaquim para desabafar. Este pegou o seu carro e foram conversar, sozinhos, dentro do carro estacionado na beira mar. Joaquim chegava a abraça-la de forma fraterna, de enxugar suas lágrimas, de dizer palavras de conforto e encorajamento. Não avançou um milímetro sequer em qualquer atitude imprópria dentro daquela circunstância. Mas os instintos estavam em efervescência, queriam apenas uma chance, uma palavra de incentivo da parte dela para ele então entrar em ação. Mas o espírito de Joaquim estava atento, se ele não percebesse nenhuma ação nesse sentido, ele não permitiria a iniciativa. Mas Frida não tinha nenhum interesse no homem da irmã, estava simplesmente sofrendo o forte estresse da perda do namorado.
O tempo passava e Joaquim observava durante a noite, a proximidade das cunhadas nos seus quartos e o sofrimento de Frida. Seus instintos sempre na espreita à espera de uma sinalização. Joaquim jamais usaria da força ou ameaças para atender seus desejos. Cíntia, a mais jovem é quem dava mais possibilidades dessa sinalização. Mas era por quem Joaquim levantava maiores bloqueios. Sabia que Cíntia era mais ingênua, totalmente dependente, não trabalhava, e qualquer iniciativa nesse sentido iria provocar uma reação que pelo sim, pelo não, seria ruim para ela. A sua posição evangélica não permitiria que ele fizesse mal ao próximo, fizesse aquilo que não queria para ele. Agora, com Frida era diferente. Frida estava sofrendo uma separação que para ela foi injusta, tinha o seu emprego, era independente. Uma iniciativa dele nesse sentido poderia trazer benefício para ela, para atenuar a dor da sua perda.
Foi esse tipo de raciocínio que foi tomando corpo e minando as barreiras éticas que Joaquim tinha formado. Até que chegou a noite que essa racionalização venceu os últimos obstáculos racionais e Joaquim foi até o quarto de Frida. Ela estava dormindo, ele se aproximou sorrateiramente, se agachou ao lado da sua cama tocou no seu braço para acordar e fazer o convite que nem mesmo ele sabia o que dizer. Estava sendo empurrado pelos instintos e a parte racional esta obnubilada. Frida acordou, estremunhada, perguntou o que era aquilo. Intimidou Joaquim que balbuciou que queria falar consigo, palavras trêmulas entrecortadas... talvez isso tenha provocado mais medo em Frida que passou a gritar a plenos pulmões e assim acordar a casa.
Pronto! O cenário estava montado. Criminoso e vítima lado a lado. Testemunhas revoltadas. O julgamento foi rápido, a pena imediata. Tarado! Devia ficar sob monitoria constante, todos os quartos da casa trancados e informar aos demais interessados do círculo familiar o perigo que existia naquela figura aparentemente tão atenciosa.
Esse julgamento doméstico, familiar, estava coerente com a moral cultural da sociedade em que estavam os envolvidos.
A justiça humana foi aplicada, mas está coerente com a justiça divina?
Lendo o preâmbulo de um livro pertencente à literatura de Alcoólicos Anônimos, irmandade da qual tenho grande admiração, comecei a fazer algumas reflexões sobre o que poderíamos fazer para aplicar os princípios de AA à nossa comunidade humana que ainda mostra um comportamento tão próximo da animalidade, recheado de egoísmo.
Que dizia esse preâmbulo...
Alcoólicos Anônimos é uma irmandade de homens e mulheres que compartilham suas experiências, forças e esperanças, a fim de resolver seu problema comum e ajudar outros a se recuperarem do alcoolismo. O único requisito para se tornar membro é o desejo de parar de beber. Para ser membro de AA não há taxas ou mensalidades; somos autossuficientes graças às nossas próprias contribuições. AA não está ligado a nenhuma seita ou religião, a nenhum movimento político, nenhuma organização ou instituição, não deseja entrar em qualquer controvérsia; não apoia nem combate quaisquer causas. Nosso propósito primordial é manter-nos sóbrios e ajudarmos outros alcoólicos a alcançarem a sobriedade.
Para aplicar essa filosofia dentro da sociedade para tentar expurgar o egoísmo que nos atormenta a vida e atrapalha a evolução espiritual, devíamos adaptar o preâmbulo da seguinte forma:
Egoístas Anônimos é uma irmandade de homens e mulheres que compartilham suas experiências, forças e esperanças a fim de resolver seu problema comum e ajudar outros a se libertarem do egoísmo. O único requisito para se tornar membro é o desejo de deixar de ser egoísta. Para ser membro de EA não há taxas ou mensalidades. Somos autossuficientes graças as nossas próprias contribuições. EA não está ligado a nenhuma seita ou religião, a nenhum movimento político, nenhuma organização ou instituição, não deseja entrar em qualquer controvérsia; não apoia nem combate quaisquer causas. Nosso propósito primordial é manter-nos harmônicos com a natureza e ajudarmos outros egoístas a alcançarem a harmonia.
Fazer isso, participar de um grupo com essas características, parece ser factível. Porém, seria preciso que estivéssemos num patamar consciencial bem elevado, capaz de reconhecer a importância de deixarmos o homem velho dentro do corpo biológico, com suas raízes instintivas as quais mantém ativo o egoísmo dentro da cultura, e lutar para a prevalência dos valores espirituais. Dessa forma não seríamos ironizados quando propuséssemos a ideia de tal irmandade.
Talvez, na próxima fase que iremos ter no nosso progresso, quando a Terra tiver alcançado o nível de “Planeta de Regeneração”, possamos ver diversos grupos como esse de EA espalhados pelo globo, como acontece hoje com AA.
Uma nova modalidade de negócios começa a tomar corpo a partir dos Estados Unidos: o sistema de Marketing Multinível, uma forma de negócios baseado nos relacionamentos que a pessoa tenha ou que possa construir. O princípio é o de redução de custos, da fabricação do produto até o consumidor eliminando uma serie de intermediários. Os gastos com essa transferência passam a remunerar os agentes que participam do negócio, de forma meritocrática. Quem deseja crescer no negócio e alcançar os mais altos postos, deve mergulhar de cabeça no trabalho de construção da rede de relacionamentos, onde cada consumo patrocinado por essa pessoa retorna o determinado percentual que aumenta os seus rendimentos.
Não tenho interesse em ser milionário como os patrocinadores costumam dizer em suas apresentações, mas, como terapeuta que tem contato com muitas pessoas com dificuldades financeiras, até mesmo no círculo familiar, vejo como uma boa opção para quem está desempregado e espera uma oportunidade de emprego.
A forma de ingresso nesse tipo de trabalho não exige altos custos, com um pequeno esforço da família o cadastro pode ser feito e a pessoa já pode cair em campo. A nível familiar isso pode ser melhor desenvolvido, pela confiança que é melhor alcançada. À nível de pacientes isso fica mais complicado, pois apesar de possuírem algum tipo de transtorno mental, tem mais dificuldade de levantar o dinheiro necessário, mesmo que pouco.
Vencido essa primeira fase deve ser feito um bom acompanhamento. Mesmo que não haja de imediato um retorno financeiro, esse acompanhamento para ensinar o negócio e o esforço para criar novos relacionamentos, oferece um bom campo de terapia, que pode até substituir a parte farmacológica ou psicoterapêutica.
O que deve ser mais difícil para mim é a parte do tempo, pois já tenho diversos envolvimentos em outras ações que estão se desenvolvendo, a nível profissional, educativo e assistência psiquiátrica, a nível comunitário e à nível espiritual. Mas tudo pode estar no contexto espiritual, pois o Marketing Multinível tem a característica de ajudar ao outro, principalmente aquele que tem mais dificuldades. Essa tarefa tem sintonia com o trabalho que deveremos ter para a construção do Reino de Deus, pois aí teremos que ampliar os nossos relacionamentos com base no Amor Incondicional que estará acima dos interesses egoístas da nossa natureza animal.
No estudo espiritual realizado na Associação Médica, a discussão maior foi sobre o meu comportamento, se estava seguindo os critérios cristãos. Durante a leitura do texto foi encontrado o seguinte: “O espírito para trabalhar por sua depuração, deve reprimir as más tendências, vencer as paixões, vendo as vantagens no futuro; para se identificar com a vida futura, devemos para ela dirigir nossas aspirações e preferi-las à vida terrestre; é preciso não só nela crer, mas compreender; é preciso representa-la sob um aspecto satisfatório para a razão, em completo acordo com a lógica, o bom senso e a ideia que se faz da grandeza, da bondade e da justiça de Deus”.
Com a reflexão sobre o texto, coloquei como exemplo a minha decisão de mudar a minha forma de considerar o exclusivismo afetivo e sexual que caracteriza o casamento. Mostrei que apesar da minha firme decisão ao casar, de manter a fidelidade conjugal, passei a sofrer convites para envolvimento sexual fora do casamento. Era uma colega de trabalho, que durante os meus plantões enquanto acadêmico de medicina, fazia os seus convites para sairmos qualquer dia e realizar uma transa sexual. Ela era uma pessoa sensual, casada tanto quanto eu, e ambos sabíamos que seria uma ação que teria efeitos só para nós, iriamos ter um prazer sexual que não deveria importar a terceiros. Eu resistia, pois estava convicto que isso era um erro, eu estava comprometido com a promessa de fidelidade conjugal, eu deveria me envolver sexualmente apenas com minha esposa. Acontece que os constantes convites despertavam cada vez mais os meus desejos, ativava os meus instintos de reprodução, que eu poderia caracterizar como as “más tendências”. Porém, entrou nas minhas racionalizações os conceitos do Amor Incondicional, as lições do Mestre Jesus, de fazer ao próximo aquilo que desejaríamos para nós. Eu tinha ao lado o meu próximo mais próximo, uma mulher sensual que desejava fazer sexo comigo. Dentro desse contexto não haveria problema de sair com ela, pois eu também desejava que isso acontecesse. O impedimento para que isso acontecesse, era a existência da minha esposa e do marido da minha colega. Acontece, que pelo que ela relatava, o marido costumava ter suas experiências extraconjugais. Eu seria um elemento de trazer justiça para ela. Mas, com a minha esposa era diferente, ela nunca teve outra experiência sexual e seguia com rigidez o compromisso de fidelidade conjugal prometido diante do altar. A minha lógica dizia que eu não podia me permitir sair com minha colega, já que minha esposa cumpria a promessa feita e eu esperava isso dela. Foi essa amarração entre mim e minha esposa que constituía o obstáculo para eu sair com minha colega. Mas o desejo cada vez ficava mais forte e a racionalização apontava que a minha esposa era o obstáculo, pois representava o compromisso que assumimos.
Fiquei me sentindo prisioneiro dentro de uma gaiola que eu mesmo construíra e que a minha esposa era a carcereira dessa condição. Senti que o meu sentimento de adaptação e harmonia conjugal ia se deteriorando cada vez mais. Eu procurava manter as aparências de uma vida tranquila, mas cada vez o esforço era maior. Previa que isso estava deteriorando o meu casamento, e que não bastava eu renegar esse desejo que foi formado. Isso iria ficar na minha memória, outros desejos iriam surgir, outras lutas iriam ser feitas e o meu sonho de viver feliz com minha esposa até o fim da vida, estava ruindo. Não era culpa dela nem minha, eu concluía. Tudo surgiu dentro de uma naturalidade, dentro de uma constituição biológica que o Pai construiu para nós.
Percebi que, para manter o meu casamento com a mesma qualidade afetiva, eu teria que quebrar os meus preconceitos machistas e dar a minha esposa o mesmo direito que eu desejava ter agora, experiências extraconjugais. Se eu desse esse direito a ela, então quebraria a barreira que impedia de sair com minha colega. O desejo tão forte que eu passei a ter por ela fez com que eu quebrasse na minha consciência o impedimento que minha esposa nutria da fidelidade e exclusivismo sexual. Pensando assim, sai com a minha colega algumas vezes, o que me trouxe muito prazer. Não havia culpa nem para mim, nem para ela. Ela estava fazendo justamente o que seu marido fazia; eu estava fazendo o que minha esposa também teria o direito de fazer quando a ocasião chegasse e ela assim desejasse.
Mesmo sem ninguém saber disso, inclusive a minha esposa, o meu casamento deixava de ser fechado, exclusivista, para ser aberto. Voltei a ter a mesma alegria de antes no casamento, mesmo sabendo que um dia teria que dizer a minha esposa da minha transformação.
Nesse ponto fica colocada a questão: sofri o arrastamento das más tendências e pequei contra a lei de Deus? Ou obedeci a Lei do Amor, deixando fluir afetos íntimos com o próximo, abrindo a perspectiva da inclusão de um amor mais especial?
Essa retomada de posição fez uma reviravolta na minha vida, passei a viver em sociedade dentro de uma cultura que defende o amor exclusivo nas relações conjugais, mas que na verdade praticam as relações extraconjugais de forma escondida, se mantem sobre o manto da mentira. A minha forma de viver, apesar de tão destoante da cultura está envolta no manto da verdade. Vivo assim até hoje, mesmo sendo criticado por tantos que dizem que estou equivocado, que não estou fazendo a vontade de Deus como eu imagino estar fazendo. Não tenho como provar com minhas pobres argumentações que eu estou certo, mesmo porque eu posso realmente estar errado, e todos os críticos estarem certos. Mas estou pronto para ser julgado pela justiça divina, que sei que é incorruptível e que estou pronto para reparar o mal que eu sem querer possa ter causado, como é dito no sentido final das críticas.
Estou afundando, perdendo a consciência num copo de bebida alcoólica. Sinto que vou morrer afogado, não tenho mais forças para resistir a tamanha atração que arrebata a minha alma sob os desejos da carne, a compulsão por mais um gole que anestesie os meus tormentos. Quando a minha consciência sobe à superfície por um momento, que vejo a destruição ao meu redor, tudo que fiz e continuo fazendo de errado, vem uma vontade de deixar essa existência tão triste, onde me vejo algemado a uma garrafa de bebida alcoólica. Passo a pensar no suicídio, não vejo outra solução. Sei que muitas pessoas como eu encontraram essa solução para sair desse aperto.
Fui na sala de Alcoólicos Anônimos, os colegas que foram falar na cabeceira de mesa mostraram que eram impotentes frente ao álcool. Reconheci que não era diferente deles, também sou impotente frente ao álcool. É ele que está me levando cada vez mais ao fundo do poço. Não tenho forças para resistir a esse arrastamento que consome o meu corpo e minha alma como areia movediça: quanto mais me debato querendo sair, mas afundo na lama. Não tenho nenhum ponto de apoio no qual possa me sustentar, possa fazer força e sair. Minha família não acredita em mim, meus colegas de trabalho se afastaram, restam apenas os amigos de copo, que como eu, também estão sendo arrastados na mesma areia movediça.
Mas alguém me fala de um Poder Superior, uma forma de encontro com Deus da maneira que eu possa imaginar. Dizem que somente um Poder Superior poderá me livrar dessa obsessão que torna minha vida ingovernável. Não acredito que exista um Deus capaz de tamanho milagre. Recuso-me a ser enganado. Mas, eu vivo dentro de um engano. Vivo dentro de um redemoinho que eu mesmo construí e que suga a minha vida. Agora chega perto de minha consciência uma ajuda que poderá me livrar dessa agonia, e eu recuso pois tem um nome que nunca respeitei, nunca dei crédito na sua existência.
Por que não me agarro a esse tipo de salva-vidas que alguém me atirou? Só porque tem o nome de um Poder Superior que eu não consigo ver, medir ou pesar? Mas também não consigo ver, medir ou pesar essa obsessão pelo álcool e que destrói a minha vida. Porque não posso aceitar essa sugestão, mesmo que seja só para experimentar um pouquinho de sua realidade? Porque não deixo à minha mente aberta para a possibilidade de um milagre acontecer na minha vida? Afinal, a ciência aceita a existência dos milagres, dos fatos que acontecem e que ela não consegue provar ou explicar.
Vejo ao redor, na sala de AA, tantos exemplos desse milagre, e todos tiveram a ajuda desse Poder Superior. Porque somente eu deva ser melhor ou pior do que eles e não ser alcançado por esse milagre? Devo parar de lutar com a minha descrença. Não posso acreditar em Deus e desafiá-lo ao mesmo tempo. Acreditar significa confiar e não desafiar. Porque não considerar nos companheiros abençoados pelo milagre da abstinência o refúgio da minha fé? Talvez dentro dessa sala, frequentando, aprendendo e servindo, a minha fé se amplie. Talvez eu chegue a ver o rosto de Deus, algum dia quando cansado de servir ao próximo, quando muitas almas eu tiver ajudado a sair do desespero contando a minha história e estendendo a minha mão, quando eu fitar com meus olhos umedecidos pela fé, o meu próprio espelho.