Fiquei de falar hoje sobre a minha vida, meus sentimentos, relacionando com o que existe de semelhante com o Fantasma da Ópera, de Gaston Leroux. Como ele eu também vivo numa espécie de calabouço da alma onde meus pensamentos, sentimentos e ações não são os mesmos praticados pelas pessoas na minha cultura local. Sou dessa forma considerado como um deformado da alma, que causa pavor nas pessoas íntegras e que desejam seguir com honestidade os princípios culturais e legais da sociedade. Sou obrigado a viver nas sombras para ser honesto com a visão que Deus me deu do mundo, da missão que eu entendo que Ele colocou sobre meus ombros. Dessa forma começa aí a primeira semelhança, o Fantasma da Ópera obrigado a viver nas sombras de um Teatro, eu obrigado a viver nas sombras da vida... um Fantasma da Vida.
Também apresento a primeira diferença. O prisma do amor do Fantasma da Ópera, aquele prisma que fraciona a energia dos sentimentos em milhares de vibrações, tem uma base conceitual e uma prática diferente da minha. O dele gera vibrações mais próximas da animalidade, do egoísmo, do amor romântico, condicional. O meu gera vibrações mais próximas da angelitude, do altruísmo, do amor romântico subordinado ao amor incondicional.
Devido o Amor Incondicional funcionar com prioridade dentro de meus sentimentos e pensamentos, as ações são diferentes daquelas que tem como prioridade o amor romântico, caso do Fantasma da Ópera, que reflete o sentimento prevalente da humanidade. Quando uma pessoa que sente com o prisma do amor romântico descobre que eu funciono de outra forma, interpreta isso como uma deformidade moral, com muito mais feiura do que a deformidade física do Fantasma da Ópera. Acontece que a deformidade moral do Fantasma da Ópera está baseada no amor romântico e que nesse sentido não deveria ser considerada como uma deformidade, já que é dessa forma que todos pensam. Tudo que Erik, o Fantasma da Ópera, faz para ter consigo o corpo e a alma de Christine está em função do amor romântico, prova disso é a sua bela canção que faz encantar nossos corações e marejar nossos olhos. Mas o que ele fez eu jamais faria, pois em mim não prevalece o amor romântico, condicional, e sim o Amor Incondicional.
Jamais eu prenderia alguém em meu mundo contra a sua vontade, jamais eu esconderia a minha verdade, minha deformidade, para ter o amor de quem quer que seja. Não importa que mostrando a minha “deformidade moral” eu provoque choque ou mesmo repulsa em quem eu ame. Não importa que mostrando a verdade eu esteja destruindo o amor romântico de quem o desenvolveu por mim. Talvez até transformando-o em ódio. Posso até usar uma máscara em público na forma de não está publicando quem eu seja, como eu penso, sinto e ajo. Mas jamais usarei a mentira para encobrir quem eu sou. A minha máscara se caracteriza pela discrição do que sou, de não está mostrando a todos a minha forma universal de amar, de defender a família universal, alicerçada na fraternidade, em detrimento da família nuclear, alicerçada no egoísmo.
Jamais eu irei fazer como o Fantasma da Ópera, amar alguém e exigir dessa pessoa exclusividade do amor, que ela não pode amar mais ninguém.
O que fascina em mim não é o gênio musical do Fantasma da Ópera e sim a capacidade de amar incondicionalmente. Essa forma de amar não encontra barreira quando os dois amantes se permitem. Agora, se um ama de forma condicional irá exigir um amor exclusivo, para dar e receber. Se o outro ama de forma incondicional irá aceitar e praticar um amor inclusivo, para dar e receber.
Aqui está o conflito e a incompatibilidade entre eu e a minha amada e que ela associou ao Fantasma da Ópera. Ela ama de forma condicional, como ama o Fantasma da Ópera; eu amo de forma incondicional, como não vi ninguém até hoje amar.
Ela pode me considerar uma fera por me permitir amar tantas mulheres, a humanidade, a natureza. Mas não sou um predador, pelo contrário, deixo preparada todas minhas amantes, seja profissionalmente, psicologicamente ou financeiramente, para me descartarem quando assim for conveniente para elas, como aconteceu mais de uma vez, e nem por isso fiquei revoltado ou deixei de amar quem assim procedeu. Estou sempre disposto a abrir, por amor, a minha mão se por acaso ela se fechar, já que conscientemente ela sempre está aberta.
A minha forma de amar, apesar de não permitir exclusividade com ninguém, ela procura sintonizar com harmonia em todos os departamentos da sensibilidade do ser amado, até o mais profundo nível, da união dos corpos, do amálgama da carne, fazendo o milagre previsto na Bíblia: o homem se tornar com a mulher “carne da mesma carne”. É este encantamento que a minha forma de amar faz que a pessoa desenvolva uma dependência emocional, concordo, mas jamais uma dominação, pois a pessoa sempre está livre para seguir o caminho que deseja. Dependência porque a pessoa experimenta o prazer de está comigo e dessa forma dispara no cérebro regiões que liberam substâncias químicas que gera sempre que possível o desejo de voltar a ter aquela mesma sensação. Isso alimenta o amor romântico e também o exclusivismo, o egoísmo, daquele prazer pertencer somente aquela pessoa.
Nesse ponto o conflito fica mais claro. A pessoa reconhece o quanto é salutar, prazeroso, está com o amante incondicional, mas é identificado o ponto de conflito, de não permitir que esse amor seja dividido por mais ninguém. Assim, os aspectos negativos começam a prevalecer sobre os positivos e nesse ponto, concordo, deve haver um afastamento da fonte que causa angústia. Eu não posso tomar essa iniciativa, não sei quando chegou o ponto dos malefícios ultrapassarem os benefícios para a outra pessoa. Para mim os benefícios nunca serão ultrapassados, nunca deixarei de amar quem já aprendi a amar, mesmo que por essa pessoa nunca tenha tido alguma paixão. O máximo que posso fazer é ter algum tipo de afastamento de alguma pessoa quando sentir que a harmonia que deve existir na convivência foi perturbada.
Posso sofrer a acusação de querer ser um tutor, um orientador, professor, ou mesmo um anjo, quando procuro falar sobre a minha forma de amar, de justificar, de procurar sensibilizar para a sua prática. Mas tudo isso é feito sem jamais querer incluir dentro dele um sentimento de posse. Não quero fazer de ninguém uma extensão de mim, mas para conviver comigo em harmonia é necessário, muito além de ser carne de minha carne, sintonizar com meus pensamentos, sentimentos e ações, justificando-os com prazer e honestidade frente a qualquer pessoa, distante ou próxima.
Não posso ser acusado como o Fantasma da Ópera foi de ser um ídolo caído, de ser um falso amigo. Nunca disse que eu era diferente do que sou, que eu traí a amizade ou o companheirismo de quem quer que seja, pois todos sabem dos meus limites e dos meus projetos; nunca enganei ninguém nem quero que convivam comigo sem questionar. Posso sim, fazer derramar lágrimas, quando as pessoas percebem que não podem mudar a pessoa em que me tornei, que aceito e que incentivo.
Se essa é a minha deformação moral conforme assim muitos imaginam, que provoca repulsa, que não tenho direito a compaixão ou piedade, que assim seja, pois vivo isolado no meu mundo de sonhos. E esse é o meu maior castigo, do tanto amor que sei ofertar, de ninguém o mesmo amor eu consiga receber.
Sou o Fantasma da Vida que não mereço ser tratado como um ser humano, daqueles que sabem amar e exigir exclusividade, que são capazes de matar por esse “amor”, que sabem sentir só para si um dom que por natureza divina deveria ser para todos.
Recebi um texto que faz a reflexão de “O Fantasma da Ópera” na perspectiva de uma pessoa muito querida, talvez ela me colocando na posição do Fantasma e ela mesma na condição de Christine, a protagonista. Não vou reproduzir na íntegra esse texto que ela me enviou, mas tentarei colocar suas palavras modificadas para o entendimento atual de quem agora está lendo, com o máximo de esforço para não ser infiel aos sentimentos e pensamentos de quem o fez.
Ao ouvir pela primeira vez “O Fantasma da Ópera” apaixonei-me perdidamente. As impactantes notas iniciais e o crescendo em desespero dos acordes finais ressoam no fundo d’alma, tornando-a inesquecível. Assisti ao filme na Net, em muitos momentos a emoção falou mais alto e marejei os olhos. Toda a história ressalta a dualidade presente no ser humano, tais como fortaleza e fragilidade, beleza e feiura, amor e ódio, disfarce e exposição, e outras de caráter antagônicas. Assim também explora a redenção da fera quando obedece ao preceito de abrir, por amor, a mão fechada seguindo um viés da linha de pensamento de Nietzsche quando diz “pois isso é o mais difícil de tudo: fechar, por amor, a mão aberta”.
O querer bem dá a tônica igualitária do abrir ou fechar, aproximando esses pensamentos aparentemente contrários.
A história gótica tocou-me em pontos sensíveis. Pensei em quantos de nós, em algum momento de nossas vidas, não sentimos que em nós mora um outro a quem percebemos como um ponto de extensão pela semelhança no pensar, falar e agir, que sentimos como pessoas afins.
Há passagens fortes na história. Uma delas nos mostra como a dominação/dependência emocional pode ser bem mais forte que a física, quando ela canta:
...e apesar de se afastar de mim para olhar para trás
o fantasma da ópera está lá, dentro da sua mente.
Será totalmente estranho isso? Não nos pegamos vezes sem conta com lembranças recorrentes de alguém em momentos até mesmo inusitados a tonalizar nossos sentimentos e comportamentos? É salutar que identifiquemos noutrem características que admiramos, que sabemos não possuir, ou possuímos, mas que é alavancada por influência alheia e que acabam servindo de cimento nas relações.
Quanto mais essa influência provoca bem estar, mais aceitamos e até mesmo desejamos que continue. Porém, se chega a um ponto de conflito, procuramos incessantemente nos afastarmos da fonte que nos angustia. O fantasma está lá, mas queremos exorcizá-lo.
O momento crucial da percepção de que devemos nos livrar de algo que nos pesa no âmago, que nos prende qual âncora ao fundo do nosso mar interior e que nos impede de seguir em frente, se dá quando a protagonista resolve aconselhar-se com o espírito do pai e vai até a sua cripta no cemitério, confessando a falta que ele lhe faz e do quanto gostaria de sua presença novamente, mesmo sabendo que precisa dizer adeus: ela deve seguir sozinha, sem tutores, sem anjo da música a orientá-la, já que continuar a segui-lo, aceitá-lo como parte integrante do seu ser, seria renunciar ao amor do namorado de infância, com quem pretendia dividir a vida, para desespero e ódio do Fantasma que a sentia como uma extensão de si, mostrando-se ao mundo através dela, exigindo-lhe dedicação integral à música e desenvolvendo o sentimento de posse, o que a fez sentir-se desconfortável, acima mesmo da gratidão por ele guiá-la e protegê-la. De modo pungente ela se posiciona para o pai mostrando que chegou seu limite, mas reconhecendo que precisa de ajuda para poder partir:
...por que o passado não pode simplesmente morrer?
queria que voce estivesse aqui de novo
sabendo que temos de dizer adeus.
...........
basta de lembranças
basta de lágrimas silenciosas
de ficar olhando para os anos perdidos
me ajude a dizer adeus.
O grande desafio nas relações é equilibrar as porções Fantasma (influenciador) e Christine (influenciada) que temos em maior ou menor grau. Como ela, sabemos que tomar as rédeas da própria vida é necessário, é libertador, mas não deixa de nos provocar anseios. Estaremos expostos a vendavais, muitas vezes inseguros com as escolhas que fazemos sozinhos, desconfortáveis diante do estou aqui que não ouvimos mais. Mas seguimos, é a lei natural, e todo ser tutelado anseia por liberdade e se revolta diante da tentativa de dominação, aprisionamento, sujeição, substituindo os bons sentimentos por maus, o desejo de ficar perto pela urgência em afastar-se, especialmente quando nos frustramos com nossos ídolos de barro em quem confiamos sem reservas:
adeus, meu ídolo caído e falso amigo
anjo da música, voce me enganou
entreguei-lhe a minha mente sem questionar
........
As lágrimas que posso ter derramado pelo seu trágico destino
Tornam-se frias
E transformam-se em lágrimas de ódio
Em pessoas não eminentemente carnais e que priorizam o afeto em desfavor da aparência, são as deformações morais que provocam repulsa e causam piedade as de cunho físico. Quando rejeitados tendemos a pensar que fomos deixados à beira do caminho por nossas feiuras corpóreas, mas quase sempre o comportamento é o responsável por tal, confirmado aqui quando o Fantasma brada:
(...) este rosto, esta infecção que envenena nosso amor.
... referindo-se a ela preteri-lo em função do seu rosto desfigurado de nascença, ao que ela responde:
este rosto assombroso não me causa mais horror
é na sua alma que está a verdadeira distorção
E como ela entende o peso de uma vida de rejeição, e por saber que uma migalha de afeto redimiria aquele homem que fez dela sua vida (como tantos que não tem vida própria e vivem a de outros, sufocando-os) e livraria seu amado da morte, ela aproxima-se e o toca na face deformada, com piedade cristã:
pobre criatura da escuridão
que tipo de vida voce conhece?
Deus me deu coragem de lhe mostrar
que não está sozinho.
E o beija. Diante do olhar surpreso dele ela o beija novamente e um incipiente sorriso de felicidade se transforma em amargura e arrependimento por forçá-la a fazer quase uma “escolha de Sofia”, já que ficando com ele seu amado viveria, mas ela morreria em vida ao seu lado na eterna noite do subterrâneo do Ópera de Paris. Percebe claramente que no gesto dela há piedade por ele e sacrifício pelo outro e é aí que vem a redenção pelo amor: ele a tinha na mão, mas por amor a abriu... e os deixou ir para a vida.
Se há tempos não sentia tanta emoção ao assistir um filme é que também tenho um Fantasma da Ópera dentro da minha mente que fala e não se mostra e mesmo quando silencia continua a falar.
A mim só faltou ao lado uma mão para apertar...
Eis o Fantasma da Ópera cuja alma a minha querida revestiu a minha. Por curiosidade fui procurar no Youtube se existia o filme, ainda não o conhecia, apesar de conhecer tantos filmes. Por ironia encontrei a versão de 1925, a década de lançamento do filme trocada pela década do meu nascimento, 1952. Será que ela estava com a razão? Seria a alma daquele homem semelhante à minha e o que ele fez com Christine eu estaria fazendo a ela?
Sim, reconheci de alguma forma que trago alguma semelhança com esse Fantasma, mas na essência do pensamento, sentimento e ação existem muitas diferenças que o olhar dela não captou e, talvez, como o Fantasma da Ópera, ninguém consiga captar a essência desses meus sentimentos.
Deixarei o meu “Fantasma” falar amanhã, hoje já é muito tarde...
O amor é como um prisma que fraciona a energia dos sentimentos em miríades de vibrações que a partir do coração preenche o nosso corpo, mente e alma e se dilui no espaço por onde caminhamos, com as pessoas que se tornam nossos companheiros, eventuais ou constantes. Existem as vibrações pesadas, ligadas à terra, aos interesses espirituais. Existem as vibrações sutis ligados ao céu, aos interesses espirituais.
Quando o amor funciona gera dentro de nossa consciência todos os efeitos vibracionais dos sentimentos, grosseiros ou sutis. Como fazer para separar as vibrações grosseiras que nos arrastam para baixo, para o inferno da materialidade, e deixar prevalecer as vibrações sutis, que elevam nossa alma em direção a Deus? Se essas vibrações estão intricadas umas dentro das outras? Como amar e odiar ao mesmo tempo? Como viver no paraíso e logo em seguida mergulhar no inferno? Se não soubermos separar e administrar com justiça e firmeza essas vibrações que surgem às vezes com a força das paixões, iremos irremediavelmente cair dentro dessa gangorra existencial.
Um exemplo disso que estou querendo relatar é a obra literária de Gaston Leroux, “O Fantasma da ópera”. Ele é um ser deformado que se esconde atrás de uma máscara e vive nos subterrâneos de uma ópera em Paris, onde tudo de ruim que acontece é sua a culpa. Exige dos administradores uma quantia para que os espetáculos possam ser exibidos e que seja reservado o camarote número cinco.
Christine, a bailarina, descobre que o seu guia, um “Anjo da Música” é na verdade Erik, o fantasma que aterroriza a ópera. Descobre que ele é fisicamente deformado, razão pela qual usa uma máscara para esconder a sua deformidade. Vendo a verdadeira imagem de Erik, ela entra em choque, e Erik decide prendê-la em seu mundo, dizendo que somente a deixará partir se ela prometer não amar ninguém além dele e voltar por vontade própria.
Acontece que Christine passa a enfrentar uma luta interna entre o seu amor por Raoul, desde a infância, e a fascinação pelo gênio musical do Fantasma. Ela decide se casar com Raoul em segredo e fugir de Paris e do alcance do Fantasma. Mas o seu plano é descoberto e termina sendo raptada do palco pelo Fantasma e levada para os labirintos embaixo da ópera. Raoul tenta salvar Christine que está sendo forçada a fazer uma escolha entre o Fantasma e ele. Christine escolhe Erik com o intuito de salvar a vida das pessoas da ópera, dizendo ao Fantasma que concordará em ser a sua esposa se ele libertar Raoul.
Christine se comporta como uma verdadeira noiva para o Fantasma. Ele lhe dá um beijo na testa e ela aceita sem rejeitá-lo ou demonstrar horror. Esse ato simples faz o nível vibracional do amor do Fantasma modificar radicalmente e lhe traz uma alegria imensa. É a primeira vez na sua vida que foi tratado como uma pessoa comum. Nesse momento a qualidade etérea do amor mostra toda sua magnitude. Faz ele mudar de ideia e diz que Christine pode ir embora e se casar com Raoul, e que ele, Erik, não passa de um animal aos seus pés, pronto para morrer por ela.
Podemos ver assim toda a dimensão vibracional do amor fazendo as pessoas se comportarem como anjos ou demônios.
Cada pessoa tem o seu prisma de amor incrustado em conceitos e preconceitos, que fazem esse prisma desviar para mais ou para menos os sentimentos vibracionais que motivam comportamentos coerentes ou incoerentes.
O trabalho é visto como uma ação necessária, que todas as pessoas competentes devem realizar, nos mais diferentes níveis e especializações. É o motor que dinamiza e faz avançar a sociedade, da mesma forma que faz avançar cada indivíduo.
Desde pequeno, quando eu ainda era criança, estava envolvido com o trabalho. De início era um trabalho doméstico, de arrumar a casa, varrer, lavar pratos... mesmo sendo menino, não tinha nenhum prurido em fazer esses trabalhos de características femininas, até gostava de fazer, e o fazia com esmero, cuidado, dedicação. Tudo que eu fazia era digno de elogio, pois ficava na perfeição que eu conseguia alcançar. A medida que eu crescia, outros trabalhos eu ia assumindo: carregar água nas costas, com um galão que suspendia duas latas de 20 litros, para dentro de minha casa e para vender aos vizinhos; trabalhava também vendendo balas e cigarros num carrinho que eu podia levar pela cidade e estacionar onde tivesse mais fluxo de gente. Esse local era geralmente o pequeno e disputado cinema de minha cidade, Macau. Acostumei com esse trabalho a ter contato com os cartazes do cinema, com as revistas, guris e semanários femininos, as românticas, Sétimo Céu, Capricho, etc. Daí formou-se no meu psiquismo uma boa associação do trabalho com o cinema e a literatura.
Continuei os meus estudos e cada vez ia me capacitando a exercer cargos e trabalhos mais complexos. Fui servir à Marinha do Brasil aos 18 anos e esta minha disposição pela leitura, pelo conhecimento, fez com que eu desse um salto qualitativo nesse trabalho. De uma previsão de servir à Marinha como taifeiro ou barbeiro, saltei para a sala da secretaria do Hospital Naval de Natal, onde devido a minha boa pontuação na Escola de Formação de Marinheiros eu pude escolher, ao invés de embarcar num navio. Pude assim continuar a estudar em terra e me capacitar para a profissão de médico.
Comecei a trabalhar como médico em comunidade recém criada no meu município e aliei ao meu trabalho profissional a atividade política. Fui presidente de Conselho Comunitário do Conjunto Santa Catarina e secretário do Partido Democrático Trabalhista em minha cidade.
Atualmente estou colocando cada vez mais a força do meu trabalho naquilo que considero ser a vontade de Deus. Portanto, o meu trabalho não tem o objetivo de ser acumulado na forma de poupança e bens materiais. Tudo que adquiro como fruto do trabalho considero que foi Deus que colocou em minhas mãos, através do meu corpo que Ele usa como Seu instrumento, com a minha permissão. Claro que não serei irresponsável com esses recursos que tenho que administrar, pois o Pai está sempre observando minhas ações e sondando meu coração. Não permitirei que eu seja usado por quem quer que seja para usufruir bens ou qualquer tipo de vantagem em detrimento de outras pessoas, que tenha um caráter de injustiça.
Sei que essa visão e forma de me comportar exige que eu execute um trabalho extra para cobrir compromissos extras que surgirão. Sei que esse esforço não está me trazendo nenhum benefício material, pois eu não procuro retê-lo, sem utilidade, ao meu à dispor a qualquer hora. Tenho sim, reservas estratégicas, mas nada de forma exagerada, que não tenha um caráter solidário... divino.
Sei que essa é mais uma característica do meu comportamento que difere da “normalidade” do resto das pessoas. Não vejo também ninguém ao meu lado que se comporte dessa forma com o fruto do seu trabalho. Mas vejo que tudo isso está devidamente coerente com a vontade de Deus que eu já absorvi na minha consciência como se fosse a minha vontade.
Recebi a indicação de um colega para a leitura do livro “Escritos de Santo Inácio de Loyola – Exercícios Espirituais”. Não encontrei nas livrarias, mas fiz o pedido e o livro chegou no fim do mês passado. No começo da leitura vi que foi mais uma ação de Deus a favor de meu crescimento espiritual e da minha disposição de caminhar em Sua direção. O livro chega exatamente neste mês que pretendo fazer a quarentena espiritual a partir do dia 18, com um rigor maior do que fiz no ano anterior.
Observei que o livro está disposto para ser usado em quatro semanas, com toda metodologia voltada para a educação do espírito em sintonia com o Criador. Sugere que a pessoa que vai ser instruída, tenha um preceptor para orientar os estudos práticos e teóricos. No meu caso, penso em evocar o meu Anjo da Guarda para me servir intuitivamente como preceptor, já que seria impraticável para eu ir à busca de um preceptor presencial. O texto não fala de “retiro”, mas tem essa conotação quando se entende a pessoa dentro dos Exercícios Espirituais. Fala “daquele que recebe os Exercícios” e “daquele que dá os exercícios”, implicando que existe uma relação aluno-professor. Por isso, vou iniciar os exercícios com a compreensão que estarei sempre intuído pelo meu Anjo da Guarda como “aquele que me dá os exercícios”, o meu preceptor.
A expressão “Exercícios” quer referir-se a todos os elementos humanos que surgem na consciência do exercitante, para que aconteça a morte do eu egoísta e uma abertura total para Deus. Devo me deparar com as afeições desordenadas, as aspirações profundas, os instintos animais, que tendem a me distanciar de Deus.
Buscar e encontrar a vontade divina é a finalidade última dos Exercícios Espirituais, mesmo que eu já possua certa clareza com relação a esta vontade para a minha vida.
Os Exercícios Espirituais são, no seu conjunto orgânico, uma pedagogia espiritual mediante a qual se dá espaço para que os Espíritos Superiores (sob o comando do Espírito Santo de Deus) possam atuar, instruindo, movendo e robustecendo o exercitante. É preciso que o Espírito Santo seja o mestre interior que orienta a pessoa: ora chamando a atenção para um aspecto do assunto proposto; ora despertando sua memória para algo já conhecido, relacionando com o que está aprendendo; ora iluminando ou propondo algo para a vida através das moções espirituais.
Toda luz desce do alto, do Sol da Inteligência divina. É ela que nos ilumina e nos faz participar dos dons divinos. Isso quer dizer que o meu Anjo da Guarda, na condição do meu orientador ou preceptor, não deve interferir de maneira alguma na comunicação divina, de Deus para comigo. O meu Anjo da Guarda não pode transmitir inadvertidamente, suas próprias convicções para mim. Eu devo agir sempre sob a graça de Deus, tentando descobrir com clareza o que Ele espera de mim.
Nos Exercícios, a comunicação pessoal com Deus se estabelece pela união das vontades, a minha e a dEle, pela comunhão vital do Amor Incondicional. A minha vontade é uma inclinação da minha alma que me leva em direção ao Amor, que é a essência do Criador. Por causa desse contato mais íntimo, do diálogo mais pessoal, devo exigir da minha parte maior respeito e reverência para com Deus, pois Ele vai se encontrar muito mais presente na minha vida durante todo esse retiro espiritual, que consiste a aplicação desses Exercícios.